60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 2. Literatura Comparada

EPIFANIA E HOMOEROTISMO: UMA LEITURA DAS OBRAS DE PAULO TEIXEIRA E VALDO MOTTA

Sinei Ferreira Sales3, 2, 1
Emerson da Cruz Inacio3, 2, 1

1. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
2. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
3. Universidade de São Paulo


INTRODUÇÃO:
Paulo Teixeira, nascido em Maputo e radicado em Portugal, e Valdo Motta, brasileiro nascido no Espírito Santo, em suas respectivas poéticas, dão-nos a conhecer discursos líricos que se estruturam na escatologia. Assim, à semelhança de outros diálogos com o discurso da esfera do sagrado, buscam a verdade. Para que essa verdade seja atingida é necessário que se negue ou se apóie nos discursos correntes da religiosidade a fim de alcançar os objetivos propostos. Entretanto, à esteira da modernidade, tanto a obra de Motta quanto a de Teixeira pertencem ao “contexto de uma cultura secularizada, em que a referência a Deus perde boa parte – se não a totalidade – de sua eficácia simbólica, [e] é a idéia de um ‘eu-autêntico’, construído fundamentalmente em torno da identidade de gênero (e, em muitos contextos da identidade nacional), que passa a ocupar o locus privilegiado do que é verdadeiro, do que é real (e/ou natural) e do que é legítimo”. Guiando nossa pesquisa, levantamos a hipótese de que a compreensão dos sujeitos poéticos se dá através do conhecimento do meio social em que se inserem os poetas. Neste sentido, as obras poéticas deles refletiriam a iminência da homossociabilidade, bem como da religiosidade, a epifania da linguagem.

METODOLOGIA:
Leitura e análise dos poemas de Patmos, de Paulo Teixeira, e de Bundo e outros poemas, de Valdo Motta, visando à comprovação da nossa hipótese levantada. Abordamos os textos poéticos, na esfera do desejo, a partir das perspectivas do homoerotismo e da homossociabilidade apoiados nos estudos de Jurandir Freire Costa, sobretudo em relação às formas constitutivas do desejo que se constrói na possibilidade que certos sujeitos têm de sentir os mais diversos desejos ou relações físicas de cunho erótico por pessoas do mesmo sexo biológico. Essa possibilidade se relaciona com o leque de nuances subjetivas que o próprio homossexualismo pode ter, além de ser veiculador de um discurso que problematiza a cultura atual. Abordamos a questão da epifania em literatura da perspectiva de Affonso Romano de Santanna a qual nos é dada como uma “súbita revelação da verdade”. Religiosidade, epifania e apocalipse são traços comuns às obras de ambos os autores cuja carga semântica traz presente o traço revelação; significando uma iluminação súbita na consciência dos figurantes do discurso, não apenas como o relato de uma experiência, mas a consciência que se abre para o mundo em momentos luminosos.

RESULTADOS:
Observamos que a religiosidade aliada ao tema do homoerotismo (1) leva a discursos que Sedgwick descreveu como sendo pertencentes à “estética do armário”, como no caso dos poemas de Paulo Teixeira; (2) o sujeito oprimido pela religiosidade, assume o seu “deus furioso” interior e procura se afirmar como sujeito do mundo, caso de Valdo Motta; (3) comum aos dois poetas, no processo estilístico de criação, desdobra-se a percepção de uma linguagem escatológica a qual reflete um desapego às formas tradicionais de buscar a Deus, fazendo isso não mais por intermédio do pensamento, mas do desejo.

CONCLUSÕES:
Se em alguns momentos a estética do armário, presente em Patmos, nos ilude em relação à opressão sofrida pelo eu – lírico, em outros momentos, o que se tem é certa satisfação de, ao menos, estar perto e alcançar seu Deus através do desejo. A clivagem que ocorre no sujeito poético de Patmos é dada pelos actantes principais da obra, Jesus e S. João. Resultando, portanto, do desejo velado, a estética do “armário”, ou seja, um desdobramento da homossociabilidade ali presente. Já em Bundo o eu lírico encontra seu Deus através do corpo, do contato com as entranhas, local no qual terá sua epifania. Todavia, o que impede que ele atinja seus intentos de possuir e ser possuído é, na maioria das vezes, a sociedade. Um impedimento generalizado que foge à esfera do sujeito. Por isso que, se necessário, esse sujeito poético briga, grita e reivindica o seu direito ao amor, ou seja, trazer Deus para perto de si. Por fim, fica evidente ao lermos Teixeira e Motta a força que a religiosidade ainda tem nas culturas brasileira e portuguesa. Entretanto, a forma de encará-la tem mudado. O corpo e o desejo homoerótico, deixam de ser vistos como pecado para, através da escatologia, de forma epifânica, ser vistos como um meio de alcançar Deus.

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Poesia, Homoerotismo, Comparatismo Literário

E-mail para contato: sinei.sales@usp.br