60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira

O CORPO ENCARCERADO: UMA EXPERIÊNCIA SUBALTERNA EM LYGIA FAGUNDES TELLES

Andréa Machado da Cunha1
Carlos Magno Santos Gomes1

1. Universidade Federal de Sergipe-UFS- Campus Prof. Alberto Carvalho


INTRODUÇÃO:
Este trabalho analisa como o preconceito do corpo encarcerado está representado no conto “A confissão de Leontina”, em A estrutura da bolha de sabão (1978), de Lygia Fagundes Telles. Nele, a protagonista narra sua vida de miséria, sintetizando o desespero de um corpo que suplica por outra chance social. A temática integra a obra da escritora contemporânea que entrelaça literatura e sociedade de forma bem particular. No conto, Telles busca, esteticamente, desnaturalizar o preconceito enraizado na sociedade, em que os mais fracos sofrem as conseqüências do dominador. O corpo encarcerado é um exemplo que nos faz refletir sobre a sociedade disciplinada. Para Foucault (1987), os métodos utilizados nessa disciplina geram o controle do corpo subalterno. A personagem do conto é apreendida com violência pelos mecanismos de poder e seu corpo entra numa maquinaria que a desarticula. Do início ao final do conto, é massacrado, mutilado pelo sistema. A presidiária busca via monólogo provar sua inocência de um assassinato sem intenção. Aqui, procura-se discutir “como” a representação do corpo encarcerado ocorre e que tipos de valores sociais condensa. A preocupação com o social aborda um dos principais temas de Lygia Fagundes Telles: o engajamento do escritor com as causas dos subalternos.

METODOLOGIA:
A par dos estudos de gênero e do corpo propostos por Foucault (1987) e Elódia Xavier (2007), desenvolve-se um método de investigação sobre como o corpo encarcerado é reproduzido por Lygia Fagundes Telles. Para Xavier, a questão de gênero é fundamental para se interpretar a opressão a que o corpo feminino está sujeito. Para Foucault, o corpo encarcerado é marcado pela rígida disciplina. O que esse mecanismo pretende é a formação de uma relação que torna o corpo mais obediente e útil na mesma proporção. Faz do corpo uma aptidão, uma capacidade que a disciplina procura aumentar. Com relação ao horário, Foucault mostra como é garantida a qualidade do tempo: controle contínuo, pressão dos fiscais, afastamento do que possa distrair para que o tempo seja útil. Esses conceitos são identificados em “A confissão de Leontina”, pois a personagem é o tempo todo controlada e vigiada por dona Gestrudes. Ancorada na perspectiva de gênero, Xavier classifica o corpo disciplinado como sendo aquele que repete e respeita os mecanismos de opressão. O resultado visado é um só: “a submissão às regras em todos os níveis”. (XAVIER, 2007, p. 59). Nesse sentido, aplicam-se esses dois conceitos de corpos para melhor interpretar a crítica social que o conto traz no desenrolar de sua narrativa.

RESULTADOS:
De modo geral, observa-se que a personagem do conto em questão traz inscrita em seu corpo a repressão imposta pela sociedade. O corpo de Leontina é mal tratado na família, no trabalho, na prisão. Do início até o fim do conto ela faz súplicas, por isso que esse corpo se enquadra no conceito de Foucault de “corpo supliciado” (ARAÚJO, 1991). Leontina pedia insistentemente que alguém a ouvisse, implorava inocência. Leontina é punida por um crime que cometeu por autodefesa e até nisso a protagonista é castigada, violentada e humilhada. Daí a idéia da crítica social que essa ficção constrói. O depoimento de Leontina funciona como o grito do subalterno e em todos os espaços vividos pela narradora nota-se um corpo violentado pela fome, pela miséria, pela degradação do espaço, pela reificação. Tal disciplina do corpo deixa clara a condição de subalterna dessa personagem. Com isso, podemos enquadrar o corpo da protagonista como um “corpo subalterno” (XAVIER, 2007). Ela está sujeita à opressão e à submissão, resultado de sua situação de classe. Assim, a ficção não só questiona o lugar de opressão da mulher como ressalta sua falta de vez na sociedade. Esses resultados destacam o quanto o estudo de gênero pode ser fundamental para interpretarmos textos literários e culturais.

CONCLUSÕES:
Pelo exposto, evidencia-se a condição de subalternidade do corpo de Leontina. Essa personagem sofre uma dupla opressão, tanto por ser mulher quanto por ser pobre. Engajada politicamente, Lygia Fagundes Telles sempre deixou clara a sua preocupação com as questões políticas e sociais de seu país. O conto relata a história de vida de uma mulher interiorana, analfabeta, sem assistência alguma, obrigada a se prostituir, a dois passos da criminalidade. O preconceito explorado nessa narrativa é o mais opressor possível. Seja na família, seja como dançarina, Leontina sempre está encarcerada pelo poder. Assim como Macabéia de A hora da estrela, de Clarice Lispector, Leontina é o retrato do abandono, da subalternidade. O corpo encarcerado da protagonista é um dos recursos de denúncia tratada em Telles. A condição exagerada de subalterna é retomada em cada imagem de aprisionamento da personagem, construída pela escritora com o propósito de criticar a forma como a sociedade trata os fracos, os oprimidos e excluídos. Leontina traz em seu corpo as marcas não só da dominação da cultura masculina, mas, sobretudo, a da dominação do capital. Enfim, a estética de Fagundes Telles é pedagógica, visto que não dá margem à ambigüidade, quando se constrói contra a opressão social sofrida pelos fracos.

Instituição de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  gênero, corpo, Lygia Fagundes Telles

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