60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 3. Antropologia das Populações Afro-Brasileiras

EXPRESSÃO DO CORPO FEMININO NEGRO NA MÍDIA IMPRESSA BRASILEIRA

Leandro José dos Santos1
Dagoberto José Fonseca1

1. Faculdade de Ciências e Letras - UNESP - Campus de Araraquara


INTRODUÇÃO:
O desenvolvimento das instituições da mídia e dos meios técnicos de comunicação permitiu a modificação no processo de formação das identidades mediante a produção e reprodução de formas simbólicas, que permitem aos indivíduos a experimentação de interações desligadas do contato físico. Se antes os materiais simbólicos empregados na construção do eu e das identidades eram adquiridos em contextos de interação face a face, agora esse processo depende, cada vez mais, do acesso às formas mediadas de comunicação. Nesse sentido, a mídia abre as portas para o conhecimento desligado das fronteiras espaciais imediatamente quotidianas. A corporeidade feminina, por exemplo, ao ser utilizada pelos textos culturais publicitários exige novas formas de compreensão sobre a imagem da mulher. Por isso, elegemos o corpo feminino negro como objeto de nossas análises. Verificaremos como os artigos da mídia impressa brasileira apresentam e dão significado ao feminino negro servindo-se da iconografia de seus corpos. Analisamos as representações simbólicas de mulheres negras na Revista Época e na Revista Raça Brasil a fim de compreender as contribuições que as formas simbólicas mediadas dão ao processo de formação das identidades femininas negras.

METODOLOGIA:
Utilizaremos a metodologia da “Hermenêutica de Profundidade” desenvolvida por John Thompson (1995) e a semântica argumentativa de Oswald Ducrot (1987) com o intuito de extrair os sentidos e significados dessas formas simbólicas veiculadas na mídia, interpretando-as de forma crítica e considerando, inclusive, os contextos nos quais são produzidas, transmitidas e recebidas pelos indivíduos. Assim, realizamos um exercício critico de análise dos editoriais e das reportagens publicadas durante o biênio 2005-2006 e que trazem a mulher negra como foco de discussões jornalísticas. Tal exercício é precedido da análise do contexto sócio-histórico no qual as formas simbólicas sobre o feminino negro surgem. Estamos entendendo que a análise do material iconográfico encontrado na mídia impressa brasileira pode ser um excelente instrumento de estudo, pois permite-nos visualizar e estabelecer [re] interpretações da vida real cotidiana na qual as pessoas estão inseridas; revela as estruturas e as contradições da sociedade brasileira; permite verificar a existência de formas simbólicas referentes à corporeidade da mulher negra; e, por fim, admite constatarmos como é representada a configuração sócio-étnico-racial brasileira no jornalismo de revista.

RESULTADOS:
A iconografia da mulher negra na mídia brasileira ainda associa o conjunto cor-corpo negro ao signo do perigo, da desordem e da pobreza. As reportagens da Revista Época que trazem a mulher negra como foco de discussões jornalísticas revelam conflitos de ordem religiosa, econômica, social, moral e ética entre o contexto sócio-cultural negro e a sociedade global. Nessa Revista, a própria mulher negra é acusada de propagar estereótipos e estigmas machistas sobre ela mesma. Consta também em matérias jornalísticas de Época a elaboração de imagens que, dependendo da utilização que se faça do seu corpo, da sua beleza e do seu “gingado”,poderia tirar a mulher negra da “subalternidade”. Entremeios, a análise dos editoriais de Raça Brasil permite dizer que, ao mesmo tempo em que a Revista contribui para a afirmação do feminino negro, mediante a valorização política do conjunto cor-corpo negro, ela também coopera com a manutenção e fortalecimento de estereótipos sobre o corpo da mulher negra, mediante o incentivo ao consumo dos corpos negros enquanto fetiche, enquanto mercadoria, visto que consta, em suas reportagens, a tentativa de fazer com que as suas leitoras acreditarem que interessa apenas à mulher negra o culto às características fenotípicas, ligadas apenas à sua aparência física.

CONCLUSÕES:
A [des] valorização da corporeidade feminina negra acontece porque na sociedade contemporânea o corpo deslocou-se da esfera eminentemente biológica. O corpo parece ter se tornado a única possibilidade de existência de todos os seres humanos, pois é por seu intermédio que se faz a mediação entre a construção da consciência individual e a identidade coletiva, e, sobretudo, é por seu intermédio que os indivíduos constroem as identidades social, étnico-racial e sexual. Na Revista Época as representações simbólicas sobre as mulheres negras tendem a associá-las ao signo da pobreza e da violência, ou seja, a corporeidade é manipulada de forma a atender, não apenas interesses sociais e comerciais, mas serve igualmente para mascarar as relações raciais e para esconder relações de poder e dominação de um seguimento populacional sobre o outro. A Revista Raça Brasil, por sua vez, tem mostrado mulheres negras fora do contexto da marginalidade e da violência. Isso, de uma forma ou de outra, tem exercido influência positiva na construção da auto-estima daquelas que tem contato com as formas simbólicas publicadas no periódico. Mas, também há, em Raça Brasil, um discurso que tende a desconectar a corporeidade negra de sua condição humana, mediante o culto e a idolatria ao corpo.

Instituição de fomento: FAPESP

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Jornalismo de Revista, Conjunto cor-corpo negro, Mulher negra

E-mail para contato: leannddro@yahoo.com.br