60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística

A RELAÇÃO FALA/ESCRITA EM ABREVIATURAS NA INTERNET

Carla Jeanny Fusca1
Fabiana Komesu2

1. Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários/UNESP-IBILCE
2. Prof. Dra. - UNESP/IBILCE - Orientador


INTRODUÇÃO:
A linguagem na internet, popularmente conhecida como “internetês”, tem sido alvo de críticas por parte não apenas de professores de português, mas também de pais de jovens que se “aventuram” a produzir textos em ambiente digital. Há, inclusive, adolescentes que, apesar de freqüentar bate-papos na internet, abominam a escrita digital e se dizem orgulhosos por não fazer parte do abrangente grupo que “assassina” a língua portuguesa. O fato é que, na internet, existe algo semelhante a um pacto entre os usuários, ao qual aquele que não aderir correrá o risco de ser rotulado como “certinho”, “careta”, “nerd”, ou, ainda, professor de português. Identificado por formas abreviadas e escassez, ausência ou, ainda, exagero no uso de sinais gráficos, como acentos e pontuações, o “internetês” invadiu as salas de bate-papo, conquistando, rapidamente, inúmeros adeptos. Com a rápida adesão, surgiram também as críticas. A linguagem utilizada na internet é repudiada pelos defensores de um conceito de língua pura, a qual seria isenta da suposta interferência do registro oral e de quaisquer outras formas que não se enquadrem no modelo de escrita culta padrão, preconizado, principalmente, pela escola tradicional. As afirmações utilizadas para defender a erradicação dessa prática de escrita digital são várias, dentre elas, “internetês é uma fala escrita”, “internetês é um código caótico que os adolescentes inventaram” e, conseqüentemente, “internetês não é língua portuguesa”. Percebemos, por meio da observação de opiniões como as que foram citadas, que a força de dizeres (re)produz como efeito inúmeros preconceitos mais ou menos estabilizados nas relações sociais. No âmbito dos estudos sobre escrita na internet, pesquisadores como Crystal (2005), Marcuschi (2004) e Araújo (2004) têm afirmado que os escreventes de bate-papo lançam mão do processo de abreviação devido à velocidade exigida por esse meio de comunicação que, cada vez mais, busca aproximar-se da interação face a face. Para Crystal (2005), por exemplo, das interações de grupos de bate-papo, nas quais a pressão é forte para que a comunicação seja rápida, emerge uma escrita “descuidada”, resultado também do desejo, por parte de usuários de bate-papo, de ser idiossincrático e ousado. De fato, a necessidade de ser veloz durante um bate-papo na internet é praticamente indiscutível. A quantidade de pessoas que entram e saem das salas de bate-papo virtual é significativa. É por isso que, a fim de estabelecer relações com diversos indivíduos, são necessárias rapidez e objetividade, ao mesmo tempo em que se exige do outro ao menos a sensação de intimidade, proximidade – daí o tom altamente informal das interações. A agilidade exigida por esse meio é semelhante àquela característica do modo de enunciação oral. Esse é um dos motivos pelo qual a escrita na internet é freqüentemente relacionada a práticas orais. Há que se ressalvar, no entanto, que a escrita (seja ela digital ou não) não pode ser considerada como mera transposição de enunciados orais: os sinais gráficos são apenas representação dos sons e não reprodução fiel deles. O fato de que na internet observa-se a co-ocorrência da forma gráfica, característica da escrita, com a agilidade da interação, característica da fala, é indício não da interferência do oral no escrito, mas da heterogeneidade da escrita. Admitimos, portanto, que a agilidade exigida nesse ambiente virtual tem influência na escrita dos usuários, o que engendra economia de caracteres e turnos relativamente curtos. No entanto, mais que o simples desejo de ser idiossincrático e ousado, o escrevente na internet busca a abreviação não apenas de palavras, mas também de distâncias. Como os parceiros da comunicação dividem o mesmo tempo de enunciação, mas não o mesmo espaço, existe a necessidade de encurtar distâncias, estabelecer vínculos – mesmo que frouxos –, criar uma atmosfera de sociabilidade, de comunhão. E essa necessidade, a nosso ver, é expressa na/pelas abreviaturas utilizadas em ambiente digital. Nosso objetivo consiste, portanto, em investigar o processo de abreviação em salas de bate-papo abertas, isto é, páginas World Wide Web (WWW) que podem ser acessadas por quaisquer pessoas que estejam conectadas à internet. Nas abreviaturas encontradas, buscaremos observar como se dá a relação fala/escrita, com a finalidade de discutir, principalmente, a respeito de uma das críticas supracitadas para o chamado “internetês”, a saber, “internetês é uma fala escrita”.

