60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social

DE MENOR DELINQUENTE A SUJEITO DE DIREITOS – O PERCURSO HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE CRIANÇA E ADOLESCENTE

Isis Sousa Longo1

1. FEUSP


INTRODUÇÃO:
Este trabalho, parte integrante da pesquisa de doutorado, pretende abordar a concepção do conceito do menor como uma construção datada historicamente na sociedade brasileira. Utilizamos por referenciais teóricos Antonio Gramsci, Michel Foucault e Erving Golffman. A 1ª República foi um marco na criação da legislação ao segmento infanto-juvenil, com o primeiro Código de Menores de 1927, lei que sintetiza os discursos e práticas políticas de uma época marcada pela urbanização, trabalho livre, nascimento do movimento operário e crescimento das contradições sociais. Neste cenário a sociedade iria enfrentar o problema do menor sob a lógica do saber médico, jurídico e pedagógico. O conceito de menor e suas derivações (abandonado, delinqüente, vadio, libertino e infrator) iriam perdurar no século XX com a construção de instituições totalitárias para excluir o sujeito ora periculoso, ora em situação irregular, e preservar a sociedade de suas delinqüências. A Política Nacional para o Bem Estar do Menor, formulada no regime militar, foi responsável pela perpetuação do discurso e práticas de violência contra crianças e adolescentes pobres, estigmatizados como menores. Com o final da ditadura, nos idos de 1980, os movimentos sociais, entre eles o movimento da infância, pressionam o parlamento para a aprovação de Emendas populares na Constituição Federal de 1988 sobre os direitos da criança. Pela participação ativa da sociedade civil organizada, em 1990 é aprovado o Estatuto da Criança e Adolescente.

METODOLOGIA:
Avaliamos o percurso histórico das diferentes legislações consideradas marcos para a infância e adolescência no Brasil por meio da análise das leis como fontes documentais, além da síntese bibliográfica sobre o assunto. O material pesquisado fora: o Código Penal de 1890; o Código de Menores de 1927; a Lei de Emergência de 1943 do governo de Getúlio Vargas; o Código de Menores de 1979 do período militar; a Lei 8069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente. Os autores referenciais foram: Mary Del Priori, Gutemberg Alexandrino Rodrigues, Marcos César Alvarez, Wilson Liberatti, Rosilda Benacchio, Boris Fausto, Sérgio Buarque de Holanda, Maria Victoria Benevides, Fábio Comparato.

RESULTADOS:
Ao compararmos as legislações sobre a sujeição do menor enquanto uma categoria social, criada no contexto da urbanização e modernização da sociedade agrária brasileira pudemos inferir que o ECA representa além de um avanço da democracia do país, a esperança de construção de uma sociedade mais justa e menos desigual ao estabelecer para todas as crianças e adolescentes o direito de existir como sujeitos de direitos, detentores de história e dignidade. O percurso histórico dos diferentes marcos regulatórios foi utilizado como elemento comparativo entre os discursos e práticas referentes às políticas destinadas para crianças e adolescentes. Para podermos compreender as dificuldades para a implantação efetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente no século XXI, localizamos no tempo e espaço a continuidade de discursos e práticas menoristas de diversos atores sociais como, por exemplo, a mídia. Perceber que, por décadas, a mídia escrita e falada sistematicamente fez e faz campanha pelo rebaixamento da idade penal e pelo recrudescimento das internações, como medidas necessárias para conter a criminalidade de adolescentes tidos como ‘monstros’ infratores. Fato recorrente na sociedade brasileira, pois mudam as pessoas, mudam as décadas, mudam alguns argumentos técnicos e científicos, mas os discursos conservadores de responsabilização dos pobres e das famílias pobres pela miséria e criminalidade permanecem os mesmos.

CONCLUSÕES:
No Brasil, a prolongada escravidão e o capitalismo tardio implicaram o adiamento do trabalho livre e, por conseguinte, o adiamento das conquistas dos direitos sociais pela classe trabalhadora. É importante destacar que a história de um país é resultado das lutas de classe que provocam mudanças de mentalidade, comportamento e práticas sociais. Neste cenário de lutas, as elites reagem, não aceitam fazer concessões ou perder privilégios e usam os aparelhos repressivos do Estado, para manter seu poder dominante. No entanto, o massacre permanente da massa trabalhadora não é conveniente para a manutenção do controle da ordem; desta forma, o campo do direito enquanto sistema jurídico é um termômetro social sobre o contexto histórico vivenciado. Em conjuntura de maior conflito social há publicação de leis mais controladoras de corpos e mentes e, em momentos que há maior organização social, há aprovação de leis de maior abrangência de conquistas sociais. Com 18 anos de história, o ECA continua incompreendido por muitos; continua sendo alvo da mídia conservadora que rechaça os ditames da lei de proteção integral, como rechaça os direitos humanos, estes associados aos direitos de bandidos e o ECA identificado como direito de menores delinqüentes. Mais do que resistir aos ataques conservadores, temos que exercitar a legislação do ECA em nosso cotidiano e compreender que só a lei não é suficiente para mudar a história, mas é um passo importante para consolidarmos as transformações políticas.

Instituição de fomento: CNPQ - Doutorado



Palavras-chave:  Direito, Estatuto da Criança e do Adolescente, Menor

E-mail para contato: isislongo@ig.com.br