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NOVAS TECNOLOGIAS (E DESAFIOS) NA PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NO BRASIL
Fernando de Almeida França
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
 

Introdução

Eu vou parafrasear a propaganda da Petrobras para situar a pesquisa em produção de petróleo no Brasil, no momento atual: o desafio é a força motriz dos grupos de pesquisa das ICTs e aqueles baseados nas companhias operadoras, é a força motivadora do pesquisador. Um desafio que, enfrentado de forma planejada e consistente, coloca-nos frente ao estado da arte da melhor ciência e tecnologia feita no mundo; rende ao país os dividendos de tal engajamento, o domínio da técnica associado à sua propriedade intelectual, tanto que não é fora de propósito que os membros da mesa deste Simpósio atuem em instituições que mais produzem registro intelectual no país, a PETROBRAS, a UNICAMP e a COPPE-UFRJ; e, finalmente, rende ao pesquisador o que ele mais almeja, a disponibilização continuada e consistente (que já alcança mais de década e meia) de recursos para pesquisa.

Antes de detalhar alguns aspectos desafiadores para o futuro da produção de petróleo no Brasil, eu vou introduzir para a platéia, de forma bem rápida e resumida, algumas características da produção de petróleo no Brasil, e destacar suas particularidades. A decisão de produzir petróleo no Brasil iniciou-se de forma polêmica, com aura nacionalista. Desta época, todos lembramo-nos de personagens marcantes da vida brasileira, como Monteiro Lobato, denominado de “campeão civil da grande causa: - O Petróleo é Nosso”.

Posteriormente, na contra-mão do rumo apontado por relatórios técnicos de especialistas, no início da década de 60, sugerindo não haver recursos petrolíferos no território brasileiro, dada a idade avançada, paleolítica, das bacias sedimentares brasileiras em terra. E, após, com a decisão, que podemos chamar de corajosa, de concentrar esforços de exploração nas bacias sedimentares da plataforma continental brasileira, de idade mais recente. A plataforma continental brasileira caracteriza-se pelo gradiente acentuado da profundidade, isto é, a lâmina d’água aprofunda-se muito rapidamente, e traz à tona os desafios: dificuldade de acesso, maior pressão, menor temperatura, maior distância da costa, maior custo operacional, tecnologia não-disponível, etc.

Alguns fatos e números relativos à produção de petróleo no Brasil:


. a Petrobras foi fundada em 1953;
. a produção no mar iniciou-se em 1977, no campo de Enchova, com o EN-1-RJS, a 124 metros de profundidade;
. as reservas de petróleo em 2001 eram de 9,6 x 109 boe; em 2006, 12,5 x 109 boe (+ 30%)
. a produção em 2001 era de 1,57 x 103 boe/dia; em 2006 é de 2,0 x 103 boe/dia (+ 30%);
. o consumo em 2001 era de 1,8 x 103 boe/dia; em 2006 é de 2,0 x 103 boe/dia;
. os campos da Bacia de Campos produzem 95% do petróleo brasileiro;
. na Bacia de Campos a produção ocorre em plataformas situadas a uma distância média de 100 km da costa;
. na Bacia de Campos a exportação (transferência para os terminais em terra) se dá por petroleiros (83%) e por oleodutos/gasodutos (17%);
. em 1998 produzia-se no Campo de Marimbá a 498 metros de profundidade e, em 2000, no Campo de Roncador a 1877 metros de profundidade;
. o custo da produção em 2004 era de US$ 3,30 boe;

Os desafios tecnológicos convencionais

Desde que o petróleo começou a ser produzido na plataforma continental brasileira e a explotação direcionou-se para as águas cada vez mais profundas, uma série de desafios surgiu para a produção:
- à medida em que aumenta a profundidade do campo explorado, resulta:
. pressão crescente;
. temperatura decrescente;
. necessidade de assistência remota (ROVs com projeto, operação e controle aperfeiçoados);
. potência crescente nas plataformas;
. plataformas maiores;
- como garantir o escoamento do petróleo através dos dutos dados que:
. a distância e pressão crescentes implicam em potência crescente dos equipamentos de transferência;
. as grandes distâncias entre fundo do mar e plataformas, e plataformas e terminais produzem temperatura decrescente do óleo, tornando-o mais viscoso, mais propício a depositar parafinas, a formar hidratos, etc;
. o escoamento multifásico nos dutos é, quase sempre, fonte problemas;
. é necessária a separação de fases em etapas da produção;
. é imperativo de promover a elevação artificial;
. há novos padrões na medição de transferência de custódia e fiscal;

Evidentemente, tudo culmina em custo adicional de produção.

