60ª Reunião Anual da SBPC




C. Ciências Biológicas - 14. Zoologia - 6. Zoologia

ETNOZOOLOGIA DE MAMÍFEROS AQUÁTICOS E SEMI-AQUÁTICOS NA ÁREA DE AÇÃO DO PROJETO PIATAM (AMAZÔNIA CENTRAL).

Luciana Raffi Menagaldo2
Sandra Beltran-Pedreros1
Karen Souza Diniz4
Diego Perez Moreira3

1. MSc Coordenadora Área de Mamíferos Aquáticos Projeto PIATAM
2. Med. Vet. Esp. Bolsista Área de Mamíferos Aquáticos Projeto PIATAM
3. Esp. Área de Mamíferos Aquáticos Projeto PIATAM
4. Biol. Área de Mamíferos Aquáticos Projeto PIATAM


INTRODUÇÃO:
A etnociência ganhou força na década de 1950 com alguns pesquisadores norte-americanos que começaram a desenvolver no âmbito da etnobiologia; considerando esta área como o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da Biologia. Assim, a etnobiologia se relaciona com a ecologia humana, mas enfatiza as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos estudados. Entre os campos da etnobiologia está a etnozoologia: ferramenta interpretativa do histórico compartilhado entre homens a animais em uma região, incluindo as diferentes manifestações humanas frente a fauna, sejam estas inspiradas pela afeição, repúdio, reverência ou desprezo, indicando por vezes crendices e aspectos cinegéticos locais. O etnoconhecimento é um subsídio na demarcação de rupturas e reestruturação de processos de conservação e manejo de fauna, já que cada cultura encara os animais de maneira diferente, fundamentando-se em costumes e percepções de cada grupo. O Projeto PIATAM desenvolve desde 2002 pesquisas multi e interdisciplinares na área de influência do gasoduto Coari-Manaus, onde são monitoradas nove comunidades. Os conhecimentos produzidos e acumulados pelo projeto garantem à Petrobras a capacidade e a agilidade para prevenir danos e, condições de desenvolver estratégias de atuação em longo prazo. Sob esses princípios, a Área de Mamíferos Aquáticos, busca gerar subsídios sobre a fauna para ser incorporada ao bojo do projeto.

METODOLOGIA:
As espécies trabalhadas na área de mamíferos aquáticos e semi-aquáticos são: Trichechus inunguis (peixe-boi), Inia geoffrensis (boto), Sotalia fluviatilis (tucuxi), Pteronura brasiliensis (ariranha), Lutra longicaudis (lontra), Hydrochaeris hydrochaeris (capivara), Tapirus terrestris (anta), Agouti paca (paca), Panthera onca (onça-pintada) e Noctilio leporinus (morcego pescador). Para a coleta de dados foram entrevistados moradores das comunidades, caracterizados pelo seu tempo de residência na comunidade e ocupação, com preferência por comunitários antigos que vivem de atividades extrativistas, estando em contato direto com a floresta e corpos de água. As entrevistas foram abertas, sem limites de tempo, mas com base em uma entrevista semi-estruturada e na apresentação de fotografias das espécies de estudo e de provável ocorrência na região. As informações indagadas foram: espécies conhecidas e observadas na área, quantidade de indivíduos, local e horário de ocorrência, sexo do animal (quando possível), época e local de procriação e número de filhotes, alimentação e área de forrageio do animal; uso e tipos de interação animal-comunidade. Os dados foram tabulados, calculadas as freqüências de todas as variáveis e as espécies foram classificadas segundo a percepção da ocorrência pelo Índice de constância, onde as espécies citadas em mais de 50% das entrevistas foram tidas como constantes, de 25 a 50% como acessórias e em menos de 25% como ocasionais.

RESULTADOS:
Foram entrevistados 15 comunitários. Todas as espécies foram reconhecidas, algumas pela observação direta dos animais e outras pelo conhecimento popular vindo da narrativa de outras pessoas. O índice de ocorrência das espécies foi calculado com base nas informações de verdadeira ocorrência. Espécies constantes foram boto, peixe-boi, onça-pintada e capivara; como acessórias tucuxi, ariranha e lontra e, como ocasionais paca, morcego pescador e anta. Espécies observadas em solitário foi lontra, anta, paca e peixe-boi. Lontra, capivara, morcego pescador e paca não foram observados em pares, as outras espécies sim, porém com percentagem entre 14,29 e 26,9%. A única espécie observada em casal foi ariranha. Grupos familiares foram identificados em boto, tucuxi, peixe-boi, capivara e ariranha (média =18,85%). Como espécies gregárias o morcego pescador, a capivara e a paca. Em relação ao habito alimentar, todos os entrevistados reconhecem o tipo de alimentação, o tipo de ambiente e período do dia do forrageio. A percepção dos comunitários quanto à quantidade de indivíduos, hoje em relação ao passado, permitiu identificar que: a abundância de tucuxi, boto, morcego pescador e paca não mudou; de capivara, lontra, ariranha e anta é constante ou diminuiu um pouco e; para peixe-boi e onça pintada diminuiu. A relação de uso entre os comunitários e as espécies identifica à onça pintada como de periculosidade pelo ataque a rebanhos de gado e ao homem, chegando a caçar o animal. Espécies como peixe-boi, capivara, anta e paca são utilizados para alimentação, porém não é uma atividade de rotina a caça desses animais. Os golfinhos apresentam interações com aparelhos de pesca onde podem ficar presos e morrer, mas o boto é identificado como um animal competidor do pescador, além da mistificação inserida na espécie. Finalmente, boto também é raramente usado como isca para a captura de piracatinga (Pimelodidae) e, o morcego pescador, por não ser facilmente identificado durante o dia é considerado, como todos os morcegos, perigoso.

CONCLUSÕES:
As comunidades tradicionais trabalhadas classificam os animais com base em seu conhecimento sobre as espécies (dimensão cognitiva), a sua relação subjetiva, dada pelos sentimentos (dimensão afetiva), suas crenças (dimensão ideológicas) e seus próprios comportamentos (dimensão etológica) que definem as interações dos seres humanos com a fauna de seu ambiente (Marques, 1995). Na classificação zoológica popular, os seres humanos percebem, identificam, categorizam, classificam e utilizam os animais de acordo com os costumes e percepções próprios de cada cultura, estabelecendo uma diversidade de interações com as espécies animais nas localidades onde residem (Posey, 1986). Cada indivíduo a sua maneira percebe, vivencia e interpreta o mundo que conhece. A percepção é, pois, uma conseqüência direta das propriedades do meio (Gibson, 2005). As causas e origens das concepções são influenciadas por aspectos culturais, históricos, sociológicos (Oliveira, 1997). Em virtude dos resultados, espécies que podem ser consideradas como vulneráveis, por suas interações com a comunidade são: boto, onça-pintada e peixe-boi. Situação que fica mais grave quando considerada a abundância, taxa de reprodução e capturabilidade da espécie.

Instituição de fomento: FINEP, PETROBRAS, CNPq, INPA, UFAM



Palavras-chave:  Etnozoologia, Mamíferos Aquáticos e semi-aquáticos, Amazônia Central

E-mail para contato: luzoo@hotmail.com