METODOLOGIA:
Apoiamo-nos em Mattoso Câmara (1977) para avaliar a abreviatura como “recurso convencional da língua escrita, que consiste em reduzir, na grafia do vocábulo, o número de letras que o compõem (...)” (CAMARA JR., 1977, p.37). Levaremos em consideração, ainda, a distinção feita por Dubois et alii (1978). Os autores defendem que, em português, distingue-se abreviação de abreviatura, uma vez que aquela consiste no processo, e esta, no produto ou resultado. Dessa perspectiva, não se pode dizer que p. é abreviação, mas abreviatura de página (DUBOIS, J. et alii, 1978, p.13). Em nosso trabalho, distinguiremos, pois, abreviação e abreviatura conforme a proposta de Dubois et alii (1978). O que nos interessa destacar é que o processo de abreviação que ocorre na internet pode ser tomado como aquele descrito em gramáticas e em dicionários de lingüística: omite-se uma ou mais letras de vocábulos, porque o escrevente considera que a repetição dessas é forçosa, desnecessária para a compreensão do enunciado na relação com o parceiro da comunicação. Essas omissões, no entanto, não são aleatórias, ao contrário do que se diz a respeito das práticas de escrita na internet; elas apresentam regularidades, o que permite a emergência do evento da comunicação na linguagem. Seguindo esse raciocínio, é incoerente atribuir adjetivos preconceituosos à escrita digital com a justificativa de que essa é abreviada. A abreviação é um recurso lingüístico admitido em diferentes tipos de textos. O diferencial reside na quantidade de abreviaturas contidas em meio eletrônico, mais especificamente, em nosso caso, nos bate-papos digitais. Mas esse aparecimento significativo de abreviaturas na internet não é mero acaso: é preciso levar em consideração não apenas o suporte, mas o tipo de relação – radicalmente dialógica – que é estabelecida entre os interlocutores em função (e por meio) desse suporte. Levando-se em consideração, portanto, as interações estabelecidas em salas de bate-papo, observa-se que escrevente e leitor mantêm constante diálogo com enunciados já ditos. Devido a essa constante repetição do conteúdo temático dos enunciados, o escrevente lança mão do processo de abreviação. Ora, se a cada nova interação repetem-se os mesmo enunciados, não é necessário “dizer” tudo. O (re)conhecimento do diálogo com dizeres já ditos torna-se primordial, nesse sentido, para a compreensão dos enunciados que nessa prática irão (voltar a) emergir. De uma perspectiva dicotômica de fala e escrita, Chafe (1985), na tentativa de depreender as características da linguagem falada e da linguagem escrita, parte de duas distinções gerais, a saber: (i) a fala é mais rápida que a escrita e (ii) falantes interagem com um “auditório”, enquanto escreventes não. Essas duas distinções genéricas nortearão a reflexão do autor no momento relacionar os dispositivos por meio dos quais, segundo ele, fala e escrita se opõem. Logo de início é possível contestar a distinção feita por Chafe (1985), especialmente se levarmos em consideração a linguagem utilizada na internet. Em primeiro lugar, a escrita digital desenvolve-se de maneira mais rápida se comparada com a escrita produzida com finalidades outras, por exemplo, a manuscrita, em contexto escolar. Aliada à facilidade proporcionada pelo teclado do computador encontra-se a linguagem abreviada, que reduz o número de grafemas a ser (re)produzido, acelerando o processo de escritura. Em segundo lugar, a distinção entre fala e escrita feita por Chafe (1985) torna-se mais imprecisa quando observamos que, em salas de bate-papo, a relação com o “auditório”, ou seja, com o outro, dá-se, necessariamente, pela escrita. Para o autor, no entanto, a escrita caracteriza-se pelo distanciamento do escrevente, que não mantém contato com seu “auditório”. Seguindo esse raciocínio, a escrita seria uma atividade solitária, tanto espacialmente quanto temporalmente. É possível observar, porém, que a escrita em salas de bate-papo baseia-se na interação e, portanto, na participação do que Chafe chamou de “auditório”. O escrevente de bate-papos não se encontra isolado nem temporalmente – uma vez que compartilha com o outro o mesmo tempo