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A PESCA ARTESANAL DA TAINHA NO LITORAL DO PARANÁ: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
Luciana Pinheiro
Universidade Federal do Paraná (UFPR)
 
É cada vez mais evidente o fracasso de abordagens setoriais na gestão das pescarias mundiais. Isto é particularmente verdadeiro no caso dos modelos clássicos de biologia pesqueira, em geral restritos às dinâmicas naturais dos estoques (QUENSIÈRE, 1996; CASTELLO, 2004). A pesquisa e a gestão pesqueiras, particularmente aquelas voltadas para a pesca artesanal, devem adotar modelos analíticos integrados dos sistemas de pesca que incluam não apenas a dinâmica dos estoques e a especificidade dos esforços de pesca, mas também as complexas dinâmicas sociais envolvidas (CHARLES, 1991). O arrastão de praia e o lanço da tainha estão entre as formas mais antigas e tradicionais de pesca artesanal do litoral paranaense (CORRÊA et al., 1993). Este trabalho procura avaliar as causas do declínio dessa atividade a partir da percepção dos próprios pescadores e analisar o significado que este fenômeno vem conferindo às suas vidas. As hipóteses iniciais de trabalho atribuem esse declínio aos modos locais de conservação biológica, à introdução de novas tecnologias mais produtivas e rentáveis e às mudanças nos regimes de acesso aos recursos. A metodologia empregada utiliza conceitos e instrumentos da etnoecologia e da gestão patrimonial, mediante entrevistas semi-estruturadas com pescadores e ex-pescadores do arrastão de praia do litoral paranaense. Resultados preliminares, baseados em 32 entrevistas efetuadas em sete comunidades do litoral paranaense, apontam tendências históricas recorrentes em toda a área estudada. A inserção de novas tecnologias de pesca artesanal contribuiu para as mudanças nos regimes de acesso aos recursos, outrora regulado e hoje se aproximando do livre acesso, expressas pelo desrespeito às regras informais de uso, o que tem provocado conflitos entre os praticantes do arrastão de praia com os praticantes de outras pescas. Esses conflitos dizem respeito principalmente às disputas dos territórios de pesca e às técnicas que prejudicam a captura por redes de tainha mediante o arrastão de praia. Segundo os pescadores entrevistados, tanto o rendimento da pesca como a prática em si vêm paulatinamente se reduzindo nos últimos 30 anos. A mão-de-obra tornou-se escassa em função de pescas menos trabalhosas e mais rentáveis, em termos de retorno econômico imediato. Justificativa da interdisciplinaridade As ciências ambientais precisam necessariamente recorrer a um largo espectro de disciplinas na tentativa de abordar objetos de estudo que são complexos, multidimensionais e multiescalares. A etnoecologia é uma área interdisciplinar que integra os conhecimentos ecológicos tradicional e científico, estudando como as populações humanas se inserem nos ecossistemas “naturais” e com eles interagem (TOLEDO, 1992; BERKES, 1999; MARQUES, 2002). Já a gestão patrimonial é um modo de análise ou estratégia de desenvolvimento baseado nas maneiras com que uma população tradicional percebe, valora, usa, acessa e controla o acesso aos recursos naturais presentes no seu ambiente (OLLAGNON, 1997; MONTGOLFIER; NATALI, 1997). A integração dessas duas abordagens no presente estudo corrobora a constatação de Castello (2004), para quem os conflitos sócio-ambientais associados à atividade pesqueira exigem um tratamento conceitual e metodológico que abarque a biologia, oceanografia, tecnologia, sociologia e economia, entre outras disciplinas. Referências BERKES, F. Sacred ecology. Philadelphia: Taylor and Francis, 1999. CASTELLO, J. P. Manejo da pesca e a interdisciplinaridade. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 10, p. 163-168, jul./dez. 2004. Editora UFPR. CHARLES, A.T. Bio-socio-economic dynamics and multidisciplinary models in small-scale fisheries research. In Durand, J.-R.; Lemoalle,J. Et Weber,J. (Eds.). La Recherche Face à la Pêche Artisanale, Symp. Int. ORSTOM-IFREMER, Montpellier. ORSTOM, Paris, t. II, 1991, pp. 603-608. CORRÊA, M. F. da M.; LEMOS, P. H. de B.; AGUIAR, C. R. Z. de. A pesca artesanal da tainha no litoral do estado do Paraná. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura: Universidade Federal do Paraná, 1993 MARQUES, J. G. W. O olhar (des)multiplicado. O papel do interdisciplinar e do qualitativo na pesquisa etnobiológica e etnoecológica. In: AMOROZO, M. C. M., MING, L. C. & SILVA, S. M. P. (editores). Métodos de coleta e análise de dados em etnobiologia, etnoecologia e disciplinas correlatas: Anais, pp. 31-46. Rio Claro, Coordenadoria de Área de Ciências Biológicas – Gabinete do Reitor – UNESP/CNPq, 2002. MONTGOLFIER, J.; NATALI, J-M. Instrumentos para uma gestão patrimonial. In: VIEIRA, Paulo Freire; WEBER, Jacques (org.). Gestão de recursos naturais renováveis e desenvolvimento: novos desafios para a pesquisa ambiental. São Paulo: Cortez, 1997. OLLAGNON, H. Estratégia patrimonial para a gestão dos recursos e dos meios naturais: Enfoque integrado da gestão do meio rural. In: VIEIRA, Paulo Freire; WEBER, Jacques (org.). Gestão de recursos naturais renováveis e desenvolvimento: novos desafios para a pesquisa ambiental. São Paulo: Cortez, 1997. QUENSIÈRE, J. Quelles conditions pour une gestion durable des pêcheries artisanales? Natures – Sciences – Societés 4(1):75-76, 1996. TOLEDO, V. M. What is Ethnoecology? Origins, scope and implications of a rising discipline. Etnoecológica, v. 1, n. 1, p. 05-20, 1992. Identificação dos autores Luciana Pinheiro, bióloga (2003), doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento, UFPR Paulo da Cunha Lana, Doutor (1984), Centro de Estudos do Mar / Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, UFPR Natalia Hanazaki, Doutora (2001), Departamento de Ecologia e Zoologia, Centro de Ciências Biológicas, UFSC José Milton Andriguetto Filho, Doutor (1999), Departamento de Zootecnia/Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, UFPR
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006