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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 4. Educação Básica
A RECUPERAÇÃO DE CICLO II NA VISÃO DE ALUNOS DA REDE ESTADUAL PAULISTA DE ENSINO
Selma de Araújo Torres Omuro 1
Luciana Maria Giovanni 1, 2
(1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO; 2. Orientadora)
INTRODUÇÃO:

Trata-se de pesquisa empírica analítico-descritiva da visão expressa por alunos de Ensino Fundamental II da rede estadual de ensino São Paulo a respeito do funcionamento de classe de Recuperação de Ciclo II, da qual fazem parte.

            A Recuperação de Ciclo II é um projeto decorrente da implantação do regime de Progressão Continuada na escola pública paulista, a partir de 1998. Trata-se de um programa especial de estudos, com duração de um ano, destinado aos alunos que chegam ao final do Ciclo II do Ensino Fundamental sem condições de prosseguir os estudos no Ensino Médio. A pesquisa tem por objetivo investigar como os alunos encaminhados para essas classes percebem e analisam sua condição de fracasso escolar (na medida em que não conseguiram concluir o Ensino Fundamental dentro do Regime de Progressão Continuada) e o que pensam sobre o projeto em que estão inseridos, sobre a escola e sobre a contribuição dos saberes escolares para a realização de seus projetos de vida. Aborda-se, portanto, questões relacionadas à implantação do chamado “ensino ciclado” nas redes públicas de ensino do Brasil a partir de um ponto de vista ainda pouco explorado nas pesquisas nacionais: a ótica dos alunos
METODOLOGIA:

A pesquisa iniciou-se com um estudo preliminar envolvendo um grupo focal composto por quatro alunos que freqüentaram uma classe de Recuperação de Ciclo II, no ano de 2004, em uma escola estadual do Vale do Ribeira, região do litoral sul paulista com baixos indicadores de desenvolvimento social e econômico. A partir de dados levantados nesse primeiro estudo, realizou-se a pesquisa principal em outra escola da mesma região por meio de entrevistas com oito alunos matriculados em classe de Recuperação de Ciclo II no ano de 2005, análise de seus cadernos e de documentos escolares (fichas de avaliação individual, históricos escolares, projetos de recuperação paralela, atas de resultados finais). Os entrevistados foram selecionados a partir de critérios estabelecidos no estudo preliminar, no qual se constatou os diferente motivos que levam os alunos a serem “retidos” ao final do Ciclo II: aproveitamento escolar insatisfatório (três alunos), freqüência insuficiente (dois alunos) e evasão escolar (três alunos).

            Para a coleta de dados foram elaborados e testados os seguintes instrumentos: roteiro para entrevista, questionário sócio-econômico, roteiro para análise de documentos escolares, roteiro para análise dos cadernos. Os resultados da coleta de dados foram organizados em quadros-síntese e tabelas que foram analisados com base nas contribuições teóricas de Pérez Gómez sobre a cultura experiencial dos alunos e de Bernard Charlot sobre a noção de relação com o saber.

RESULTADOS:

A pesquisa constatou que os alunos explicam a situação de fracasso escolar de formas diversas: alguns responsabilizam a si próprios (dificuldades pessoais de aprendizagem e falta de interesse), outros, a problemas externos (problemas familiares e necessidade de trabalhar que dificultam a freqüência à escola e estudos extra-classe). A escola e a qualidade do ensino ofertado nunca são questionadas. Os alunos afirmam gostar da escola e acreditar que o estudo lhes garantirá um futuro melhor. Entretanto o conteúdo de alguns depoimentos revela que as lembranças dos momentos negativos da vida escolar são mais marcantes do que as dos momentos positivos – a imagem da professora que só atribuía conceitos insatisfatórios e da injusta acusação de agressão ao colega prevalece sobre a satisfação alcançada nos campeonatos escolares e o interesse na palestra sobre drogas. Os resultados escolares apontam que a maioria dos entrevistados continua apresentando aproveitamento escolar insatisfatório e índices de freqüência insuficientes. A análise das atividades realizadas nos cadernos dos alunos demonstra que as práticas de ensino na sala de aula ainda são tradicionais e que os professores não utilizam adequadamente o material pedagógico previsto para o projeto da Recuperação de Ciclo II.

CONCLUSÕES:

Os resultados permitiram concluir que os alunos utilizam diferentes mecanismos afetivos e disposições (tais como, segundo Pérez Gómez, lugares de controle externo ou interno, orientação motivacional para a atuação ou para o domínio) para assimilar os resultados escolares insatisfatórios e para explicar a situação de fracasso escolar configurando perfis diferentes de autoconceito e auto-estima. Confirmou-se a hipótese inicial, baseada nos estudos de Charlot sobre as relações com o saber, de que a maioria dos entrevistados revela dificuldade em estabelecer uma relação significativa com os conteúdos escolares e, dessa forma, tem sua permanência na escola constantemente prejudicada. Essa dificuldade com os saberes acadêmicos, associada a outros problemas decorrentes, em grande parte, de situações relacionadas à origem sócio-econômica desses alunos e às condições da região em que moram, tais como acesso limitado a bens culturais mais elaborados, necessidade de ingressar precocemente no mercado de trabalho, poucas oportunidades de estudos profissionalizantes e superiores, contribui para que muitos desses alunos mantenham freqüência irregular e acabem abandonando a escola. Constatou-se também que a permanência das práticas tradicionais de ensino não contribui para que esses jovens desenvolvam uma relação mais significativa com os saberes escolares e sintam-se motivados a permanecer na escola.

Instituição de fomento: CAPES - COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DO NÍVEL SUPERIOR
 
Palavras-chave: ENSINO FUNDAMENTAL II; PROGRESSÃO CONTUNUADA; VISÃO DO ALUNO.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006