de comunicação – nem espacialmente, se considerarmos que ambos dividem, não o mesmo espaço físico, mas o mesmo espaço (sala) digital. Crystal (2005) chama a atenção para o esforço que os estudiosos da escrita na internet vêm fazendo, com a finalidade de descrever exatamente o que ocorre quando as pessoas se comunicam no contexto da tecnologia digital. O autor afirma que os e-mails, por exemplo, “têm sido chamados de ‘fala escrita’, ‘um cruzamento entre conversa e carta’ e ‘uma estranha mistura de escrita com conversa’” (CRYSTAL, 2005, p.76-77). Com base nas afirmações de Chafe – embora ele não se preocupe especificamente com a escrita digital – e de Crystal, é possível concluir que a dificuldade encontrada pelos pesquisadores que se propõem a entender a escrita na internet decorre, principalmente, da concepção de língua adotada, a qual considera fala e escrita modalidades completamente distintas, sendo a fala o lugar do erro e do caos gramatical, enquanto a escrita seria o lugar da norma e do bom uso da língua. Examina-se a vinculação de uma noção de língua com a escrita e desta, principalmente, com a prática escolar tradicional, a qual impõe a idéia de que devem ser abolidos os desvios de normas (ortográficas e gramaticais), bem como as “marcas da oralidade” – recomendação que revela a atenção ao produto escrito, mas não ao processo de produção da escrita (CORRÊA, 2001). É, pois, a freqüente constatação da presença do oral no produto escrito que leva à sua negação (CORRÊA, 2001). E essa concepção dicotômica acerca de língua é responsável pela impossibilidade de observar as relações entre fatos lingüísticos (da fala e da escrita) e práticas sociais (do oral e do letrado). Para o que nos interessa, levamos em consideração o modo heterogêneo de constituição da escrita (CORRÊA, 2004), ou seja, o fato de que toda escrita (não somente a digital) é constituída pelo encontro de práticas sociais do oral/falado e do letrado/escrito. Nosso interesse não se resume no estudo do material lingüístico coletado em salas de bate-papo; interessa-nos refletir sobre o processo dialógico dos escreventes com o já falado/escrito e com o já ouvido/lido (CORRÊA, 2004) em atividades de escrita na internet. Fundamentamo-nos, portanto, em uma concepção de escrita que se constitui pela conjunção do oral/letrado e do falado/escrito, à qual Corrêa (2004) denominou modo heterogêneo de constituição da escrita. O autor propõe pensar que não há oposição radical (comumente concebida) entre oral/falado e letrado/escrito, não sendo coerente atribuir primazia à fala ou à escrita, como insistem fazer vários estudiosos (CORRÊA, 1997). É preciso aceitar a relação existente entre as práticas menos formais do oral/letrado e o contato com aspectos formais da escrita instituídos pela escola (CORRÊA, 1997). As salas de bate-papo abertas (ou chats) consistem em páginas World Wide Web (WWW) que podem ser acessadas por diversas pessoas simultaneamente, com um número limite de participantes, o qual, em geral, é de 40 (quarenta). Essas salas podem ser escolhidas de acordo com interesses particulares, visto que são divididas por temas, por exemplo, idade (de 10 a 15 anos, de 20 a 30 anos etc.), cidades ou regiões e assunto (tema livre, política, encontros etc.). Após escolher a sala de interesse, o usuário terá acesso a uma página onde são requeridos o nickname, ou seja, o nome ou o apelido pelo qual ele queira ser identificado, e a cor de exibição desse nickname. Completadas essas informações, já é possível ter acesso à sala de bate-papo. O conjunto de textos que compõem o material em análise é composto por duas “conversas”, de aproximadamente 20 (vinte) minutos cada uma, realizadas em salas de bate-papo do provedor UOL (Universo On-Line) – um dos provedores de internet mais acessados no Brasil. As salas de bate-papo consultadas foram as freqüentadas por adolescentes que afirmam se enquadrar na faixa etária de 10 a 15 anos. A escolha dessa faixa etária deu-se devido à hipótese de que jovens de 10 a 15 anos sentem-se mais livres para escrever em ambiente digital e afastam-se, mais notavelmente, da prática de escrita preconizada pela escola tradicional.

