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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação

ÉTICA E MÍDIA: OS PERIÓDICOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIROS E SEUS DISCURSOS SOBRE ÉTICA DA CIÊNCIA

 

Valéria Trigueiro Santos Adinolfi 1
(1. UEL/CECA/Departamento de Educação)
INTRODUÇÃO:

A ciência se torna mais e mais distante e hermética ao entendimento de leigos em ciência, enquanto sua influência sobre o cotidiano humano cresce ainda mais e atinge diversas áreas da sociedade, da saúde à comunicação, meio ambiente, economia etc. com impactos positivos e negativos. Esse desenvolvimento cientifico-tecnológico levou a sociedade a discutir seus resultados, as diferentes variáveis que pautam a ciência, a ética do fazer científico, tendo na mídia de divulgação científica importante locus de debates sobre ciência e ética e canal de educação informal, atingindo um público bastante amplo. Esses debates foram importantes no surgimento de uma nova disciplina: a Bioética. Possível lugar de uma nova abordagem em relação à ética da ciência, marcada pela multidisciplinaridade (traço contemporâneo tão importante), a Bioética surge em busca de parâmetros éticos aplicáveis a essa nova realidade tecnocientífica, e tem na mídia palco privilegiado, inclusive no Brasil. Dada a importância da Divulgação Científica para o debate sobre ética, ciência e Bioética, nos propusemos investigar a forma como isto chega ao público brasileiro. Considerando a Divulgação Científica como instância de educação informal, estudamos o modo como a Bioética e a ética da ciência têm sido abordadas e a forma como se dá esse processo de educação informal e debate de temas éticos nos periódicos brasileiros voltados para essa atividade.

 

METODOLOGIA:

Analisamos reportagens dos dois periódicos brasileiros de Divulgação Científica de maior circulação, as revistas Superinteressante e Galileu.  Escolhemos o ano de 2001 por ser quando Severino Antinori, médico italiano, anunciou sua intenção de promover a clonagem reprodutiva de seres humanos, causando intensos debates no mundo. Selecionamos as matérias a partir dos seguintes critérios: o primeiro, e fundamental, foi que tivessem como assunto principal a ética da ciência e do fazer científico e/ou Bioética, e que fossem a principal reportagem, a manchete do mês no veículo em que foram publicadas. Utilizamos como referencial teórico a Análise do Discurso Francesa, em especial as autoras Jaqueline Authier-Revuz, francesa, e Eni Orlandi, brasileira. Esta disciplina é uma das vertentes lingüísticas que estudam e analisam a linguagem em geral, sejam discursos ou imagens.  É uma escola de interpretação que tem se dedicado à questão do significado, e surgiu na França, como resultado do encontro entre estudos de lingüística clássica, psicanálise e marxismo, iniciados por Pêcheux em fins dos anos 60. Inicialmente se dedicou apenas à análise do discurso político, mas atualmente tem sido aplicada também a textos jornalísticos, publicitários, científicos, educacionais, de divulgação científica. Authier-Revuz e Eni Orlandi têm trabalhado a produção discursiva em divulgação científica a partir desse referencial.

RESULTADOS:

Quatro reportagens atenderam aos requisitos de seleção, num universo de 24 exemplares (12 de cada revista), sendo que três textos foram publicados na revista Superinteressante e um na revista Galileu. A primeira característica dos textos analisados é o uso freqüente de termos coloquiais e descontraídos, trocadilhos, paráfrases, metáforas e adjetivos, o que de acordo com Authier-Revuz (1998), é próprio do processo de reformulação textual pela qual passa o discurso científico fonte (aquele produzido por cientistas e para cientistas) para gerar um discurso segundo (produzido a partir do discurso científico e fruto da intersecção com o discurso jornalístico). Esses recursos marcam o processo de laicidade pelo qual o discurso de DC passa, na medida em que ele resulta da reformulação de um discurso técnico, científico. Os textos são permeados de citações, o que  não apenas é característico de tais textos: é essencial para que sejam caracterizados como tal, pois de acordo com Authuier-Revuz elas revelam a dupla estrutura enunciativa que caracteriza o discurso de divulgação científica, evidenciando a todo momento a presença do discurso original (D1). Por fim os textos convidam a o leitor a opinar,  a participar do processo, com expressões que diretamente chamam a atenção do leitor, mas as respostas desse  diálogo são dadas logo em seguida, cumprindo o roteiro pré-estabelecido. Há, portanto, uma encenação da participação do leitor no debate.

CONCLUSÕES:

Os resultados dessa pesquisa confirmaram tendência prevista por Authier-Revuz: a encenação da participação do leitor no processo comunicativo e educativo, o que o afasta de uma participação efetiva no debate sobre ciência, ética da ciência, Bioética, política científica etc.. A ciência é preservada enquanto instância de decisão objetiva e desinteressada para todas as questões, ocorrendo um silenciando do discurso político. Enfim, a ciência é mantida em posição destacada, com autoridade para influenciar e até decidir acerca de questões éticas, tendo o leitor apenas um vislumbre do mundo científico. Ao leitor não cabe papel realmente decisório nesse mundo distante, nem mesmo em questões éticas. O debate acerca das questões éticas é assim silenciado e substituído por decisões técnicas, num processo do qual o leitor está alienado.

Instituição de fomento: CAPES
 
Palavras-chave: ética; mídia; divulgação científica.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006