60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 5. História - 2. História do Brasil

DE ARCO, FRECHA E SURRÃO: O ÍNDIO DO CEARÁ NA REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

João Paulo Peixoto Costa1

1. Departamento de História / UFC


INTRODUÇÃO:
O estudo de história indígena no Brasil ainda é muito reduzido, especialmente tratando-se do século XIX, justamente a época na qual a legislação indigenista intensifica o processo de construção do “desaparecimento” do índio. Estudando a participação dos indígenas do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817, procuro fazer o caminho inverso do trilhado pelas autoridades cearenses, mostrando que os índios tiveram participação intensa e significativa na nossa história, e observando que, na verdade, declarar ou não a existência de povos indígenas depende do que é mais conveniente para as classes dominantes. Com o fim do Diretório Pombalino, e a instituição da Carta Régia de 1798, a legislação igualava judicialmente os índios aos brancos – ou seja, perdiam o direito natural à terra, e continuavam sendo tratados como verdadeiros “escravos”. Mas a documentação mostra uma interessante contradição: durante a guerra, diversas vezes as autoridades se referem aos índios como “honrados” e “nobres” – mesmo sendo obrigados a lutarem numa guerra não era a deles, mas justamente entre aqueles que os submetiam. Todas essas honrarias se perdem em meio a uma legislação que visava justamente à negação étnica do índio, e a conseqüente apropriação de suas terras.

METODOLOGIA:
Meus primeiros contatos com essa temática se deram de certa forma por acaso. Folheando o guia de fontes para história indígena no Nordeste, organizado por Maria Silva Porto Alegre, deparei-me com alguns ofícios do governador da capitania do Ceará, datados de 1817, ordenando que se juntassem alguns índios de vilas próximas a Fortaleza, para marcharem em direção às fronteiras, com o objetivo de enfrentarem os rebeldes. A partir daí, fui de encontro com a documentação que se encontra no Arquivo Público do Ceará (APEC), onde encontrei os primeiros documentos no Livro L97, de “Registro de Ofício aos Capitães Mores, Comandantes de Distrito e Diretores de Índios, 1816 – 1817”. Em seguida, me servi do Livro 103, “Governo da Capitania do Ceará à diversas autoridades por ocasião da Revolução de Pernambuco. 1817”, e do jornal Correio Brasiliense, onde pude entrar em contato com o “Decreto, premiando os Indios das aldeas do Ceará Grande, Pernambuco e Paraiba, por seu comportamento no attendado de Pernambuco”, de D. João VI. Juntamente com os artigos da Revista do Instituto do Ceará, e baseando-me principalmente nas idéias de Michel Foucault sobre poder e verdade, tentei analisar a construção (e as contradições) do discurso das elites e do Estado em relação aos povos indígenas.

RESULTADOS:
Estudar tal documentação, em que fica clara a participação obrigatória de índios numa luta que não era a deles, e sim entre aqueles que os submetiam, nos leva a levantar diversas questões. Nesse início do século XIX, os índios estão inseridos num processo em que, de forma gradual, adquirem uma pretensa civilidade, onde eles desaparecem como etnia separada, para se diluírem na massa da população, com os mesmo direitos e deveres de todos. Tal desaparecimento é extremamente importante para elite latifundiária cearense, já que quando o índio se torna um cidadão comum, automaticamente perde seu direito nativo a terra. E podemos ver esse alistamento dos índios como mais uma das estratégias de desarticulação cultural sobre esses povos, tanto pelo fato da perda do sentimento de grupo, pois seriam misturados membros de diversas etnias em nome das causas do rei, como pela própria obrigatoriedade em obedecer às ordens das autoridades. Mas como vemos nos documentos analisados, tal “desaparecimento” não é sempre declarado. Muito pelo contrário, os “honrados” e “nobres” índios são até merecedores de agradecimento do próprio D. João VI.

CONCLUSÕES:
Os agrados do rei citados acima, que se encontram no Decreto de novembro de 1819, parecem se perder em meio a um sistema político-legislativo que, por completo, visava à negação étnica dos índios, a apropriação de suas terras e os seus serviços como mão-de-obra. O contraste é visível quando observamos que todos esses adjetivos de nobreza e honra só existem no momento em que a sua utilização é necessária – antes e depois do conflito, tais honrarias desaparecem dos documentos. Até a própria idéia de humanidade nos indígenas somente era utilizada pela elite de acordo com seus interesses. Mas quando se tratava de problemas internos, relacionados às reivindicações dos índios, defendia-se as idéias que os caracterizavam como seres incapacitados e inferiores. Quando os conflitos de 1817 acabam, e a sua utilização não é mais necessária, aquelas palavras de exaltação desaparecem, juntamente com o “honrado e nobre sangue” indígena. Alguns anos mais tarde, em 1850, a província do Ceará declara a inexistência de índios identificáveis nas aldeias. São através destes discursos e suas contradições que vemos que a declaração da existência ou não dos índios depende das conveniências da elite dominante.

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  índio, etnia, verdade

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