RESULTADOS:
Para proceder à análise do material, propomos a utilização do método indiciário, que consiste em reunir um conjunto de pistas lingüísticas em regularidades que captem, no processo de escrita do escrevente, certos momentos de sua circulação dialógica pela imagem que ele faz das relações oral/falado e letrado/escrito na constituição de sua escrita, de seu interlocutor e na sua própria como escrevente (CORRÊA, 2004). Lançando mão desse método, tencionamos “captar o particular (a singularidade das pistas) e o geral (a especificidade do que é regular) da representação que o escrevente faz da (sua) escrita” (CORRÊA, 2004, p.22). As abreviaturas encontradas no material coletado foram agrupadas e categorizadas de acordo com regularidades lingüísticas. Dessa forma, verificamos a existência de pelo menos quatro categorias, constituídas segundo regularidades comuns a cada grupo. As abreviaturas do tipo (1) são formadas essencialmente pelo primeiro grafema de cada sílaba do vocábulo. Dessa forma, é possível observar que o enunciado “kd vc?” (cadê você?), comumente encontrado em salas de bate-papo virtual, é constituído por duas abreviaturas formadas pelo mesmo processo. Também são exemplos desse tipo de abreviaturas: “tc” (teclar); “tbm” (também); “blz” (beleza). É importante destacar que algumas dessas abreviaturas trazem informações adicionais para o leitor, como marcação de plural – é o caso de “vc” (você), que admite plural, “vcs” (vocês) – e marcação de nasalidade – “tbm” (também). No caso da marcação de nasalidade, nota-se que essa não ocorre na primeira sílaba do vocábulo, embora haja, nessa posição, uma consoante nasal (“também”). Esse fato nos leva a acreditar que o escrevente sabe (reconhece) que a sílaba tônica é a sílaba na qual a nasalidade se apresenta de maneira mais saliente, o que explica a presença da consoante nasal “m” na posição final da abreviatura e sua ausência na sílaba inicial do vocábulo. As abreviaturas dessa primeira categoria permitem observar a circulação dialógica do escrevente pelo primeiro dos três eixos propostos por Corrêa (2004): o eixo do imaginário sobre a gênese da escrita. Acerca desse primeiro eixo, Corrêa (2004) demonstra a tentativa dos escreventes de representação do planejamento conversacional e do jogo argumentativo prosodicamente marcado. Observamos a circulação do escrevente de bate-papos por esse eixo quando ele lança mão da hipótese silábica para a constituição das abreviaturas – hipótese que também é utilizada por crianças em fase de alfabetização. Sob orientação dessa hipótese, emergem as abreviaturas do tipo (1): abreviaturas formadas pela união grafemas iniciais de cada sílaba. Se, por um lado, a constituição das abreviaturas do tipo (1) evidenciam sua vinculação a práticas orais/faladas – uma vez que o escrevente leva em consideração a hipótese silábica para formar as abreviaturas dessa categoria – é possível observar, ainda, a vinculação dessas mesmas abreviaturas a práticas letradas/escritas. Essa vinculação se deve ao fato de que, no momento da leitura do texto escrito na internet, as abreviaturas dissolvem-se e dão lugar aos vocábulos originais. Assim, a abreviatura “blz” é lida como “beleza” e não como “be, ele, ze”, letra por letra. Ora, se o escrevente, na internet, escrevesse como fala, seria natural que, no momento da decodificação, as abreviaturas fossem lidas da mesma maneira como foram codificadas – o que não ocorre. Essa inter-relação entre práticas orais/faladas e letradas/escritas é que propomos a observar neste trabalho, acreditando que ela indicie a heterogeneidade da escrita. Vale recordar a observação feita anteriormente acerca da abreviação de distâncias. Como escrevente e leitor dividem o mesmo tempo no processo de interação, mas não o mesmo espaço, abreviaturas como “vc”, além da economia de tempo, promovem uma abreviação de distâncias, tornando o bate-papo mais informal, próximo e íntimo. Assemelhando-se ao processo de redução que ocorre com os nomes próprios (“Natália”, converte-se em “Ná”, por exemplo), a abreviatura “vc” denota intimidade, proximidade e informalidade entre os parceiros da comunicação. No caso de “teclar”, abreviado como “tc”, nota-se que a redundância do dizer a ação que