Os novos desafios: a mudança da característica do óleo

Os óleos leves, também chamados de convencionais, dominaram o cenário de produção ao longo da história da indústria de petróleo. Os dois motivos principais: os óleos leves são tecnicamente mais fáceis de serem produzidos, portanto a um custo menor; óleos leves rendem, depois de refinados, produtos com maior valor agregado, tais como GLP, gasolina querosene e diesel. Há no Brasil, entretanto, reservas de óleos pesados. Elas têm sido encontradas quando, em realidade, procura-se por jazidas de óleos leves. O Brasil não produziu até então qualquer campo de óleo pesado na bacia continental por não dispor de tecnologia para tanto.

Cabe dizer, entretanto, que reservas de óleo pesado no mundo têm sido produzidas, quando economicamente viável fazê-lo, usando basicamente as mesmas técnicas utilizadas na produção de óleo leve. A conseqüência previsível desta estratégia e do avanço no conhecimento dos recursos petrolíferos totais da Terra é que os recursos remanescentes associados aos óleos leves têm uma participação cada vez menor nos recursos naturais de energia disponíveis ao homem, e em contrapartida, aumenta a importância dos recursos associados aos óleos pesados. As reservas de óleo pesado e extra-pesado no mundo estão estimadas em 435 x 109 de boe, 1,5 vezes inferiores às reservas de óleos leves (600 x 109 boe), mas estas já foram 50% produzidas.

Distribuição das reservas de óleo pesado no mundo Região Fator de Recuperação Reservas (bilhões de barris) América do Norte 0,19 35,3 América do Sul 0,13 265,7 África 0,18 7,2 Europa 0,15 4,9 Oriente Médio 0,12 78,2 Ásia 0,14 29,6 Rússia 0,13 13,4 Total 434,3

Na America do Sul estão 57% (265 x 109 boe) destas reservas conhecidas (a China é uma incógnita e não tem reservas de óleo pesado contabilizadas). O Brasil tem (2,9 + 4,0) x 109 boe de óleo pesado, ou seja, a perspectiva, em médio prazo, é que as reservas brasileiras tenham em sua composição mais de 40% de óleos classificados como pesados. Há que se considerar, ainda, uma reserva “in place”, provada, de 2,0 x 109 boe de óleo ultra-pesado na formação de Membro-Siri, na Bacia de Campos a qual, se as condições tecnológicas permitirem a incorporação, fará o percentual subir mais ainda. A reserva brasileira provada de óleo leve é de 9,0 x 109 boe.

A produção de óleo pesado no mundo, em 2004, não representou mais que 12% da produção total (de 25 bilhões de boe). No Brasil, a participação dos óleos pesados no volume produzido é insignificante, constando apenas pequenos volumes de campos em terra (Fazenda Alegre, ES) e pequenas produções de testes nos campos marítimos (Jubarte, BC). Porém, analistas afirmam que, para que o cenário favorável da atualidade seja mantido, em 2010 a o país terá que produzir entre 10% e 20% de óleo pesado. Mas, efetivamente, o que é o óleo pesado e quais são os desafios para produzí-lo?

Densidade: os óleos pesados são compostos por hidrocarbonetos de grande peso molecular, consequentemente têm alta densidade relativa. As moléculas mais intrincadas produzem impactos no refino, os processos são mais complexos e requerem maior quantidade de energia, para a obtenção dos produtos de maior consumo, GLP, gasolina, querosene e diesel. A densidade também correlaciona-se com a presença de conteúdos de produtos indesejados como asfaltenos, componentes metálicos como níquel e vanádio, além de enxofre.

