60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança

A “COLLECÇÃO DE MODINHAS DE BOM GOSTO DE J. F. LEAL”: CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-ESTÉTICO-MUSICAL PARA A INTERPRETAÇÃO DA OBRA, CONSIDERANDO A PRÁTICA VOCAL CARIOCA DA 1ª METADE DO SÉCULO XIX

Sidnei Alferes1
Adriana Giarola Kayama1, 2

1. Instituto de Artes da UNICAMP
2. Prof. Dra. Adriana G. Kayama - Programa de Pós-Graduação em Música - Orientadora


INTRODUÇÃO:
A produção musical de modinhas no Brasil é bastante significativa tanto quantitativa como qualitativamente e sua influência na história da música do país é reconhecidamente marcante. Nomes como Andrade, Araújo, Siqueira, Stevenson, Béhague, Freitas, Doderer, Veiga, entre outros, dedicaram-se à pesquisa deste gênero musical e suas origens. Ainda hoje, o assunto está em debate e longe de ser esgotado. A pesquisa acadêmica sobre a interpretação historicamente orientada da modinha é bem mais recente. Este trabalho teve por objetivo tornar acessível ao público a “Collecção de modinhas de bom gosto” (1830) de J. F. Leal, por meio de um estudo histórico-estético-musical da obra; uma nova editoração das partituras originais com sugestões de como distribuir na melodia o texto das estrofes não musicadas; uma apresentação pública da coleção na forma de recital; e da apresentação de sugestões de ornamentação a partir do resultado do estudo poético-musical das modinhas. A relevância deste trabalho está na importância histórica da obra e do resgate e divulgação da música vocal brasileira deste período, bem como, disponibilizar importantes elementos para futuras discussões a respeito de uma escola de canto nacional.

METODOLOGIA:
Primeiro, realizamos a pesquisa bibliográfica do contexto histórico e estético-sonoro da referida época e da biografia do compositor. Algumas fontes de referência histórica, como periódicos, certidões e relatos, foram encontradas em acervos de importantes instituições brasileiras como a Fundação Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional, a Biblioteca Alberto Nepomuceno UFRJ, o Arquivo da Cúria Metropolitana de S. Sebastião, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Colégio Brasileiro de Genealogia, e o Arquivo Histórico do Exército, no Rio de Janeiro; e, em Portugal, a Biblioteca Nacional de Lisboa e a Biblioteca do Palácio da Ajuda. Realizada esta etapa, analisamos a coleção inserida dentro do contexto bibliográfico encontrado. Paralelamente, realizamos as análises poética e musical da obra em seus vários aspectos. Fizemos uma editoração da coleção buscando soluções para a prosódia dos textos não musicados. Procedemos, então, à associação entre os dados das análises musicais e poéticas e o contexto histórico-estético. De posse destes elementos, preparamos a interpretação final da coleção. Por fim, após a apresentação pública do resultado da pesquisa em forma de recital, temos, além do material escrito na forma da dissertação de mestrado, um resultado prático da pesquisa.

RESULTADOS:
Inicialmente, elucidou-se a questão da autoria da coleção. A edição das “Modinhas luso-brasileiras” (Doderer, 1984) creditou a presente coleção a José Francisco Leal. No entanto, verificamos junto a fontes históricas que o compositor seria provavelmente João Francisco Leal, cantor e compositor, irmão de José Francisco Leal. Este fato coloca a coleção em posição análoga às composições de G. Fernandes da Trindade e C. Inácio da Silva, na medida em que foram compostas por cantores. Ficou evidente neste estudo a influência da linha vocal de Rossini nestas composições, que veio da prática vocal de Leal. A despeito das rotulações que a modinha, influenciada pela ópera italiana, tem até hoje, percebemos que o conteúdo poético tipicamente brasileiro e, além disto, a identidade rítmica por meio do uso incomum da prosódia, confere às modinhas um gosto brasileiro, mesmo sob forte influência da música estrangeira. É relevante o fato de o ideal estético vocal da modinha ainda ser remanescente da escola italiana dos castrati, enquanto a escrita musical do instrumento acompanhador remete ao classicismo. Estas informações nos levam a entender que, na época, o fazer musical ainda remetia ao gosto vocal dos estilos barroco e clássico, apesar da popularidade da ópera rossiniana no Rio de Janeiro.

CONCLUSÕES:
Este estudo ampliou nosso entendimento histórico e estético da época, elucidando características do ideal sonoro do período e a relação deste com a interpretação da coleção nos dias de hoje. Acreditamos que nosso trabalho de editoração das partituras será muito útil para outras pesquisas, além de possibilitar uma interpretação fluente da coleção. O trabalho de distribuição dos textos não musicados na melodia, bem como a sugestão de ornamentações nas demais estrofes, nos ofereceu dados importantes sobre o emprego prosódico no gênero. Acreditamos que o processo característico das modinhas de vários compositores brasileiros, de várias épocas, muitas vezes interpretado como “erro” de prosódia, pode ser de fato uma qualidade própria do gênero. Esta qualidade dá a estas composições uma característica que desafia o intérprete e privilegia o espectador, como constatamos na apresentação pública da coleção. Além disto, o estudo da autoria da coleção revelou dados importantes que modificam o entendimento da coleção. A temática do compositor-cantor pode ser tema para pesquisas mais aprofundadas, no futuro, que permitirão discussões a respeito de uma escola nacional de canto no Brasil.

Instituição de fomento: FAPESP



Palavras-chave:  Modinha, João Francisco Leal, Canção brasileira erudita

E-mail para contato: sidneialferes@yahoo.com