60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social

A DITADURA MILITAR BRASILEIRA SOB O LÁPIS CARICATURAL DE ZIRALDO: ANÁLISE DE SUA PRODUÇÃO GRÁFICA N’O PASQUIM (1969-71) E NO JORNAL DO BRASIL (1976-7)

Luciano Vieira Francisco1
Arnaldo Daraya Contier1

1. Universidade de São Paulo, USP


INTRODUÇÃO:
Entre a pretensa Revolução libertadora e o Estado de segurança nacional, a ditadura militar abriu caminho à pior forma de opressão estatal que a sociedade brasileira conheceu. Todavia, foi o mesmo movimento sedicioso que, involuntariamente, também provocou uma das fases mais criativas da cultura nas mais diversas manifestações artísticas de contestação que este país já promoveu. Nesse grupo estão os humoristas gráficos, certamente, mas o tratamento mítico e anacrônico que a curta temporalidade histórica deu a alguns deles também merece nossa atenção. De modo que esta pesquisa recupera as aplicações temáticas nos trabalhos gráficos de Ziraldo, humorista gráfico tão citado em pesquisas, mas, controversamente, tão pouco estudado, em dois jornais cariocas, O Pasquim e Jornal do Brasil. Na relevância da sua produção, figura-nos como objetivo tentar compreender como Ziraldo colaborou quase que simultaneamente em ambos periódicos. Caso consideremos que, mesmo entrincheirados em um mesmo lado naqueles momentos, representavam diferentes bases ideológicas, estruturas editoriais e de gestão administrativa, liberalista no caso do JB, co-gestão participativa (festiva?) n’O Pasquim.

METODOLOGIA:
A pesquisa se baseou no levantamento iconográfico de Ziraldo em dois jornais cariocas, em dois momentos da ditadura militar brasileira (de junho de 1969 a junho de 1971 n’O Pasquim e de agosto de 1976 a dezembro de 1977 no Jornal do Brasil, JB). Organizadas em diferentes categorias para melhor entender a produção ziraldiana (como temas centrais, personagens, citações relevantes, periodicidade), tais fontes foram posteriormente cotejadas ao levantamento bibliográfico dos principais teóricos sobre o Estado autoritário e a censura impressa atuante nesses momentos.

RESULTADOS:
Parece-nos claro afirmar que, partindo da suposta dicotomia entre uma hegemonia cultural contestadora desse gênero versus um eventual vazio dos motes recorridos por esse artista, são verificáveis regularidades temáticas com preponderância de desenhos sem maiores preocupações diretamente políticas n’O Pasquim. Nesse caso Ziraldo recorreu a variações temáticas acerca da sexualidade, costumes e expressões idiomáticas no material recolhido n’O Pasquim, sem necessariamente representar um vazio no embate com o regime, tais temáticas nos dão sinais da restrição artística imposta naquela ocasião, onde o senso moral da classe média carioca passa a ser o alvo. Por conseguinte, posteriormente no Jornal do Brasil, Ziraldo assume uma postura mais ofensiva ao sedicioso regime, exaustivamente atacando contradições tanto do cenário político internacional, quanto da nossa própria contextura ditatorial, seus agentes e instrumentos de cerceamento civil, como o AI-5 e as articulações continuístas no processo sucessório do cargo presidencial.

CONCLUSÕES:
Mesmo se tratando do que convencionamos chamar de história imediata, não estamos isentos de incorrer mitologicamente a eventos históricos recentes, tornando dicotômicos personagens e suas representatividades em personas malévolas ou benévolas. Assim foi com O Pasquim que na maioria das memórias é lembrado como baluarte da resistência e crítica ao sedicioso regime, ao passo que grandes jornais comerciais de ideologia lockeana, como o JB, teriam não apenas colaborado na ascensão da Revolução libertadora de 1964, como também se isentado dos grandes questionamentos do posterior Estado de Segurança Nacional e suas restrições. De encontro a tal tese, os trabalhos de Ziraldo nos servem como antítese ao evidenciar a grande soma de ataques gráficos ao regime por ele desferidos entre os editoriais do JB, em um momento em que a censura fora mais eficaz, como aconteceu no governo Geisel, tomando como suporte um periódico sugestivamente inclinado às questões comerciais. Ao passo que politicamente inoficial foi a relação de seus trabalhos durante o prólogo do mais duro entre os atos institucionais, nesse caso desenhando sobre sexualidade e costumes da classe média, tendo como suporte um tablóide posterizado como maior e mais resistente representante da imprensa alternativa no país.



Palavras-chave:  Ziraldo, Ditadura militar, Humor gráfico

E-mail para contato: lucianovieira@usp.br