Razão Gás-Óleo: os reservatórios de óleo pesado são jazidas com baixa densidade de energia. O óleo tem moléculas de grande peso molecular e pequena participação dos hidrocarbonetos menos densos, as frações leves e o gás. Resulta, assim, uma baixa densidade de energia autógena nas jazidas, induzindo baixas eficiências de recuperação e aos baixos índices de produtividades dos poços.

Viscosidade: os óleos pesados são viscosos, propriedade que tem um papel crucial no transporte de fluidos. E cabe lembrar, para o bem e para o mal, que a viscosidade dos hidrocarbonetos líquidos sofre uma variação direta exponencial com a temperatura. Assim, é baixa mobilidade do óleo no seu escoamento dentro da rocha reservatório. Este fato agrava a eficiência de recuperação, a produtividade dos poços e muda substancialmente o perfil de produção de líquidos (água e óleo) ao longo da vida útil do campo. E o transporte em dutos requer maior nível de pressão, impondo maior consumo de energia.

Emulsões: emulsões estáveis de água e óleo é um fenômeno usual na produção de óleos pesados. A emulsão é formada durante o escoamento, e sua taxa de cisalhamento determina a formação da emulsão, mas a característica reológica da emulsão formada é também uma variável no estabelecimento da taxa de cisalhamento. Em suma, o emulsionamento no reservatório ou em dutos e equipamentos é um processo com retro-alimentação. Há que se considerar, ainda, a tendência à formação de espuma, quando da liberação do gás dissolvido, numa espécie de emulsão-limítrofe compressível de gás e líquido. Estas características influenciam o escoamento da mistura no reservatório, poço e linhas, e têm impacto sobre outros processos da cadeia de produção, como na separação e na medição.

Acidez: os óleos pesados provenientes do ambiente “offshore” têm alto teor de acidez orgânica. O índice de acidez, medido pelo TAN (Total Organic Acid Content), é particularmente importante pelo que representa em termos de desafios às operações de refino. Atualmente, poucas refinarias no mundo estão preparadas para operar com petróleos nos níveis de acidez encontrados nestes óleos, o que é um dos fatores contribuintes para o alto “spread” de preço praticado no mercado, em prejuízo dos óleos pesados. Os ácidos orgânicos, nas concentrações constatadas, contribuem para a precipitação de sais organo-metálicos, formadores de depósitos nas paredes de equipamentos de processamento de fluidos.

Reservatório. Os óleos pesados, particularmente aqueles formados por bio-degradação, estão situados em reservatórios rasos, constituído de areias não-consolidadas. Esta característica, que traz dificuldades durante as operações de perfuração e completação dos poços, pode resultar benéfica durante a produção do hidrocarboneto, pela maior permeabilidade que incorpora. O fenômeno da segregação composicional do óleo induz diferença de densidade do petróleo dentro da formação portadora e, na região de contato óleo-água, podem ser encontradas verdadeiras camadas de betume, ou óleo ultra-pesado.

A superposição das características do óleo pesado a fenômenos e processos a elas associadas resulta em desafios científicos e tecnológicos ainda a superar. Para enfrentá-los, uma abordagem possível e imediata que pode ser adotada é a extensão, para os óleos pesados, de modelos já estabelecidos e certificados de representação de processos e fenômenos da produção de óleos leves. Evidentemente, nesta linha de ação haverá lacunas, falta de representatividade e confiabilidade nas representações dos modelos, mas algum nível de previsibilidade pode ser alcançado.

Uma segunda abordagem, desejável, é o estabelecimento de um programa de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico de médio e longo-prazos, que suportem práticas adequadas, eficientes e que privilegiem a relação custo-benefício do processo de produção de óleo pesado em ambiente “off-shore”, este recurso natural que terá importância crescente no cenário das reservas naturais de energia na terra e na produção de combustíveis líquidos derivados de hidrocarbonetos no Brasil.

Referência:

O. V. Trevisan(*), F. A. França(*) e L. C. Lisboa(*), Programa de Desenvolvimento de Tecnologias para a Produção de Óleos Pesados em Campos do Mar – CTPetro – INT – Finep – MCT, fev. 2006. (*)Unicamp

Palavras-chave: petróleo; Petrobrás; .
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006