60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada

AS RELAÇÕES DE PODER NO “DESABAFO SEM FIM”

Marli Rosa1

1. Universidade Estadual de Campinas (Doutoranda)


INTRODUÇÃO:
O objetivo central desse trabalho é investigar movimentos de identificação de professores em formação continuada, face ao seu relacionamento com o professor capacitador e com colegas em capacitação, em cursos de capacitação docente de curta duração. O interesse por essa pesquisa surgiu a partir das dificuldades constatadas sobre a existência de disputas discursivas pela “posição de poder” nesses cursos. Assim, o interesse dessa pesquisa, de cunho qualitativo, é analisar, especificamente, lapsos de linguagem e deslizes presentes em colocações feitas, em questionários de avaliação de cursos, por professores em capacitação. Essa pesquisa se justifica pela necessidade de reflexão e compreensão das relações de poder existentes nos cursos de capacitação de professores em exercício, a partir de uma perspectiva que considera a disputa pelo poder como constitutiva e inerente às relações humanas. Desta forma, este trabalho visa especialmente dar voz aos conflitos vivenciados pelos sujeitos - conflitos esses que, infelizmente, quase sempre são silenciados e apagados em sua heterogeneidade e multiplicidade, muitas vezes, por esses mesmos sujeitos, sejam eles professores em capacitação ou professores capacitadores.

METODOLOGIA:
O corpus de análise dessa pesquisa é constituído por questionários de avaliação de cursos de formação continuada, com perguntas abertas, respondidos por professores de Português de Ensino Fundamental e Médio, coletados em duas oficinas de produção textual em Língua Portuguesa, ministradas em 2004 e 2005 na Rede Municipal de Ensino de um município de médio porte, da Região Metropolitana de São Paulo. Selecionamos, desse corpus, alguns trechos com lapsos de linguagem e deslizes, por meio dos quais podemos estudar o funcionamento discursivo dessas relações de poder entre os sujeitos envolvidos. A análise realizada deu-se a partir de contribuições de trabalhos de dois campos epistemológicos, a saber: Análise de Discurso Francesa (AD) e Psicanálise. A primeira contribuiu para com a compreensão da natureza das disputas pelo poder, da maneira como elas ocorrem discursivamente, e como moldam e afetam as relações de contato entre sujeitos. A Psicanálise, por sua vez, possibilitou especialmente a análise dos lapsos constatados no corpus envolvendo disputa de poder entre professores em capacitação e capacitador, especificamente a partir do trabalho de Freud sobre lapsos de linguagem e o funcionamento do inconsciente.

RESULTADOS:
Considerando que os posicionamentos discursivos não nascem nos sujeitos, não têm origem neles - uma vez que estes são constituídos pela alteridade -, foi constatado no corpus que é freqüente a disputa discursiva pela posição de poder em sala de aula. Nessa disputa está envolvida uma multiplicidade de vozes, o que acarreta diferentes posicionamentos e atitudes entre os participantes, com desdobramentos inclusive no andamento das atividades dos cursos que, não raro, são modificadas de última hora. Essa multiplicidade (que vem à tona por meio de lapsos e deslizes) tende a ser fortemente silenciada pelo professor em capacitação, que, não raro, tenta colocar sua opinião como a mais válida e “verdadeira” a partir de mecanismos que a apresentam com uma aparente imparcialidade e “objetividade técnica”. Foi possível constatar que esses diferentes movimentos de identificação dizem respeito não apenas ao professor capacitador em si, mas principalmente com o que o Outro - enquanto alteridade que constitui o sujeito - espera do próprio professor em capacitação, numa cena discursiva de espelhamento: o que a sociedade em geral deseja e exige dos professores da Rede, estes, nos cursos de capacitação, projetam nos professores capacitadores.

CONCLUSÕES:
Face aos resultados aqui apresentados, é preciso destacar que os posicionamentos discursivos não nascem nos sujeitos, não têm origem neles: são anteriores e constituídos pelos discursos (de instituições e instâncias como governo, escola, mídia, sociedade, livro didático, etc.) que constituíram e (re)constituem continuamente os processos identitários ou movimentos de identificação desses sujeitos. Duas posturas imbricadas estão fortemente presentes nos cursos de capacitação: o primeiro seria uma postura de disputa pelo poder, que envolve o silenciamento de questões de natureza emocional dos professores (questões essas caracterizadas como “desabafo sem fim”), e a segunda, uma postura crítica, no sentido de cobrança por soluções práticas e eficazes para os problemas mais diversos do ensino – soluções estas que estão longe de serem dadas pelos capacitadores, por estarem fora do seu alcance como profissionais.



Palavras-chave:  Capacitação Docente, Formação Continuada, Relações de Poder

E-mail para contato: marlirosa_unicamp@yahoo.com.br