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Situação atual e perspectivas do setor elétrico brasileiro. Perturbações e riscos de panacéias salvadoras e de querer controlar sistemas físicos complexos com regras de jogos especulativos
Carlos Portela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
 

COPPE/UFRJ, Programa de Engenharia Elétrica

O consumo atual de energia elétrica do Brasil é extremamente baixo, em comparação com os países desenvolvidos, e, a manter-se o crescimento atual, o atraso, no tempo, tende a aumentar. Por exemplo:

- O consumo do Brasil, “per capita”, em 2005, foi idêntico ao dos Estados Unidos em 1943 (atraso de 62 anos) e ao da Alemanha Ocidental em 1957 (atraso de 48 anos).

- Se se mantiverem as condições de aumento de consumo per capita dos últimos vinte anos, o Brasil atingirá com um atraso de cerca de 100 anos o consumo per capita dos Estados Unidos em 2005, e, com um atraso de cerca de 65 anos, metade do consumo per capita dos Estados Unidos em 2005 (ordem de grandeza do consumo per capita em 2005 de alguns dos mais importantes países europeus e asiáticos, em termos de desenvolvimento econômico).

Infelizmente, após um período de recuperação do atraso econômico brasileiro, está-se, há bastante tempo (cerca de vinte anos), com um crescimento medíocre do consumo de energia elétrica.

Em termos socioeconômicos, a situação atual é agravada pela grande irregularidade da distribuição do consumo, em correspondência com a diversidade do nível de desenvolvimento.

Esta realidade é particularmente lamentável, perante as condições brasileiras, quanto a disponibilidade de recursos naturais adequados para um aumento importante da produção de energia elétrica, com energia de custo reduzido e com impacto ambiental moderado, o que, por exemplo, não sucede na quase totalidade dos países economicamente mais desenvolvidos.

A realidade brasileira quanto a geração de energia elétrica é caracterizada, basicamente, pelo seguinte:

- A geração é dominantemente hidroelétrica.

- Nas usinas recentes houve uma proporção elevada de geração térmica a gás, de justificação duvidosa, salvo como medida emergencial para atenuar efeitos de falta de decisões oportunas.

- O Brasil tem um potencial de geração hidroelétrica de baixo custo e ainda não aproveitado que permite, pelo menos e aproximadamente, triplicar a geração hidroelétrica atual.

- A solução natural para o aumento de geração, a médio prazo, é basear esse aumento em geração hidroelétrica de baixo custo, sem prejuízo de uso de outras fontes, porém em nível moderado e complementar.

- A maior parte dos recursos hidroelétricos não aproveitados situa-se na Amazônia, a distâncias elevadas dos centros de consumo, da ordem de 2500 km, com condicionamentos de transmissão muito diferentes dos que serviram de base à concepção das redes de transmissão tradicionais.

Serão discutidas diversas razões conjunturais e estruturais que contribuíram para uma redução da eficiência do setor elétrico brasileiro nas duas últimas décadas.

Aproximadamente na mesma altura, ocorreram alterações radicais na estrutura econômica e gerencial do setor elétrico dos Estados Unidos, que foram defendidas como uma “nova solução”, que iniciava uma nova era de crescimento e progresso. Em várias regiões e países, incluindo o Brasil, surgiu uma pressão muito forte para a adoção desses novos modelos no setor elétrico, que levou a uma alteração importante da estrutura econômica e gerencial, com diversos graus de implantação da “nova solução”.

Em muitos casos, a realidade foi muito diferente da expectativa, com conseqüências por vezes dramáticas.

Serão discutidos vários exemplos das conseqüências das “novas soluções”, relativos ao Brasil e a diversos outros países.

A “nova solução” foi defendida por alguns setores econômicos e políticos brasileiros. Além da eventual aceitação dos argumentos invocados a favor da mesma, ela tinha dois aspectos atrativos: a- Transferia para os setores internacionais e privados a responsabilidade de obter recursos financeiros para os investimentos no setor elétrico. b- A venda das empresas elétricas, na maioria propriedade dos governos federal e estaduais, originaria recursos financeiros que permitiriam reduzir a dívida pública e aumentar as aplicações noutras atividades econômicas e sociais.

Pelo menos criou-se uma expectativa, embora não tenha vindo a ser confirmada pela realidade. Serão discutidos alguns dos principais efeitos da adoção, no Brasil, do “novo modelo”.

Durante vários anos, manteve-se a expectativa, em muitos setores políticos e econômicos, de que os aspectos de “mercado” das “novas soluções” resolveriam naturalmente os requisitos de qualidade do fornecimento de energia, e a “regulamentação”, ou “regulação”, focou-se em aspectos comerciais básicos e parciais. Na realidade, a cultura do setor elétrico brasileiro foi desmantelada, e as “regulamentações” e “funções” basearam-se, em grande parte, em conceitos comerciais excessivamente simplistas, que não consideram adequadamente as estreitas relações entre geração e transmissão, os aspectos estatísticos da hidrologia, os condicionamentos de garantia de fornecimento, a longa vida útil dos investimentos, durante a qual há margens de imprecisão importantes, que há que ponderar, para selecionar adequadamente as soluções e parâmetros. Em diversos aspectos, houve muitos erros e enganos, vários dos quais similares a erros cometidos noutros países, incluindo os Estados Unidos e a Europa. De certa forma, ocorreu um divórcio entre os critérios e condicionamentos de decisão efetiva e os condicionamentos e critérios técnicos e econômicos que conduziriam a soluções corretas e razoavelmente otimizadas, no que respeita a: definição de condicionamentos e parâmetros técnicos e econômicos nas licitações de novos investimentos; opções e decisões de investidores e empresas; regras e condicionamentos de operação; regras de garantia de serviços de transmissão e de geração de eletricidade; regras de estabelecimento de preços; regras de interação com outras entidades ligadas com o setor elétrico.

