60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança

EXPRESSÃO COMO INTENÇÃO AUTORAL NO LIED SCHUBERTIANO

Tristan Guillermo Torriani1
Adriana Giarola Kayama2

1. Prof. Dr. - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
2. Profa. Dra. / Orientadora - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)


INTRODUÇÃO:
Embora o conceito de expressão tenha sido submetido a duras críticas por formalistas como Hanslick, alguns autores recentes como Roger Scruton e Paul Robinson têm procurado mostrar a utilidade desse conceito principalmente se reformulado em termos de uma teoria da intenção autoral. Segundo esta visão alternativa, afirmar que “a música não significa nada”, como propõem os céticos, gera uma série de inconsistências com fatos sabidos da criação musical, como a capacidade do compositor de escolher entre várias técnicas tendo em vista seu efeito potencial sobre o público. Assim, as decisões composicionais terminam por constituir uma intenção autoral cuja consideração também é imprescindível para o próprio executante. O caso mais interessante para aprofundar esta discussão no âmbito da música tonal tem se mostrado ser o Lied schubertiano, pois além de sua inovação musical, engloba a questão da relação entre música e poesia. Robinson procura mostrar como Schubert consegue exprimir idéias poético-filosóficas através de sua harmonia, seus contornos melódicos, ritmos, e suas figuras de acompanhamento pianístico. O objetivo do trabalho é explicar como a expressão se vincula com a intenção autoral e sua relevância decorre da centralidade deste problema para a semântica musical.

METODOLOGIA:
Levantamento bibliográfico, análise textual e discussão teórica. Tendo por base os princípios metodológicos de Stein e Spillman em Poetry into Song, parte-se do pressuposto de que o texto poético fornece o enquadramento básico de significados que serão, porém, enriquecidos e modulados pelo compositor através de diversos procedimentos rítmicos, melódicos e harmônicos. Apesar de Stein e Spillman terem descrito muitos destes procedimentos literário-musicais, seu trabalho carece de um tratamento da questão semântica subjacente a essas técnicas. Para a teoria literária e para as teorias semânticas intencionais (baseadas no trabalho de Grice), o conceito de intenção autoral é o ponto de partida básico para construirmos uma interpretação mesmo que sempre falível. No caso do Lied, a relativa prioridade do texto sobre a música torna imprescindível, como enfatizam Stein e Spillman, alguma compreensão mínima do poema antes da preparação de uma interpretação. Os trabalhos de Robinson e Scruton foram então utilizados para suprir essas lacunas teóricas tanto semânticas quanto estéticas. Os exemplos de Robinson deixaram clara a necessidade de se trabalhar com um conceito de intenção autoral que seria expresso conjuntamente por texto e música, mesmo que esta última não possa representar nada.

RESULTADOS:
As figurações de acompanhamento nos Lieder de Schubert não constituem representações. Para que houvesse uma representação, seria necessário mais do que uma relação de mera similaridade entre o representante e o representado (sugestiva de alguma imitação sonora como o barulho de uma roca ou o murmurar de um rio). Como numa fotografia, a representação musical teria que bastar para nos indicar inequivocamente o representado, e isso não funciona nesses casos. O acréscimo semântico dado pelo compositor ao poema não é representacional. No entanto, ao empregar diversas técnicas tonais, ele é capaz de matizar os significados representacionais da linguagem poética caracterizando-se assim sua intenção expressiva e mesmo a sua interpretação do poema. É por isso que vale a pena considerar a proposta de Scruton de entender o conceito de significação musical como expressão de uma intenção autoral para que possamos falar em algum conteúdo na música. A música tem sim sentido, mas não é representacional, é expressão pessoal mediada por formas sonoras. Ao fundir semanticamente linguagem e música, o Lied se torna uma forma autônoma, que não deve ser julgada esteticamente por critérios estritamente musicais. Os diversos registros expressivos precisam ser tratados como uma unidade coerente.

CONCLUSÕES:
Tanto a sugestão de Robinson de que Schubert teria filosofado enquanto compositor quanto a proposta de Scruton no sentido de que se deva reabilitar o conceito de significação musical como expressão de uma intenção autoral permitem que se possa valorizar mais a contribuição de compositores de Lieder aos poemas por eles musicados. Fica também evidenciada a limitação de uma abordagem segundo as diretrizes de Hanslick, que prescrevem só a música pura (instrumental e vocal) como pertinentes à significação e beleza musicais. A apreciação estética do Lied exige o desenvolvimento de uma sensibilidade refinada tanto para o poético quanto para o musical. Abordar o Lied por meio de uma sensibilidade truncada seria como querer apreciar uma pintura que deveria ser vista com visão binocular fechando-se um olho. Analiticamente, a posição de Hanslick pode ainda ser aceita para a música pura ou absoluta (também vocal sem texto), mas ela é claramente insuficiente para o Lied que, por meio da poesia, também nos abre horizontes para a própria filosofia romântica. Como forma mista, então, o Lied coloca problemas semânticos e estéticos cuja resolução pode ser melhor encaminhada por uma teoria não representacionalista, mas expressivista e intencionalista da significação musical.



Palavras-chave:  Expressão, Intenção autoral, Lied

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