60ª Reunião Anual da SBPC




F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 38. Direito do Trabalho

A PRÁTICA DE ASSÉDIO MORAL COLETIVO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: À GUISA DA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO CONCEITO

Renato de Almeida Oliveira Muçouçah1
Enoque Ribeiro dos Santos1, 2

1. Universidade de São Paulo (USP)
2. Orientador


INTRODUÇÃO:
No curso de existência do modo de produção capitalista os trabalhadores vivenciaram três formas de integração: a condição proletária, a condição operária e a condição salarial. Na primeira fase, as relações de trabalho e as controvérsias delas resultantes encontravam pacificação apenas no contrato; ato seguinte, a passagem à condição operária traduziu-se na integração por outra maneira: a percepção da lógica subordinante demonstrou-se a alavanca do mundo do trabalho no fito de constituir uma espécie de coesão social. A relação de emprego propiciou ao trabalhador o acesso a bens outros que não apenas a remuneração contratualmente prevista. Em tempos hodiernos, a integração dá-se mediante o salário. A maioria absoluta dos trabalhadores, até mesmo profissionais tradicionalmente classificados como liberais, são assalariados. E, no momento em que a classe trabalhadora conquista um status que remete à possibilidade de construção de uma identidade coletiva, é que as novas políticas de integração vivenciadas nas empresas objetivam remeter os trabalhadores ao individualismo, pelos novos modelos de sociabilidade privada implementados.

METODOLOGIA:
A pesquisa encontrou fundamentação teórica em material bibliográfico multidisciplinar disponível sobre o assunto, principalmente livros específicos e artigos científicos publicados em periódicos sobre o tema e a área de concentração escolhida. Também o método da história oral foi utilizado; embora a forma como as manifestações do poder diretivo do empregador são sentidas pelos empregados, dentro do ambiente de trabalho, possam ser observadas sob diferentes perspectivas, optamos por apreendê-las a partir da teoria das representações sociais, de Henri Lefebvre que, por sua perspectiva lógico-dialética, pode contribuir para estudos em qualquer área. Só o cotidiano pode livrar as representações de se tornarem uma idealização desmedida; no intervalo entre a vida cotidiana presente (o hoje corriqueiro) e a coisa ausente, oscilam as representações, e o ausente se presentifica pela materialidade do cotidiano. Assim, o conceito de ausência de dignidade dentro do ambiente de trabalho foi trabalhado como aqueles promovidos pela manifestação do poder diretivo do empregador de forma inequívoca, como um dano sistemático e repetido a valores tidos como fundamentais para o trabalhador individualmente considerado, a coletividade dos trabalhadores e até mesmo da sociedade como um todo.

RESULTADOS:
O poder já aludido, e inúmeros outros mecanismos existentes em cadeia no corpo social, constituem toda a micro-mecânica do poder que representou um interesse para a burguesia a partir de determinado momento. E este poder panóptico, que tudo vê e conhece sem ser visto e conhecido é, em grande parte, assim propiciado em razão das novas tecnologias implantadas nos locais de trabalho, que permitem com exatidão o controle de quanto o empregado individualmente produz – quanto, como, e sobretudo o que produz. Em organizações muito grandes e hierarquizadas tal controle pode não levar em conta, por simples desconhecimento da realidade local, a divisão parcelar do trabalho, que pressupõe, por sua vez, um meio ambiente de trabalho harmônico. Nesse diapasão, o medo de perder o emprego facilita o aparecimento da submissão e o desenvolvimento contínuo da humilhação promovida pelo empregador no afã de lograr, quantitativamente, uma maior produtividade. A conseqüência é a gênese de um processo de individualização radical dos trabalhadores, em que estes competem entre si com vistas à auto-exploração de suas próprias forças de trabalho, facultando ao empregador, até mesmo, a diminuição de seu poder punitivo trabalhista. Fragmentam-se, assim, os interesses coletivos dos empregados, o que dificulta a união de classe em defesa de objetivos comuns, diminuindo, entre eles, a coesão e a solidariedade.

CONCLUSÕES:
A transferência dos maus ou bons resultados empresariais, obtidos na concorrência entre capitais, à esfera da responsabilidade individual de cada empregado, constitui prática atentatória a direitos fundamentais dos trabalhadores. Os trabalhadores encontram-se freqüentemente assediados, a fim de que cada um deles demonstre melhor resultado ao empregador se comparado aos colegas de emprego. Instaurado o clima acirrado de competição, violam-se os direitos à integridade psíquica e mesmo física dos empregados que, do início ao fim da relação contratual, submetem-se a inúmeras pressões para poderem produzir ao máximo possível, pressões estas que traduzem-se em danos à integridade somática. E, em relações de emprego, cujo desenvolvimento é cotidiano, a necessidade de proteção torna-se de importância cimeira. A prática descrita, por ser reiterada e sistemática, atentando contra direitos de personalidade do conjunto dos empregados, molde a minar formas alternativas de atuação coletiva e solidária, pode ser classificada como assédio moral coletivo, que é conceito ainda inédito na doutrina e jurisprudência nacionais.

Instituição de fomento: FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)



Palavras-chave:  Assédio moral coletivo, Direitos de personalidade do trabalhador, Poder diretivo do empregador

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