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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira

A RELAÇÃO LITERATURA E JORNALISMO PARA JOÃO ANTÔNIO E LIMA BARRETO

Clara Ávila Ornellas 1
(1. Pós-doutoranda do Departamento de Literatura - UNESP/Assis)
INTRODUÇÃO:
O escritor paulistano João Antônio (1937-1996) lutou, entre outros fatores, pelo reconhecimento da importância da leitura dos clássicos literários para formação de cidadãos críticos. Nesse sentido, um dos autores que ele mais citou em entrevistas foi Lima Barreto (1881-1922). Para João Antônio, Lima foi responsável pelo ingresso dos marginalizados sociais no cenário da literatura com tamanha carga de dramaticidade e realidade que a leitura de sua obra deveria ser obrigatória desde o ensino básico. Um dos pontos em comum entre ambos é o fato de que produziram obras literárias e também vários textos em jornais. O objetivo deste trabalho é verificar como esses dois autores pensaram o jornalismo e a literatura na composição de duas obras: Abraçado ao meu rancor (1986), de João Antônio e Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909), de Lima Barreto. Investigar como se manifesta o posicionamento desses escritores sobre os problemas da imprensa em suas elaborações literárias proporciona uma reflexão sobre a relação literatura e jornalismo em dois momentos distintos da literatura brasileira, a saber, início do século XX e anos 80 do mesmo período. Assim, recuperam-se elementos do diálogo que João Antônio estabeleceu com a obra de Lima Barreto que auxiliam na compreensão da história da inter-relação entre esses dois gêneros de escrita no contexto brasileiro.
METODOLOGIA:
A primeira etapa deste trabalho foi a leitura de Recordações do escrivão Isaías Caminha e de Abraçado ao meu Rancor com vistas ao levantamento de elementos que indiquem características da composição literária e do pensamento sobre o jornalismo de ambos escritores. Após essa coleta de dados inicial, foi realizada consulta ao Acervo João Antônio, localizado na Unesp/Assis, para a compilação das marcas de leitura que o escritor paulistano deixou registradas nas obras de Lima Barreto pertencentes à sua biblioteca pessoal. Posteriormente, seguiu-se à revisão bibliográfica sobre a relação literatura e jornalismo, destacando-se as obras Realidad y ficción, de John Hollowell, e Jornalismo e literatura: inimigo ou amantes?, de Helena Freitas, para abordar a questão da inter-relação entre esses dois gêneros. No que tange à composição literária, foram utilizados os estudos de Antonio Candido em A personagem de ficção e Literatura e sociedade. Além disso, foram utilizadas também as idéias de Mikhail Bakhtin em Estética da criação verbal.
RESULTADOS:
A elaboração literária de João Antônio possui semelhanças com a composição e o pensamento de Lima Barreto. As marcas de leituras nas obras de Lima Barreto, localizadas na biblioteca pessoal do autor paulistano, revelam interesse freqüente em relação à elaboração estética e temática do autor carioca, por meio de sublinhas e marginálias apensas. Ambos pensaram o jornalismo como forma de expressão da realidade social, o que os levaram a criticar veementemente o ofício de jornalistas vinculados somente à ambição pessoal. As ações da imprensa revelam as incongruências dos jornais que buscam comandar o imaginário de seus leitores impondo a estes o seu ponto de vista parcial. Os bastidores da imprensa presentes nas duas narrativas demonstram que a maioria das informações veiculadas pelos jornais é moldada conforme a ideologia de seus proprietários, com vistas a estabelecer uma hegemonia que se modifica conforme mudam os objetivos desses empresários. A população é retrata como ingênua por acatar essas construções informativas como verdade e, portanto, torna-se manipulada cotidianamente. Em relação às características literárias de Recordações do escrivão Isaías Caminha e Abraçado ao meu rancor, verificou-se que estão presentes nas duas produções por meio do humanismo, registro lírico da movimentação da cidade e a intensa representação da sensibilidade dos protagonistas diante das mazelas e incoerências sociais e políticas.
CONCLUSÕES:
Constatou-se que as duas obras em questão são diferentes no condizente à  dinâmica da linguagem e ao estilo de cada escritor, contudo, é notória a interação temática entre ambas em relação às críticas ao jornalismo empresarial e à exclusão social. O combate ao jornalismo comprometido com a ideologia empresarial, que favorece uma produção estritamente mercadológica da informação, apresenta-se como tema recorrentemente debatido nas duas obras. A esse viés que aliena o acesso da sociedade às notícias propõe-se um jornalismo consciente que se preste a registrar informações que valorizem a denúncia das irregularidades de uma sociedade. O profícuo diálogo que João Antônio estabeleceu com o pensamento e a obra de Lima Barreto se caracterizou, entre outros aspectos, pela defesa de uma sociedade mais justa para com os homens marginalizados socialmente e pela busca de um jornalismo e de uma literatura voltados, respectivamente, para a divulgação e representação dos problemas que afligem o homem e o seu país.
Instituição de fomento: FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
 
Palavras-chave: Literatura e Jornalismo; João Antônio; Lima Barreto.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006