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G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia

NA CELA DO AMOR: QUESTÕES DE GÊNERO NO PRESÍDIO FEMININO DE FLORIANÓPOLIS – SC.

Sílvia dos Santos Fernandes 1, 2
Miriam Pillar Grossi 1, 2
(1. Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC; 2. Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades/NIGS)
INTRODUÇÃO:

Esta pesquisa consiste nas atividades desenvolvidas ao longo da vigência da bolsa de Iniciação Cientifica conquistada por Sílvia Fernandes e inserida no projeto “Parceria Civil, Conjugalidade e Homoparentalidade no Brasil”, de autoria de Miriam Grossi, Luiz Mello e Anna Paula Uziel. Apresenta resultados de uma etnografia realizada no presídio feminino de Florianópolis/SC entre agosto de 2005 a março de 2006. O objetivo desta pesquisa foi compreender como o encarceramento afeta estas mulheres na construção de suas identidades de gênero, particularmente no que se refere a seus desejos sexuais e afetivos dentro do presídio. Constatamos que a prisão, lugar punitivo de um crime, não afeta somente na privação da liberdade, mas em toda relação da mulher presidiária com sua vida anterior à prisão; seus desejos serão privados, e a presa terá de ter uma adaptação à vida prisional. A realização desta pesquisa foi uma tentativa de dar visibilidade aos desejos afetivos e sexuais de mulheres presas, questão pouco abordada nos estudos sobre direitos humanos das mulheres.

METODOLOGIA:

Esta pesquisa foi desenvolvida com o referencial teórico-metodológico da Antropologia. Privilegiamos entrevistas com presidiárias e agentes prisionais e observação participante no presídio durante períodos permitidos à visita. A metodologia de pesquisa utilizada foi inspirada em trabalhos similares em instituições penais, como os de Lemgruber (1976), e Soares e Ilgenfritz (2002). A escolha por mesclar entrevistas com observação participante foi inspirada na reflexão de Roberto Cardoso de Oliveira (1996), para quem a observação participante e a entrevista se complementam. A observação ocorreu através de uma visita semanal de um turno diário ao presídio. Durante esse período, pudemos acompanhar parte do cotidiano das informantes, observando parte de sua rotina diária, a fim de, através de Geertz (1978), “compreender” para depois interpretar os significados do grupo analisado. Foram entrevistadas dezoito detentas e cinco agentes prisionais, além de conversas informais com a administradora do Presídio. No roteiro de entrevistas das detentas, indagamos sobre dados pessoais e questões relacionadas ao objetivo da pesquisa. Quanto à questão ética, obtivemos o consentimento das entrevistadas, explicando-lhes individualmente os objetivos da pesquisa, guardando as informações confidenciais e estabelecendo com as informantes o que Roque Laraia (1998) denominou de “acordo de honra” – a troca de informações para a pesquisa pela confiança e a discrição das pesquisadoras.

RESULTADOS:

Constatamos que as presidiárias têm o direito, assim como os homens presos, a receber visitas íntimas. No presídio pesquisado, o direito à visita íntima passa a ser exercido a partir de 2000, com a construção de um espaço próprio para os encontros. No presídio feminino, as visitas íntimas acontecem de quinze em quinze dias; e tem direito a ela a detenta que é casada ou que comprove que vivia maritalmente antes da prisão. Desta maneira, hoje, num universo de cento e trinta e sete presas, apenas dezoito recebem visitas íntimas. Contrapondo-se aos encontros heterossexuais, observamos na prisão alguns relacionamentos homoeróticos. Segundo regras informais do presídio, casais de detentas podem ficar juntas, dividindo a mesma cela. No momento da pesquisa, havia cinco casais de mulheres vivendo juntas no cárcere. Segundo o que constatamos estes envolvimentos homoeróticos são tolerados, desde que estes não se publicizem nos pátios, na frente de outras detentas nem nos horários de visitas. Mesmo estando reunidas numa instituição apenas para mulheres, percebe-se que a estrutura social da divisão de papéis de gênero também se reproduz neste contexto. Nas relações homoeróticas, estão presentes papéis de gênero femininos quanto masculinos. Por exemplo, há a presa que trabalha para “sustentar” a parceira e que cuida de sua segurança para que ninguém “mexa” com ela, enquanto a outra detenta é quem faz os “serviços domésticos”, tais como lavar a roupa, arrumar a cama, etc.

CONCLUSÕES:

A prisão feminina é um universo pouco conhecido e seu estudo contribuiu para uma melhor compreensão desta instituição. Buscamos mostrar que a falta de liberdade não é a única punição das presidiárias pois a presa também perde vínculos afetivos com a família e com os amigos e que, após a condenação, essas mulheres carregarão o estigma de terem sido presidiárias.Constatamos que há vida por trás de muros tão altos, onde se têm desejos e aspirações, principalmente no que se refere às questões sexuais. O Presídio acaba se estabelecendo como uma casa para a detenta, onde as relações que se apresentam formam um misto do que é privado e público. A prática da sexualidade não é vivida por todas as presas, mas vivenciada por poucas e reprimida por muitas mulheres. As relações heterossexuais são praticadas por uma pequena parcela do sistema prisional, cerca de 13% das presas deste presídio; já as relações homoeróticas são vivenciadas mais livremente, revelando, em alguns casos, uma homoafetividade até então desconhecida por uma das detentas. A homossexualidade dentro da instituição penal não é assumidamente permitida, mas são fechados os olhos para a sua prática, parecendo que é melhor deixá-las exercerem esta sexualidade do que enfrentar conflitos com as detentas.  

Instituição de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Prisão; Mulheres; Sexualidades.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006