Em diversos casos, usando a simplicidade da regulamentação, a mesma foi usada, “legalmente”, em atividades basicamente especulativas, e eticamente condenáveis, sem correspondência com as finalidades do setor elétrico.

Serão discutidos:

- Vários aspectos concretos das conseqüências da adoção das “novas soluções”, no Brasil e noutros países.

- Alguns aspectos da venda da maior parte das empresas elétricas de controle estadual, e de algumas empresas de controle federal.

A adoção de soluções e critérios sem correspondência, quer com a realidade física do setor elétrico, quer com critérios econômicos robustos, e o desmantelamento da cultura do setor elétrico, aliadas a diversas outras causas gerenciais e a ausência de decisões tempestivas, culminaram com o racionamento da energia elétrica, que evidenciou, de forma dramática, o risco de falta de racionalidade e competência e de correr atrás de panaceias. Serão discutidos alguns aspectos das causas da situação que conduziu ao racionamento, e da inadequação de parte das medidas corretivas adotadas.

Em termos conceituais e metodológicos, a experiência infeliz do setor elétrico brasileiro durante os últimos vinte anos tem embutidos muitos aspectos que podem ser encarados sob a ótica do controle do setor elétrico, envolvendo não só o controle em termos estritos associado a equipamentos e algoritmos, como também o controle, em sentido mais geral, envolvendo as atuações e decisões baseadas em equipamentos e algoritmos considerados usualmente como parte do processo de controle, mas também as atuações e decisões de investimento e de operação, que existiam tradicionalmente, no setor elétrico, e que foram praticamente desmanteladas, ou simplificadas de maneira inadequada, com a adopcão das novas soluções. Por exemplo, quando há uma ocorrência que não origina atuação automática e desejável de proteções e automatismos de controle que sejam a atuação mais conveniente para essa ocorrência, esperava-se, segundo a cultura tradicional do setor elétrico, que os operadores dos “despachos” e “hierarquia” tempestiva dos mesmos tivessem competência e discernimento adequado para identificar o problema e tomar tempestivamente medidas corretas no sentido de minimizar as conseqüências negativas da ocorrência. A realidade, corroborada por apagões extremamente graves nos Estados Unidos e na Europa, mostrou que essa cultura foi desmantelada. Em contrapartida, surgiu uma nova cultura preocupada apenas em seguir estritamente as especificações comerciais simplistas dos contratos de compra e venda aplicáveis num determinado instante, que têm lógica de mera contabilidade, segundo a qual as potências contratadas (e gamas de flutuação respectivas), por exemplo, em várias linhas interligando duas regiões, são adicionáveis aritmeticamente. Se houvesse um entendimento básico, da parte operadores responsáveis, quando aos condicionamentos físicos de operação duma rede, e se houvesse uma cultura de precedência das leis da física em relação a regras comerciais simplistas de que a Natureza não tomou conhecimento, precedência essa aplicável nas decisões dos operadores, as conseqüências graves, nesses apagões, poderiam ter sido evitadas, com uma perturbação muito menor em termos de corte de carga e duração.

Este mesmo condicionamento de “controle” do setor elétrico, com base em decisões racionais e tempestivas, aplica-se, também, com alteração de “objetivo”, a decisões e opções de planejamento tomadas por “pessoas”.

Naturalmente, as “constantes de tempo” envolvidas no “controle” de planejamento, são, tipicamente, diferentes das decisões envolvidas no “controle de operação”, mas os conceitos envolvidos e a física que os afeta são similares.

Também o fato de um elemento da “cadeia de controle” ser uma pessoa, um equipamento, ou um algoritmo, não envolve os aspectos conceituais básicos.

Serão comentados alguns exemplos concretos que evidenciam a importância da existência efetiva de funções adequadas de controle normalmente exercidas pelo homem, e que não são normalmente encaradas com a ótica de sistemas de controle.

Um dos condicionamentos mais importantes da evolução do sistema elétrico brasileiro é a necessidade de transportar grandes blocos de potência da Região Norte, onde se situam os recursos hidroelétricos mais importantes, de baixo custo, ainda não aproveitados, para a Região Sudeste (fortemente interligada à Região Sul), onde se situa a maior parte dos consumos. Esse transporte envolve distâncias de transmissão da ordem de 2500 km ou mais. Para as potências e distâncias envolvidas, não é adequado usar sistemas de transmissão similares aos que têm sido usados recentemente no Brasil, quer em termos técnicos, quer em termos de custo e de impacto ambiental.

Será feita uma apresentação sumária de um tipo de solução não convencional potencialmente adequado para transmissão, em corrente alternada, de grandes blocos de potência a distâncias da ordem de 2500 km.

Serão evidenciados alguns aspectos destes sistemas de transmissão, sob o ponto de vista de controle. Os condicionamento de controle são significativamente diferentes dos condicionamentos de sistemas tradicionais.

Serão também comentados os condicionamentos básicos de comparação correta desse sistema de transmissão, não convencional, com outra alternativa, também potencialmente interessante, para transmitir grandes blocos de potência, a distância da ordem de 2500 km, em corrente contínua.

Palavras-chave: sistemas elétricos; potência; .
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006