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VIOLÊNCIA/CRIMINALIDADE E CIDADANIA
José Vicente Tavares dos Santos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
 
A situação atual na sociedade brasileira de uma crise na segurança pública - nos presídios, as violências crescentes contra as forças de segurança do Estado (polícias, agentes penitenciários, guardas municipais, etc) e contra vários segmentos da população (mulheres, idosos, jovens, homosexuais) - fez com que a coletividade científica do país, representada pela SBPC, mais uma vez unisse esforços para discutir a proposição de temas de consenso e prioridades na área das políticas públicas, no campo da segurança pública, do controle social e do Estado Democrático de Direito. Defendemos uma grande mobilização da população brasileira, visando à construção de uma “nova cultura cívica pela segurança pública cidadã”, que garanta uma vida segura, saudável e pacífica, envolvendo a participação social em todos os níveis de governo e das políticas públicas. Propomos um novo significado para a segurança, uma Segurança Cidadã, o que significa uma forma de convivência social orientada pela tolerância, pela proteção social e pela eficiência policial frente ao crime; pela complementação de políticas sociais e políticas de segurança pública; pela preservação do direito à segurança dos cidadãos e cidadãs. Mas que, ao mesmo tempo, assegure a punição dos atos delitivos e possibilite a ressocialização daqueles que cometeram crimes, assim como respeito ao direito das vitimas. Torna-se imprescindível, portanto, enfatizar a urgência de se estimular uma mudança na cultura do controle social e se debater acerca do significado do delito, da punição e das penas privativas de liberdade. A prisão não pode, sob o risco do medo, da insegurança e da violência, ser vista como única saída para controle da criminalidade. Existem inúmeros outros fatores envolvidos, como as origens sociais da violência, em termos dos efeitos da violência estrutural decorrente de políticas econômicas que produzem exclusão social. Reparar a ofensa à consciência coletiva implica a punição, mas devemos discutir as diferentes formas de pena, a fim de assegurar a reintegração social e evitar a reincidência, quebrando o ciclo perverso da criminalidade. Queremos indicar medidas concretas de transformação do modelo de segurança pública do país. Entretanto, concluímos que elas só conseguirão efetividade se retomarmos, no campo das políticas públicas de segurança, a utopia, enquanto agilização da capacidade pública de imaginar alternativas acerca do controle social para além das práticas cotidianas que operam o Estado hoje. Princípios Fundamentais de uma Segurança Cidadã • A Segurança Pública como prioridade (imaginário, lugar, discurso, ação, orçamento e execução); • Fundamentalidade dos Direitos Humanos e do Estado Democrático de Direito (universalidade e efetividade); • Participação social em diferentes níveis de Governo (conselhos, movimentos sociais, ONGs, associações, sindicatos); • Simplificação da legislação penal, orientada pelo princípio de garantia dos direitos civis, políticos, sociais e de respeito á diferença. • Formas de gestão que integrem as instituições de segurança pública e promovam a participação da sociedade no planejamento, controle e avaliação de ações; • Valorizar a produção científica interdisciplinar voltada para a análise e subsídios da segurança pública no Brasil. • Priorização da redução dos crimes contra a vida; • Ênfase nas políticas públicas de prevenção e repressão de violências contra grupos sociais vulneráveis associados a gênero, a geração, raça/etnia ou orientação sexual, entre outros. • Valorizar a escola como espaço central de socialização, buscando uma problematização da violência vivenciada pela juventude no sentido de construir uma nova cultura política orientada para a paz; • Problematizar a ênfase que a opinião publica e membros do Poder Judiciário realizam no sentido de privilegiar as penas privativas de liberdade como solução imediatista do problema da criminalidade, enfatizando as punições alternativas, a fim de garantir a ordem democrática na sociedade brasileira. • Evocar os meios de comunicação brasileiros no sentido de desenvolver análises científicas dos fenômenos da violência e da criminalidade, assim como de estimular conteúdos no sentido da mediação dos conflitos e da