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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 3. Psicologia Clínica

ABANDONO INFANTIL E INFERTILIDADE: A ADOÇÃO E A CRIANÇA ADOTIVA NO IMAGINÁRIO DE PROFESSORES

Mariana Leme da Silva Pontes 1
Jaqueline Caldamone Cabreira 1
Marcela Casácio Ferreira 1
Tânia Maria José Aiello Vaisberg 1
(1. Faculdade de Psicologia, Centro de Ciências da Vida/ PUC-Campinas)
INTRODUÇÃO:

A maioria dos trabalhos voltados ao estudo psicológico da exclusão social focaliza figuras tais como doentes mentais, soropositivos, homossexuais, deficientes físicos, pobres e outros grupos sociais. Existe, contudo, um largo contingente de crianças que são vítimas da exclusão, mas que não tem recebido atenção suficiente em termos de pesquisa: crianças abandonadas, com mais de dois anos de idade, que permanecem institucionalizadas à espera de adoção. Tal situação se deve, ao que tudo indica, ao fato dos casais desejarem, em sua imensa maioria, adotar recém nascidos. Este complexo fenômeno merece ser pesquisado desde vários pontos de vista. Propomo-nos, no momento, abordá-lo psicanaliticamente, pela via do estudo do imaginário que sustenta uma prática social que é, ainda que disfarçadamente, preconceituosa, discriminatória e excludente. Estrategicamente, optamos por focalizar o imaginário de um grupo adulto que se encontra bastante próximo da infância e da família, vale dizer, professores, entendendo que podem expressar concepções que circulam, de modo mais ou menos implícito, pelo campo psíquico e social mais amplo.

METODOLOGIA:

Um total de trinta professores de escola fundamental e média, sendo quinze de escolas públicas e quinze de escolas particulares, no interior do estado de São Paulo, foram entrevistados individualmente em seus domicílios, mediante o uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema. Cada participante foi convidado a desenhar uma criança adotiva em uma folha de papel sulfite e a inventar uma história sobre a figura desenhada, a qual foi escrita pela própria pessoa no verso da mesma folha. Após as entrevistas, as pesquisadoras elaboraram narrativas do acontecer clínico, que se baseiam nos passos fundamentais do método psicanalítico: atenção equiflutuante e associações livres. O corpus constituído pelo conjunto dos desenhos-estórias e das narrativas do acontecer clínico foi posteriormente analisado, tendo em vista a apreensão dos campos psicológicos não conscientes a partir dos quais se sustentam as produções de sentido que formam o imaginário dos professores sobre a criança adotiva.

RESULTADOS:

O trabalho analítico indicou que o imaginário destes professores, tal como pode ser captado por meio dos desenhos-estórias, organiza-se a partir de vários campos psicológicos não-conscientes, entre os quais assumem posição de destaque aqueles relativos à infertilidade e ao abandono infantil. A questão da infertilidade é invocada, nas produções dos professores, como principal motivação para a adoção. De fato, a adoção aparece como alternativa última para realização do desejo de maternidade e paternidade, após várias tentativas frustradas de gestação. O campo do abandono aparece, no material colhido, por meio da identificação dos participantes com o sofrimento, com a angústia e com as decepções das crianças que esperam pela adoção. Em várias produções, aparece a fantasia de se deparar com uma criança desamparada que, ao ser adotada é salva do abandono, traria consigo um benefício para a vida do adotante.

CONCLUSÕES:

O presente estudo mostra que coexiste, no imaginário dos professores sobre a adoção e a criança adotiva, duas visões até certo ponto antagônicas. De um lado, há indícios de haver uma consciência coletiva capaz de perceber que a existência de crianças disponíveis para a adoção aponta para uma grave problemática social, o que se evidencia quando surge o campo psicológico do abandono infantil. Entretanto, por outro lado, prevalece uma perspectiva segunda a qual a criança abandonada aí está para resolver o sofrimento daqueles que não tem condições de gerar filhos biológicos. Tais achados nos levam a refletir no sentido de que é urgente uma mudança psicossocial, pois a prática da adoção, em nosso país, acaba se realizando muito mais pelo viés da resolução da infertilidade do que levando em conta os carecimentos radicais da população infantil abandonada. A problemática da adoção parece desnudar uma certa contradição relativa à atribuição de marcada afetividade ao brasileiro, pois o quadro geral aponta menos para a generosidade e para o afeto e mais para a prevalência de atitudes narcisicamente autocentradas.

Instituição de fomento: CNPq e Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Adoção; Professores; Psicanálise.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006