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G. Ciências Humanas - 5. História - 8. História Regional do Brasil
VIOLÊNCIA, GÊNERO E CRIME NA REGIÃO DE TOLEDO/PR: O USO DA MEDIDA DE SEGURANÇA EM CRIMES DEFLAGRADOS POR CONFLITOS DE GÊNERO.
Yonissa Marmitt Wadi 1, 2
Sandra Cristiana Kleinschmitt 2, 3
Lizete Cecilia Deimling 1
Fernanda Pamplona Ramão 1
Juliana Boretti Lyra 2
(1. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócios - UNIOESTE ; 2. Curso de Ciências Sociais - UNIOESTE; 3. Bolsista do CNPq )
INTRODUÇÃO:

Historicamente, acontecimentos violentos – muitos dos quais tipificados como crimes –, que ocorrem no âmbito interpessoal, são antecedidos por conflitos enraizados nos diferentes relacionamentos de gênero (homens e mulheres, mulheres e mulheres ou homens e homens). Segundo diversos autores, compreender a ligação entre violência e gênero é fundamental, não apenas, para indicar o envolvimento de mulheres e de homens como vítimas e autores/as de crimes, mas também como a violência é usada como forma de afirmação das identidades masculinas e femininas. A pesquisa “Violência, gênero e crime na região de Toledo / PR (1952/2002)” tem como um de seus principais objetivos a construção de um mapa da violência de gênero na região em destaque, desvelando aspectos relevantes das interações conflituosas – transformadas em crimes – que marcam as relações de gênero e sua interpretação pelo sistema de justiça. As informações coletadas pelo projeto em documentos da 20ª Subdivisão Policial de Toledo e do Fórum da Comarca de Toledo foram organizadas em um banco de dados. Este trabalho apresenta alguns resultados da análise dos dados do referido banco, mais especificamente, aqueles referentes a processos do período 1954/1979, cujo desfecho – independente de sentença absolutória ou condenatória – foi a aplicação da medida de segurança, com o internamento dos(as) indiciados(as), em hospitais de custódia e tratamento, como os manicômios judiciários.

METODOLOGIA:

O desvelamento da problemática proposta pelo projeto exigiu, inicialmente, uma revisão atenta da bibliografia de referência sobre violência, demarcando o campo das chamadas “violências de gênero”, bem como uma reflexão sobre os fundamentos do Sistema de Justiça Criminal brasileiro. Concomitantemente, realizou-se o levantamento e fichamento – através de fichas especiais de descrição – dos boletins de ocorrência da 20ª Subdivisão Policial de Toledo (1952-2002) e de inquéritos e processos criminais do Fórum da Comarca de Toledo (1954-2002), referentes a violências de gênero. As informações procedentes dos documentos foram reunidas, padronizadas, compatibilizadas e inseridas no banco de dados do projeto, permitindo o cruzamento das informações. Para o trabalho ora apresentado selecionou-se todos os autos do período 1954/1979, que tiveram como desfecho o internamento dos (as) indiciados (as) em instituições de custódia e tratamento, como medida de segurança. Considerando-se as construções teóricas no campo da medicina e do direito, das relações entre crime e loucura, buscou-se compreender como as diferenças de gênero – agregadas as de raça/etnia e classe social – são determinantes no julgamento de crimes cometidos por determinados sujeitos. Neste sentido, delineou-se o perfil dos envolvidos nos crimes, bem como se procedeu a um estudo das leis penais brasileiras para compreender a aplicabilidade da medida de segurança em diferentes períodos históricos.

RESULTADOS:

No banco de dados do projeto “Violência, gênero e crime na região de Toledo / PR (1952/2002)”, para o período 1954/1979, foram localizados seis processos criminais que tiveram como pena a aplicação da medida de segurança, com o internamento dos(as) indiciados(as), em hospitais de custódia e tratamento. Entre os processos criminais, três referem-se a crimes de homicídio consumados, dois ao crime de estupro tentado e um ao estupro consumado. Quatro dos acusados são do sexo masculino e três do sexo feminino, o que corresponde numericamente à distribuição das vítimas, ou seja, quatro vítimas do sexo feminino e três do sexo masculino. Três dos acontecimentos – dois homicídios e um estupro – ocorreram na residência da vítima e/ou acusado (a), dois na beira de uma estrada e outro em um matagal. A partir da variável “relação entre os envolvidos” do banco de dados verificou-se que todas as vítimas e indiciados (as) eram “conhecidos”, sendo que o “tipo de relacionamento” entre estes era “casados” (dois casos) e “amásios” (um caso), nos casos de homicídios, e “vizinhos” ou “pai e filha”, nos casos de estupros (tentados ou consumados). Três dos acusados – todos em crimes de homicídio – foram absolvidos (duas mulheres e um homem, considerado “silvícola”) e três –homens acusados de crimes de estupro (tentado ou consumado) – foram condenados. Apenas dois dos acusados constituíram advogado próprio, tendo os demais advogados dativos.

CONCLUSÕES:

A análise dos dados dos seis processos que tiveram como pena, independentemente de sentenças condenatórias ou absolutórias, o internamento dos(as) acusados(as) em instituições de custódia e tratamento evidenciou para o período em análise – como já indicara a literatura de referência – que nem sempre acontecimentos tipificados como um mesmo crime possuem desfechos semelhantes. A despeito das prerrogativas legais (como agravantes e atenuantes) é claramente perceptível a força dos elementos extralegais – como gênero e raça/etnia – nos julgamentos e na aplicação da medida de segurança. No julgamento das mulheres – consideradas durante muito tempo seres menores, até do ponto de vista legal –, é visível a utilização de argumentos de conteúdo moral e biológico, pois estas são consideradas mais vulneráveis à insanidade, em razão da instabilidade de seu sistema reprodutivo, que interfere no controle sexual, emocional e racional. No caso do único homem absolvido, a argumentação utilizada pelo advogado dativo na defesa do réu evidencia claramente o que se que dizer: “Como índio que é, está isento da pena, porque todo silvícola não tem desenvolvimento mental, sendo outros de desenvolvimento incompleto”. Nos estupros tentados e consumados, há uma concordância com as conclusões da bibliografia de referência, ou seja, as penas são relativas ao grau de proximidade entre vítima e acusado, ou a idade da vítima, sendo este considerado um acontecimento mais monstruoso do que criminoso.

 
Palavras-chave: crimes; relações de gênero; medida de segurança.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006