59ª Reunião Anual da SBPC




F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 9. Direito Penal

CONCURSO APARENTE DE NORMAS ENTRE O ESTATUTO DO IDOSO E A LEGISLAÇÃO PENAL GERAL: A CORRETA TIPIFICAÇÃO DA INJÚRIA PRECONCEITUOSA (ART. 140, §3°, CÓDIGO PENAL) EM FACE DO CRIME DO ART. 96, §1°, ESTATUTO DO IDOSO.

Lauro Tércio Bezerra Câmara1

1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte


INTRODUÇÃO:
O Estatuto do Idoso, no âmbito penal, tipificou novas condutas delituosas, cominando-lhes penas mais severas e empregando-lhes tratamento processual diferenciado, visando alcançar máxima eficácia punitiva para os agressores que agem em detrimento da idade da vítima, o idoso. Todavia, alguns preceitos vêm se mostrando conflitantes com a legislação geral, é o caso do concurso aparente entre o art. 96, §1°, Estatuto, e a injúria preconceituosa (art. 140, §3°, CP). Nesse caso, a incorreta tipificação do fato delituoso acarreta conseqüências de ordem material e processual, pois o crime do Estatuto é de menor potencial ofensivo e de ação penal pública incondicionada, enquanto a injúria preconceituosa é crime de ação penal privada, devendo o agente ser processado e julgado perante a justiça comum. A experiência do Parquet potiguar mostra que a conduta injuriosa contra idoso vem sendo incorretamente tipificada como o delito previsto no Estatuto na maioria das ocorrências autuadas pela Delegacia Especializada de Costumes do estado. Este estudo visa: (1) analisar os limites dos elementos jurídicos dos tipos em questão, com vistas à correta aplicação de cada delito no campo factual e (2), com base nesses dados, quantificar os erros de tipificação.

METODOLOGIA:

Na primeira fase do nosso estudo, a de delinear os elementos jurídicos dos delitos previstos nos arts. 96, §1°, Estatuto do Idoso, e 140, §3°, CP, foi realizada revisão bibliográfica buscando delimitar os sujeitos ativo e passivo, o objeto material e o bem juridicamente tutelado e os tipos objetivo e subjetivo de ambos os crimes. Dos resultados obtidos, passou-se à segunda fase, objetivando quantificar os erros de tipificação, realizada através de amostragem dos processos encaminhados pelo Juizado Especial às Promotorias do Deficiente e Idoso do Ministério Público do Rio Grande do Norte na primeira semana de novembro de 2007, selecionando aqueles que apontavam a prática do crime do art. 96, §1°, Estatuto do Idoso.



RESULTADOS:
A injúria preconceituosa (art. 140, §3°, CP) é modalidade qualificada da injúria (art. 140, CP), que tutela a honra subjetiva, isto é, a auto-estima da vítima. Configura a conduta delituosa pela intenção de injuriar, utilizando-se o agente de elementos ligados, dentre outros, à condição de pessoa idosa. Idoso é pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, caracterizando crime próprio quanto ao sujeito passivo. Na prática, consiste em injúria usualmente aditada de expressões como "velho", "velhusco", "cabra velho". Quanto ao crime do §1°, art. 96, Estatuto do Idoso, seguindo o referencial do caput, tutela de forma imediata a dignidade do idoso face ao tratamento discriminatório ao tentar exercer o direito à cidadania, bem jurídico mediato. Configura este delito a atitude dolosa de desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar, por qualquer motivo, o idoso, sujeito passivo próprio da relação jurídico-penal. Distingue-se este delito da injúria preconceituosa pela ausência do animus injuriandi, punindo-se no crime do Estatuto o tratamento discriminatório que tem como efeito secundário a humilhação. Constatou-se a incorreta tipificação do delito do Estatuto do Idoso, quando na verdade tratava-se de injúria preconceituosa, em aproximadamente 85% dos processos.

CONCLUSÕES:
A incorreta tipificação do fato delituoso como art. 96, §1°, Estatuto do Idoso, quando na verdade se trata de injúria preconceituosa, vem ocorrendo constantemente na prática forense. A causa disso é (1) a similitude entre os bens tutelados pelos tipos em comento, pois que aquele protege a dignidade do idoso tendo como plano de fundo o exercício do direito de cidadania, enquanto este visa preservar a dignidade da pessoa idosa sob o aspecto exclusivo da honra subjetiva diante da intenção de injuriar; e (2) o fato de ambos serem praticados contra o idoso, pois que são crimes próprios quanto ao sujeito passivo. Efeito disso é a "desinteligência dos julgados", repercutindo na punibilidade desproporcional do agente, uma vez que a injúria é o crime mais grave, apenado com até 3 anos de reclusão e multa, ao qual não cabem as benefícios processuais do rito sumário.

Instituição de fomento: Ministério Público do Rio Grande do Norte



Palavras-chave:  Tipificação, art. 96, §1º, Estatuto do Idoso, Injúria Preconceituosa

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