60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada

A LÍNGUA MATERNA DAS CRIANÇAS SURDAS E SUA INTERFERÊNCIA NA APRENDIZAGEM

Julia Maria Vieira Nader2
Ivani Rodrigues Silva1

1. Profª. Drª. - Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação CEPRE / FCM/ UNICAMP
2. Departamento de Linguística / IEL / UNICAMP


INTRODUÇÃO:
Como os surdos utilizam sua língua, como suas famílias as vêem, e qual a relação disto com a aprendizagem são questões importantes a serem respondidas considerando que grande parte dos sujeitos surdos do Brasil apresenta dificuldades no processo escolar e muitas destas estão relacionadas ao fato de demorarem a adquirir uma língua. Buscamos compreender nesta pesquisa em que medida há ensino/aprendizagem por parte de alunos cuja LM não coincide com a língua de instrução da escola e com a língua da família, e de que forma há o desenvolvimento cognitivo naqueles que adquirem uma língua tardiamente. Considerando-se a necessidade de uma língua para que ocorra o desenvolvimento de qualquer ser humano (Vigotsky, 1984), como podemos explicar em que medida os gestos caseiros e as estratégias de comunicação que as crianças surdas, não oralizadas, que demoram a adquirir a língua de sinais, desenvolvem se constitui e ocupa o lugar de uma língua a ponto de proporcionar a elas a inserção no mundo, sua constituição como sujeitos e sua aprendizagem?

METODOLOGIA:
A presente pesquisa tem caráter qualitativo. Os dados foram colhidos a partir do estudo de três casos de sujeitos surdos, filhos de ouvintes, que não utilizam a língua de sinais (LS) para interagir com a família e, ao mesmo tempo, não oralizam o Português. Para tanto, foram feitas observações e filmagens das atividades realizadas no grupo de atendimento do qual os sujeitos fazem parte no CEPRE (Centro de Estudos e Pesquisa em Reabilitação Dr. Gabriel O. Porto - FCM/Unicamp), uso de diário de campo e entrevistas com familiares dos sujeitos a respeito da comunicação e de que estratégias de ensino mantêm com os mesmos. A partir disto, procurou-se o entendimento da língua ou formas de linguagens usadas pelos sujeitos e de que forma estas podem ou não se constituir como a língua materna (LM) ou L1 dos mesmos de acordo com teorias vigentes sobre Surdez, Aquisição de Linguagem, Aquisição da Escrita, Desenvolvimento Humano, Ensino e Aprendizagem, sob o enfoque da Lingüística e da Lingüística Aplicada.

RESULTADOS:
Os dados demonstram que os sujeitos observados, mesmo não tendo o domínio de nenhuma língua natural, são capazes de compreender as atividades propostas pela professora e até de cumpri-las, superando a expectativa da mesma uma vez que, inclusive, apresentam melhor desempenho e compreensão do que os sujeitos que dominam LIBRAS ou o Português. Podemos perceber que estes sujeitos têm bom desenvolvimento cognitivo apesar de não terem adquirido ainda uma língua de forma efetiva, estão imersos em algum tipo de linguagem. São sujeitos. Porém, tal linguagem é restrita e os restringe no momento da aprendizagem dos conteúdos escolares que lhes são apresentados somente por meio da língua portuguesa (oral e escrita). É aí que percebemos a importância que a LS assume em relação ao processo de ensino/aprendizagem da criança surda, já que é a língua mais acessível a ela, capaz de lhe oferecer todos os recursos de que necessita para seu desenvolvimento cognitivo pleno uma vez que é uma língua completa e com características ideais para as necessidades dos surdos que não tem acesso ao oral. Segundo Quadros (2005), mesmo que adquirida tardiamente pelo surdo, a língua de sinais assume o status de língua materna.

CONCLUSÕES:
Os dados têm nos levado à reflexão de que, embora ainda não tenham adquirido uma língua, os surdos se inserem desde a primeira infância no mundo da linguagem que é constituída pela mistura da língua oral falada pela mãe, dos gestos e primeiros sinais usados pela criança, e esta imersão possibilita seu desenvolvimento cognitivo. Para a criança construir o sentido da linguagem oral ou de sinais é preciso que ela tenha acesso a essas línguas desde a mais tenra idade, na família e na escola. Mesmo que a LS tenha papel preponderante, é importante observar que as crianças surdas também se apropriam de outras formas de língua(gens). Todos os elementos de estruturação simbólica proporcionados pela mãe em contato com filho, sejam eles provindos da língua falada ou de gestos, expressões faciais e movimentos corporais que possibilitam a comunicação na ausência de uma língua comum entre mães ouvintes e filhos surdos assumem papel de LM para estes e possibilitam seu desenvolvimento cognitivo.

Instituição de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa - FUNDAP



Palavras-chave:  Surdez, Língua Materna, Aprendizagem

E-mail para contato: juliamvn@gmail.com