60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança

A INSERÇÃO DOS MUTANTES NO CENÁRIO MUSICAL DA MPB: RISO E PERFORMANCE EM MEIO À ESTRUTURAÇÃO DA INDÚSTRIA CULTURAL BRASILEIRA.

Daniela Vieira dos Santos1, 2

1. UNESP Faculdade de Ciências e Letras, campus de Araraquara.
2. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FCL/Ar


INTRODUÇÃO:
O objetivo dessa pesquisa é a de analisar a especificidade dos Mutantes, grupo musical formado por Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, em meados da década de 1960, onde os debates estéticos e ideológicos na esfera musical estavam significativamente enviesados pelo nacional-popular. Ao adentrar no cenário da MPB, através do Tropicalismo, Os Mutantes demonstraram certas singularidades, uma vez que se tratava de um conjunto de pop-rock, influenciado pelo rock’n´roll anglo- americano de meados da década de 60. Torna-se relevante entender como e por que ocorreu esse vínculo do grupo ao ambiente musical dos Festivais da Canção. Estamos levando em conta um período onde a estruturação da Indústria Cultural, a partir de um processo de modernização conservadora levado a cabo pelos militares era evidente. Por outro lado, também se fazia sentir o movimento da contracultura, onde a atuação dos Mutantes estava em tudo adequada a essas transformações ocorridas na sociedade brasileira dos anos de 1960 e meados da década de 1970. Tal empreendimento se justifica, pois, há poucos estudos acadêmicos nessa área, assim, acreditamos ser importante contribuir no sentido de alargar o campo da sociologia cultural com um estudo centrado na relação entre música e sociedade.

METODOLOGIA:
Estamos nos pautando pelo procedimento de análise sócio-histórica da produção musical, tal como José Vinci de Moraes expôs em artigo relativamente recente. Segundo este autor, o procedimento de análise deve compreender as particularidades objetivas e materiais dos sons produzidos e como eles são e foram (re) elaborados pela sociedade, proporcionando as mais variadas relações simbólicas. Ao seguirmos esse viés analítico proposto acima, a análise sócio-histórica da produção musical do grupo, buscará os elementos simbólicos presentes nas suas canções e não os aspectos propriamente musicológicos (estruturais) da canção. Tais elementos estão sendo pesquisados a partir da análise da técnica de montagem, da fragmentação sonora, da utilização de música concreta etc. Será, então, a partir da simbologia do som que empreenderemos a representação social das canções expressas pelos Mutantes, a fim de compreender socialmente o significado da “experimentação” sonora utilizada por eles no cenário da MPB, bem como diagnosticar as transformações históricas e sociais que contribuíram (sempre lembrando que tais relações entre sociedade e cultura não são diretas e nem mecânicas) no sentido de modificar a sua trajetória musical ao longo dos anos.

RESULTADOS:
A apresentação do trio no III festival da canção consolidou o vínculo do grupo ao cenário da MPB. Contudo, a entrada deles nesse cenário não se realizaria sem o “apadrinhamento” de Gilberto Gil e do maestro Rogério Duprat. A utilização dos instrumentos elétricos contribuiu no sentido de ampliar o campo da música popular. Contudo, ao contrário de Gil e Caetano, que tinham um projeto musical consciente, Os Mutantes adentram nesse cenário para dar vazão a sua proposta de fazer uma canção recheada de ironia e bom humor, e certo descompromisso com os cânones musicais da época. Portanto, ao ocupar o espaço social constituído pelos integrantes da chamada canção engajada, o grupo não era visto com bons olhos nem pelos músicos da chamada “linha dura”, tampouco, pelo seu público. E mesmo tendo recebido vaias do público, eles reagiam provocando os mais “conservadores” da MPB, pois o que eles queriam “era farra”. Podemos dizer que a atuação deles esteve bastante adequada as mudanças estéticas e comportamentais ocorridas no cenário internacional. Num tempo de abertura da indústria fonográfica, e a partir da ligação com os tropicalistas, eles tiveram a possibilidade de modificar alguns “requisitos” impostos pela música popular brasileira sob vários aspectos: comportamentais e musicalmente.

CONCLUSÕES:
A atuação do grupo no palco era totalmente performática, não eram só as músicas que falavam por sí, a questão visual foi central na composição do grupo. Desde a primeira aparição ao grande público isso foi notório: deixaram de lado os terninhos e vestidos comportados usados pela MPB para abusarem das fantasias. Ao observar a canção “Chão de Estrelas” interpretada pelo conjunto percebemos certas dissonâncias em relação ao modo como o tropicalismo musical vem sendo analisado, no que se refere à tradição da música popular brasileira. Na releitura feita pelo trio fica evidente o resgate da tradição musical, porém, num sentido inverso ao da proposta de Caetano Veloso e Gilberto Gil: de maneira debochada. Os Mutantes nessa canção apresentam uma postura de ruptura com a tradição da música popular. E esse deboche é evidente no modo como a canção está sendo entoada, bem como, pela utilização dos elementos da música concreta que nos faz lembrar circo. Ou seja, para o conjunto naquele momento a música popular não passava de uma grande “palhaçada”. Eles transformam a tradição num verdadeiro circo. Assim sendo, a relação estabelecida com a tradição era a de destruição, ainda que os músicos não afirmem isso em entrevistas, a canção como documento sócio-histórico de análise confirma essa tese.

Instituição de fomento: FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.



Palavras-chave:  Indústria Cultural, MPB, Mutantes

E-mail para contato: daniunesp@yahoo.com.br.