60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística

A DÊIXIS E A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NO GÊNERO CARTA PESSOAL

Monia Cavalcanti de Souza1
Reginaldo Clecio dos Santos1

1. UFPE, Departamento de Letras


INTRODUÇÃO:
Este trabalho tem como objetivo compor uma breve síntese dos estudos acerca dos dêiticos nos últimos anos no âmbito da Semântica e da Pragmática. A palavra dêixis se origina do grego e significa "apontar", "indicar”. Desse modo, pronomes de primeira e segunda pessoas, demonstrativos, tempos verbais, advérbios específicos de espaço e de tempo são as principais formas pelas quais a dêixis se manifesta nos enunciados de uma língua. Os elementos dêiticos agem de forma orientadora, pois é por meio deles que os interlocutores constroem as relações entre contexto e discurso. Isso ocorre invariavelmente nas interações face a face, mas também, e com bastante freqüência, nos gêneros textuais que recebem interferência direta da fala como, por exemplo, bilhetes, volantes de rua, notícias, avisos, atas de reunião, etc. Por esse motivo, escolhemos o gênero carta pessoal como corpus ideal para a observação e análise da dêixis, principalmente no que toca ao papel dos interlocutores na interação assimétrica de um gênero da modalidade escrita, à localização de cada um no espaço e no tempo, à posição social que cada um ocupa, assim como à presença de marcas que orientam e monitoram a compreensão do leitor.

METODOLOGIA:
Para empreender nossa análise, fizemos um levantamento da tipologia dos dêiticos por meio da leitura de Levinson (1983) e Marcuschi (1994) que classificam a dêixis em cinco tipos: 1) dêixis de pessoa, relaciona-se à codificação dos papéis dos interlocutores nos eventos de fala; 2) dêixis de tempo, refere-se à gramaticalização dos períodos de tempo num enunciado ou numa mensagem escrita; 3) dêixis espacial, especifica a localização de objetos ou dos participantes do evento de fala para orientar o receptor; 4) dêixis de discurso, codifica itens lexicais organizados para relacionar, no discurso, elementos que auxiliam no monitoramento cognitivo dos interlocutores (Marcuschi, 1994, p. 2); 5) dêixis social, está ligada à gramaticalização de certas realidades da situação social dos falantes no evento de fala. A seguir, procedemos à análise do corpus, a saber, duas cartas pessoais das quais omitimos a identidade dos interlocutores. Nelas, levantamos a ocorrência de cada tipo de dêitico. O levantamento não seguiu um paradigma quantitativo, mas sim, qualitativo. Desse modo, investigamos aspectos relevantes no que toca à construção dos sentidos no gênero carta pessoal como, por exemplo, a posição espacial e temporal dos interlocutores e a ocorrência de índices orientadores da leitura.

RESULTADOS:
Como se situa numa zona de convergência entre fala e escrita (Marcuschi, 2004, p. 91), a carta pessoal apresenta grande ocorrência explícita ou implícita do pronome de primeira pessoa “eu”. Assim, fica comprovado que a dêixis se configura geralmente de forma egocêntrica (Levinson, 1983, p. 63) e, ainda que a simultaneidade dêitica numa interação face a face seja determinante na escolha do emissor como centro dêitico, a assimetria dos tempos de codificação (TC) e de recepção (TR), no caso de uma carta pessoal, não invalida tal afirmação, já que o “eu” também determina o uso da dêixis na situação comunicativa, sobretudo no uso dos dêiticos de tempo e de espaço. Nos textos analisados, os dêiticos espaciais “aqui” e “aí” indicam não o lugar onde se encontram, respectivamente, emissor e receptor, mas sim, a cidade de onde procede cada um dos interlocutores. Vale ressaltar que o advérbio “aqui” é também usado como dêitico discursivo e anuncia o fim da missiva. Já a dêixis temporal precisa se ancorar na data de produção do texto por sua natureza relacional (Marcuschi, 1994, p. 6). Assim, os dêiticos usados na produção de uma carta pessoal, exigem, de um lado, um centro de referência (primeira pessoa) e, de outro, uma série de complexas relações entre a data de emissão e a data de recepção da mensagem.

CONCLUSÕES:
A partir das análises empreendidas, fica evidente a relação entre linguagem e contexto na estrutura das línguas naturais (Levinson, 1983, p. 54), pois, estão entre as principais funções dos elementos dêiticos, identificar interlocutores, localizá-los no tempo e no espaço, bem como diferenciá-los socialmente, ou seja, funções que não são propriamente lingüísticas, mas se gramaticalizam devido à necessidade do homem de relacionar a linguagem e o mundo ao seu redor. No gênero textual analisado, os sentidos são construídos a partir de um centro referencial que orienta, sobretudo, as noções de tempo e de espaço. Mesmo sendo, segundo o quadro teórico utilizado, um fenômeno que determina o seu uso de forma egocêntrica, torna-se indispensável apreciar a dêixis dentro de uma perspectiva discursiva e dialógica (Bakhtin, 1979), já que o receptor é peça fundamental de uma interação e é em função dele que o emissor irá tentar construir paralelos entre TC e TR. Além disso, vale ressaltar a afirmação de que "as línguas naturais foram projetadas para uso na interação face a face" (id., ibid., p. 54). O que seria mais uma prova de que a língua é indissociável de seus falantes e do contexto em que estes se inserem e que a modalidade escrita é uma tentativa de simular essas relações.



Palavras-chave:  dêiticos, carta pessoal, sentido

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