está em processo de andamento manifesta-se na/pela linguagem. Dizer “tc” implica em realizar o ato que está em questão, porque o proferimento de certas palavras é uma das ocorrências na realização de um ato, cuja realização é, também, alvo do proferimento (AUSTIN, 1990). Assim sendo, perguntar “vm tc?” (“vamos teclar?”) é também realizar o ato de “teclar”. No caso das abreviaturas do tipo (2), o vocábulo “onde” – abreviado “ond” em um enunciado como “vc tc d ond?” (“você tecla de onde?”) –, também comum em salas de bate-papo, consiste em um indício da existência de outro processo formador de abreviaturas: aquelas que, de fato, buscam reproduzir a modalidade de enunciação oral dos escreventes. Outros exemplos de abreviaturas do tipo (2): “taum” (estão); “long” (longe); “bele” (beleza). Pode-se dizer, então, que, para este tipo, há uma tentativa de transcrição da fala dos usuários. É o que ocorre com o verbo “estar”, o mais freqüentemente abreviado. Conjugado na 3ª. pessoa do plural do presente do indicativo, o verbo “estar”, na modalidade oral, perde a primeira sílaba e recebe marca de nasalidade decorrente da sílaba final, terminada em “-ão. Nas abreviaturas do tipo (2), portanto, podemos observar novamente a circulação dialógica do escrevente pelo primeiro eixo apresentado por Corrêa (2004), o de representação da gênese da escrita, uma vez que, nesse caso, há uma tentativa de transcrição do modo de enunciação oral. Já as abreviaturas do tipo (3) caracterizam-se pela simplificação de grafia do vocábulo original. Assim, no enunciado “repita ai o ki vc falou” (“repita aí o que você falou”), houve uma substituição do dígrafo “qu” por um único grafema “k”, de valor sonoro idêntico. Outros exemplos de abreviaturas dessa categoria: “aki” (aqui); “xau” (tchau). Na abreviatura “aki” (aqui), o dígrafo “qu” é substituído por um único grafema. Neste caso, há correspondência de som entre o grafema e o dígrafo. No entanto, essa correspondência nem sempre se dá, como no caso da abreviatura “xau” para “tchau” – o que não impede que o enunciado seja compreendido. Em “xau”, além da substituição do dígrafo (“ch”) por um único grafema, de valor sonoro idêntico ao do dígrafo, ocorre o apagamento da consoante “t” já que o escrevente reconhece que a seqüência “tx” é ortograficamente estranha, no que se refere à composição de sílabas em português. Esse trabalho de reconhecimento de seqüências “estranhas” demonstra a vinculação do escrevente a práticas letradas/escritas da língua, uma vez que ele não efetua substituições e omissões de grafemas de maneira aleatória. No entanto, ao escrever “xau”, o escrevente também deixa indícios de sua circulação dialógica pelo eixo da gênese da escrita, ao reconhecer que o som expresso pelo dígrafo é idêntico ao expresso pelo “x”. Ao optar por não seguir a ortografia do português, fica claro que o escrevente também leva em consideração a oralidade na formação de abreviaturas. Novamente, a vinculação das abreviaturas tanto a práticas letradas quanto a práticas orais é indicio do modo heterogêneo de constituição da escrita. Como exemplificação do tipo (4), apresentamos o seguinte enunciado: “num vai me add não?” (“não vai me adicionar não?”). Neste caso, nota-se que um termo de origem inglesa substitui um vocábulo em português (adicionar). A categoria em questão é constituída apenas por uma abreviatura: “add” (adicionar). Neste caso, não há supressão de grafemas, porém, “add” funciona como abreviatura do verbo “adicionar”, visto que, no processo de leitura, os usuários do bate-papo não costumam ler a palavra original, em inglês, mas seu equivalente em português, ou seja, “adicionar”. Assim, consideramos “add” como abreviatura para o vocábulo “adicionar”. A abreviatura de tipo (4) nos permite observar a circulação do escrevente pelo segundo eixo, apresentado por Corrêa (2004): o da representação do código escrito institucionalizado. Ao lançar mão de um vocábulo em língua inglesa, o escrevente demonstra sua vinculação a práticas letradas, uma vez que é necessário dominar a grafia do vocábulo estrangeiro, bem como seu correspondente em português (adicionar). Somente assim, o efeito de sentido será o almejado, ou seja, o vocábulo “add” deve ser lido como “adicionar”.

