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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 2. Currículo

CURRÍCULOS DE HISTÓRIA PUBLICADOS, SUBJETIVIDADES PRODUZIDAS (1975-1998)

Eduardo Augusto Guimarães 1
(1. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo / FEUSP)
INTRODUÇÃO:

Um dos períodos da história do Currículo de História que tem sido objeto de maior questionamento dos pesquisadores equivale ao processo compreendido entre 1975 e 1998. Não é para menos. Em primeiro lugar, foi o momento em que o sistema político brasileiro rompeu com o regime militar (1964-1985) e iniciou o processo de redemocratização e, em seguida, se deu a entrada maciça do país no processo da globalização. Entretanto, foi também o período em que a disciplina de História readquiriu sua autonomia perdida durante a presença dos militares no poder - quando estava vinculada com a de Geografia na disciplina de Estudos Sociais - e o currículo escolar passou a ser definido centralizadamente pelo governo federal, primeira vez na história do Brasil: os chamados PCNs.

Esta pesquisa também se debruça sobre o mesmo período da história do Currículo de História, tomando o caso específico do estado de São Paulo. A inclusão do PCN de História se justifica pelo fato de que o caráter nacional desse documento acaba servindo, também, como documento curricular equivalente para todos os estados do país. Assim, são estudados os seguintes currículos: Guia Curricular para o Ensino de 1º grau (1975), a Proposta Curricular para o Ensino de História de 1º grau (1986), a Proposta Curricular de História para o 1º grau (1992) e o PCN de História (1998).

METODOLOGIA:

Poder-se-ia questionar qual o motivo que levaria a realização de mais uma pesquisa sobre um tema com certa produção. Essa investigação justifica-se pelo fato de que os instrumentos conceituais de análise da maior parte dos trabalhos até agora publicados têm sido basicamente provenientes da mesma perspectiva: a teoria educacional crítica.

Ao contrário das outras pesquisas, as ferramentas de análise utilizadas nesse trabalho estavam mais próximas das práticas realizadas pelos estudos pós-críticos da educação. Faz-se necessário indicar alguns conceitos-chave utilizados:

a) poder: pensado não mais apenas em seu caráter repressor da liberdade dos indivíduos mas, mais ainda, em sua condição de indução de práticas e comportamentos;

b) linguagem: de um caráter representativo da realidade, a linguagem adquire um caráter configurador da realidade;

c) sujeito: pelos estudos pós-críticos, o sujeito é o resultado da confluência de práticas discursivas e não-discursivas, sendo sua subjetividade produzida, em grande parte, institucionalmente.

A partir dessas considerações, a questão dessa pesquisa não estava em compreender quais os atores que estiveram envolvidos no processo de produção dos documentos curriculares, mas sim em mostrar a transformação dos mecanismos de produção de subjetividades dos alunos implicados nos currículos analisados.

RESULTADOS:

O Guia Curricular de 1975 é caracterizado por seu excessivo detalhamento dos objetivos, conteúdos e atividades a serem realizados em sala de aula pelo aluno. Dever-se-ia, dessa forma, produzir um aluno que fosse (cognitivamente) flexível e fragmentado, em condições de ser melhor utilizado produtivamente. Por outro lado, a grande quantidade de conteúdos a serem ensinados se justificava pelo fato de o aluno ser uma página em branco ao iniciar o processo de escolarização.

A Proposta Curricular de 1986 foi uma ruptura. Ao discurso curricular foram incorporados discursos pedagógicos e historiográficos. O aluno, ao adentrar o processo de escolarização, era considerado como sendo portador de experiências. Estas deveriam ser levadas em conta na relação professor-aluno. Não haveria mais a fragmentação do aluno através das atividades em sala de aula e suas experiências seriam colocadas em pé de igualdade com os textos acadêmicos.

Já na Proposta de 1992 e, mais sofisticadamente, no PCN de 1998, as experiências dos alunos continuam sendo importantes no processo de ensino-aprendizagem. Entretanto, a visão de mundo do aluno é considerada fragmentada, devendo ser ressignificada pelo saber histórico ensinado pelo professor. A lista de conteúdos que deveriam ser ensinados, ausente na proposta de 1986, retorna nessas duas últimas.

CONCLUSÕES:

A partir de 1986, o currículo escolar de História nunca mais foi o mesmo. O aluno enquanto portador de experiências foi preservado até mesmo no PCN de História de 1998. Entretanto, a maneira como este elemento foi reapropriado e investido de interesses indica o movimento das relações de poder. Não havia mais como abandonar o conceito de experiência discente, mas havia a possibilidade de se rearticula-lo como um fator inferior ao saber histórico acadêmico. As experiências dos alunos seriam consideradas, então, como necessitadas de um saber que lhes dessem nexos de significado, já que essa condição lhes era ausente.

Explicar esta transformação pelo processo de democratização do acesso à escola, ou seja, por uma mudança qualitativa e quantitativa da clientela escolar - o que tradicionalmente tem sido feito - não é suficiente. Não tem se levado em conta as disputas de poder pelo direito de se determinar a subjetividade dos alunos participantes da dinâmica da instituição escolar.

Por fim, os discursos pedagógico e historiográfico passam a fazer parte da confecção dos documentos curriculares. Sua legitimidade acaba se fundamentando nas recentes “inovações” produzidas na academia naqueles dois campos do conhecimento. A Universidade se faz presente na instituição do currículo escolar.

 
Palavras-chave: História do Currículo; Ensino de História; Produção de subjetividades.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006