Diante das forças dissolventes de minorias sociais oriundas do desenvolvimento capitalista, os estudos culturais sobre etnia e gênero constituem-se de um poderoso instrumento da recomposição identitária. A literatura é necessariamente política quando percebemos a inclusão de algumas vozes silenciadas através da História, como por exemplo, a da mulher negra, que sofre dupla discriminação. Escritoras negras contemporâneas, como a estadunidense Alice Walker, contam histórias inspiradas na realidade de mulheres afro-americanas. Sua obra está voltada ao conceito de Literatura para além de seu valor artístico, como forma de estratégia e luta, neste caso, pela conquista da visibilidade da mulher negra. A necessidade de entrar em contato com produções literárias contemporâneas, como as de Alice Walker, Toni Morrison, Audre Lorde, entre outras, reside em conhecer aspectos contextuais da nova geração e também em analisar com um olhar crítico o grau de reconhecimento pelo cânone literário, pautado na arqueologia de um pensamento ocidental que permitiu o florescimento dos estudos culturais somente a partir de 1964, com a fundação do CCCS (Centre for Contemporary Cultural Studies) em Birminghan.

O presente trabalho está vinculado à pesquisa da Profª Dra Maria Aparecida F. de Andrade Salgueiro Tradução e Cânones Literários, em foco as escritoras de origem afro e foi desenvolvido a partir da perspectiva de um estudo exploratório. Em uma etapa inicial, a dupla de bolsistas de Iniciação Científica composta também por Rafael Machado Guarischi utilizou o aporte teórico de autores como Mattelart, Neveu, Maria Aparecida A. Salgueiro, além de discussões em equipe e participações em eventos científicos. Em uma etapa individual, foram analisados artigos de autores como Angela Davis, Patricia Hill Collins, Barbara Christian, entrevistas e outros materiais obtidos através da busca em Bibliotecas e na Internet.

Em nosso estudo exploratório percebemos a contribuição extremamente significativa de autoras contemporâneas estado-unidenses de origem afro para a construção da visibilidade da mulher negra. Certamente, a luta por tal visibilidade não está restrita à realidade estadunidense, sendo a mediação entre povos e culturas fator indispensável para o seu fortalecimento. Neste sentido, a tradução, que se move cada vez mais para os estudos culturais, permite-nos atualizar o conhecimento de produções literárias e teorias. Outro aspecto importante está relacionado à crítica aos humanistas neutros por não admitirem que a literatura é política e por sua frieza teórica e prescritiva. O Movimento da Arte Negra de 60 e os Black Studies, o Movimento Literário Feminista de 70 e os Estudos da Mulher provêm de reflexões que estes grupos elaboram sobre suas próprias vidas, estando a compreensão do significado destes movimentos intimamente ligada às conseqüências políticas. O lógos ocidental é um puro espaço de racionalidade que não pode dar conta da complexidade de certos produtos culturais, uma mescla constante de racionalidade e de afetos. Dessa forma, observa-se a necessidade de construção de uma nova crítica literária, o que implica na revisão do cânone oficial.

A emergência de uma literatura constituída de narrativas que integram questões de etnia e gênero permite o debate relacionado ao conceito de Literatura como instrumento político. Escritoras negras envolvem-se na luta política na medida em que caminham na construção de uma ‘nova utopia’, movendo-se em novas direções e visões. Este engajamento possui forte representação entre as mulheres estado-unidenses, cujas obras são escassamente exploradas ou sequer citadas no cânone literário oficial, mesmo o de língua inglesa. A Literatura integra sentimento, conhecimento, subjetividade e hibridismo. Há a necessidade de construção de cânone literário que dê conta do sentido da poesia abandonado pelo lógos ocidental e que represente também esta nova utopia de sonho e visão, fundamentos das mudanças que estão no porvir.