CONCLUSÕES:
Para interagir com muitos, é necessário ser veloz, já que, a qualquer momento, o interlocutor pode simplesmente sair da sala. A velocidade, porém, não assegura o sucesso da interação. É necessário, ainda, que haja a sensação de intimidade, proximidade; somente assim os sujeitos (já afastados espacialmente) são capazes de constituir conexões. Essa proximidade é expressa na/pela linguagem, mediante, por exemplo, o processo de abreviação. Ao reconhecer, portanto, a existência e a fugacidade do outro que se comunica em ambiente digital, o escrevente busca aproximar-se, abreviando(-se). O propósito não é o de entabular uma conversa complexa, formal, sobre tema de interesse social. Busca-se, simplesmente, a construção de uma atmosfera de sociabilidade e de comunhão – tanto que os enunciados mais (re)produzidos em salas de bate-papo são os que tencionam a apresentação entre os usuários. O processo de abreviação na internet é, pois, mais complexo do que supõem os críticos que se munem de afirmações preconceituosas e cristalizadas a respeito dessa prática de escrita. As abreviaturas emergem não porque os indivíduos que freqüentam salas de bate-papo desejam ser idiossincráticos, ousados ou “moderninhos”. Elas emergem, principalmente, devido ao tipo de relação estabelecida entre os sujeitos, que tencionam nada mais que o simples (re)conhecimento de si e do(s) outro(s). Com relação às idéias cristalizadas apresentadas no início deste trabalho, as quais nos propomos a discutir (a saber: “internetês é uma fala escrita”, ou, ainda, “internetês é uma transcrição fonética”), podemos afirmar que elas apenas disseminam preconceitos já estabilizados nas relações sociais. Após a realização da categorização e da análise das abreviaturas coletadas, o que nos interessa destacar é que a modalidade de enunciação oral dos escreventes não é a única fonte de formação das abreviaturas. Ao contrário do que apregoam essas idéias presentes do senso comum, grande parte das abreviaturas indiciam, além da vinculação dos escreventes a práticas orais/faladas, uma forte vinculação desses escreventes a práticas letradas/escritas. E essa inter-relação entre práticas mais e menos formais caracteriza o modo heterogêneo de constituição da escrita. Seguindo esse raciocínio, é incoerente pensar que a escrita – não somente a digital – sofre interferência da oralidade. As práticas orais estão intrinsecamente relacionadas ao processo de escrita, uma vez que os escreventes costumam levar em consideração toda sua bagagem de conhecimentos, o que inclui aquilo que já foi ouvido/lido por ele, durante o processo de escritura. O fato é que gêneros institucionalizados costumam ser tomados como modelo de boa escrita, enquanto que gêneros em emergência (como é o caso das salas de bate-papo) são coagidos, porque se distanciam desse modelo – preconizado, principalmente, pela prática escolar tradicional. Antes de condenar, a escola (enquanto instituição) deve procurar conhecer os gêneros de discurso aos quais seus alunos estão vinculados, para, posteriormente, elaborar suas próprias considerações, abandonando, dessa forma, esse antigo costume de reproduzir afirmações disseminadas por meios pouco científicos. Partir da realidade do aluno para demonstrar a importância da língua portuguesa parece ser um importante passo para que as aulas de língua materna deixem de ser concebidas como um “mal necessário”.

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  abreviação, escrita, salas de bate-papo

E-mail para contato: carlajeanny@yahoo.com.br