produção de uma cultura da não-violência orientada pela construção de uma sociedade da paz; Reorganização e Gestão das Instituições de Justiça e Segurança • Aumento da participação das mulheres nas polícias, inclusive no setor operacional; • Dignificação dos profissionais de segurança pública como agentes de garantia de direitos e promoção da cidadania; • Revisão da estrutura hierárquica, dos Códigos de conduta e regulamentos disciplinares no intuito de valorizar a dignidade do trabalho policial. • Melhoria das condições de vida e trabalho dos profissionais de segurança pública (salários, moradia, seguridade, saúde física e mental); • Repressão qualificada ao crime organizado (inteligência e tecnologia); • Reforma da educação nas escolas dos profissionais de segurança pública (programas de educação continuada em todos os níveis de formação, parcerias com universidades para a montagem e execução de cursos); • Fortalecimento, autonomia, transparência e valorização processual das Perícias Técnicas, dos IMLs e dos ICs; • Integração das polícias (AIISPs, Distritos, currículos e comunicação integrados); • Valorização e autonomia dos mecanismos de controle interno e externo das agências de segurança (Corregedorias, Ouvidorias), • Reformulação do conceito de missão policial, abrangendo a universalização das práticas de administração de conflitos, prevenção, investigação e repressão; • Segurança Comunitária (Polícia, Guardas Municipais, Bombeiros) pró-ativa e orientada a problemas, em contraposição aos modelos tradicionais meramente reativos e burocratizados; • Valorizar ações que previnam e reprimam a violência no trânsito; • Redução da letalidade das ações policiais, bem como da vitimização policial, mediante, entre outras estratégias, a capacitação no uso legal e progressivo da força e da arma de fogo; • Incentivo ao uso de sistemas de informações de Justiça e Segurança Pública (cadastrais e estatísticos), inclusive do georeferenciamento, para o diagnóstico, avaliação e monitoramento de resultados numa perspectiva operacional e gerencial; • Institucionalização de publicações anuais de estatísticas de Justiça e Segurança pública (proposição de uma Lei de Estatísticas em Justiça e Segurança que garanta a transparência dos procedimentos metodológicos e das categorias adotadas); • Realização periódica de pesquisas nacionais de vitimização; Integração de Ações no Sistema de Justiça Criminal • Desenvolver uma nova relação entre o Parlamento, o Judiciário e a Sociedade, no sentido de que as mudanças e inovações de legislação deveriam ser discutidas em amplo debate com a sociedade civil, mediante formas variadas, por exemplo, pela realização de audiências públicas em várias Unidades da Federação. • Promoção de ações articuladas entre o Poder Executivo, o Judiciário e o Ministério Público, com destaque para a reformulação da figura do inquérito policial a fim de otimizar processualmente os resultados da investigação; • Usar mecanismos alternativos de controle penal, por exemplo, novas modalidades de penas, como a prestação de serviços à comunidade, mudanças no instituto da suspensão condicional da pena, funcionamento dos Juizados Especiais Criminais - Jecrims; • Promover a redução do descompasso entre as investigações iniciadas e os processos concluídos; • Medidas de acesso à Justiça e mediação e negociação dos conflitos sociais (valorização das defensorias públicas, assistência judiciária aos presos); • Redução das desigualdades jurídicas (extinção de privilégios processuais como prisão especial e foro privilegiado); • Ampliação e articulação dos Serviços de Proteção às testemunhas e aos defensores dos Direitos Humanos e amparo às vítimas de violências; • Garantir a existência de ambientes seguros no sistema penitenciário (controles de acesso e movimentação, bem como da existência de legislação e tecnologias restritivas de comunicação em relação aos detentos); • Fomentar a celeridade da aplicação de medidas da Lei de Execução Penal; • Realização periódica de Estudos e Censos Penitenciários como insumos de planejamento e gestão de ações; • Articulação dos serviços de inteligência do sistema penitenciário com as demais agências de segurança pública; • Incentivar a Prestação de Contas Articulada das Instituições de Justiça Criminal; • Respeito e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA;
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006