60ª Reunião Anual da SBPC




D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 4. Saúde Pública

ESTUDO SOBRE AS VULNERABILIDADES DA POPULAÇÃO NEGRA AO HIV/AIDS E A BUSCA POR AÇÕES DE PREVENÇÃO EM COMUNIDADES REMANESCENTES DE QUILOMBOS, EM ALAGOAS

Crisandra Danae Fernandes da Fonseca1
Jorge Luis Fonseca de Acioli Conrado1
Jairo Calado Cavalcante2
Angela Maria B. de Brito3
Jorge Luis de Souza Riscado2

1. FAMED/UFAL
2. Departamento de Saúde e Sociedade/FAMED/UFAL
3. ICHCA/UFAL


INTRODUÇÃO:
A população negra tem se perpetuado a margem da sociedade. Os direitos humanos, a cidadania tem passado ao largo, negando-lhes o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia, ao lazer etc. A desigualdade entre os brancos e os negros faz-se discrepante em todos os estratos, levando este último a superar obstáculos e vencer desafios sociais de toda origem. Assim, a questão da inclusão social emerge como uma necessidade não apenas estratégica, mas acima de tudo, ética - de rever disparidades, assim a desvantagem e econômica. Percebe-se que, para se traçar um perfil epidemiológico da população negra, é necessário que os estudos devam remeter além da renda e do “status” residencial, as variáveis do sexo e raça para se compreender a prevalência e singularidade de alguns fenômenos, em determinados grupos raciais/étnicos. Neste sentido, no Brasil, as doenças, agravos e condições que mais acometem a população negra são: geneticamente determinadas – anemia falciforme e deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase; ou dependentes de elevada freqüência de genes responsáveis pela doença ou a ela associadas – hipertensão arterial e diabetes melitus; adquiridas, derivadas de condições socioeconômicas desfavoráveis – desnutrição, mortes violentas, mortalidade infantil elevada, abortos sépticos, anemia ferropriva, DST/AIDS, doenças do trabalho, transtornos mentais resultantes da exposição ao racismo e ainda transtornos derivados do abuso de substâncias psicoativas, como o alcoolismo e a toxicomania; de evolução agravada ou de tratamento dificultado – hipertensão arterial, diabetes melitus, coronariopatias, insuficiência renal crônica, câncer e mioma; condições fisiológicas alteradas por condições socioeconômicas – crescimento, gravidez, parto e envelhecimento.As precárias condições socioeconômicas da população negra interferem significativamente nas diferentes etapas do ciclo vital e podem contribuir para a evolução de doenças, em conseqüência da desatenção às suas especificações como grupo historicamente discriminado (ALVES, 1998). Os documentos administrativos, prontuários médicos e formulários de notificação de doenças, fontes primárias de dados do SUS, geralmente não informam a raça/cor dos usuários dos serviços de saúde. Desde 1996, as Declarações de Óbito e de Nascido Vivo incluem o quesito cor, ainda persiste um sub-regitro superior a 50% nesse campo. A recente inclusão desse quesito na ficha de notificação/investigação do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), assim como a sua exigência nos protocolos de pesquisa em seres humanos, reforça, ainda mais, a necessidade de capacitar profissionais no tratamento da variável cor, ressaltando o significado e a relevância do seu correto registro (CNS/ RESOL. 196, 1996);O quadro atual exige uma ação abrangente e planejada que permita reduzir, ou até mesmo anular, os efeitos acumulados da omissão em relação à realidade socioeconômica de cerca de metade da população do país, o maior agrupamento nacional de negros fora da África e o segundo maior do mundo. A promoção da saúde da população negra tendo como seio as ações do movimento negro interage com uma gama de áreas do conhecimento – biomédica, psicologia, antropologia, história, sociologia etc. – partindo de um assumir: há racismo e discriminação racial, que expõe os seres humanos à subserviência, à degradações, à perversidade, à subestimação, à inferioridade, à degradações sociais. Em relação à epidemia de HIV/AIDS no Brasil, hoje há um conjunto de microepidemias regionais com diferentes taxas de crescimento, sendo essa característica a expressão do tamanho e da diversidade sócio-cultural do país. Essa diversidade, associada ao dinamismo de disseminação da infecção, dificultou e dificulta o entendimento da trajetória da doença, como também, sua prevenção e controle (FARIAS, 2004; NASCIMENTO, 2005). Nos últimos dez anos, quatro tendências no padrão de infecção no Brasil têm sido observadas: interiorização, heterossexualização, feminização e pauperização. A interiorização diz respeito ao comportamento espacial da epidemia, mas ainda há poucos estudos epidemiológicos no Brasil (GUIMARÃES, 2007). Embora a maioria dos casos de Aids ainda esteja relacionados à transmissão homo/bissexual, a infecção pelo HIV está aumentando rapidamente entre os casos de transmissão heterossexual e/ou uso de drogas injetáveis. Associada à tendência heterossexual da epidemia, existe a feminização, que aponta uma maior exposição da mulher, seja por uma maior vulnerabilidade biológica, uma menor detenção de poder nas decisões que envolvem a vida sexual e reprodutiva, um envolvimento emocional diferenciado, em relação às parcerias, ou, ainda, pela crença de invulnerabilidade feminina, visto que inicialmente a mulher não era incluída nos chamados "grupos de risco" (AMORIM, 2006; NASCIMENTO, 2005; VERMELHO, 1999). Uma quarta tendência fala da pauperização da doença, no sentido de haver uma incidência maior de casos de AIDS nas populações de menor nível socioeconômico (FARIAS, 2004).Nos últimos anos, a categoria da representação social vem sendo amplamente utilizada no campo da saúde como expressão da necessidade de se compreender a totalidade do fenômeno saúde/ doença e a relação entre seus determinantes sociais e individuais. As representações sociais como fenômeno são uma forma de saber gerada a partir do senso comum. A partir dessa perspectiva, busca-se compreender processos que ocorrem em contextos históricos e sócio-culturais precisos, na construção do senso comum. Inserir representação social no contexto das DST/AIDS significa construir formas de pensar e explicar as DST/AIDS como objeto social, uma vez que o estudo permite apreender como os grupos sociais entendem determinados fenômenos (NASCIMENTO, 2005; VERMELHO, 1999).

METODOLOGIA:
O projeto foi submetido ao Setor de Bioética do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Alagoas, sendo aprovado sob o número 007819/2005-61. Também consta de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi assinado pelos entrevistados antes da aplicação dos questionários. A pesquisa é do tipo descritiva, transversal e qualitativa. Foram escolhidas um universo de 15 comunidades quilombolas aleatóriamente.A amostra é de 142 sujeitos (quilombolas), sendo 60% e mulheres e 40% homens dessas comunidades. O instrumento de coleta foi uma entrevista estruturada – questionário – com 97 perguntas com respostas abertas e fechadas. Os dados foram coletados durante um encontro entre as 15 comunidades quilombolas e visitas às comunidades de Poços do sal, Chifre do Bode, Tabacaria, Mameluco e Poços do Lunga. Foram aplicadas individualmente. A análise dos dados foi feita a partir do EPI-INFO 2000 foi construído o “espelho” do protocolo de pesquisa. Estes foram codificados e os dados coletados armazenados em um banco de dados. Para tratamento estatístico foram solicitados as Medidas de Tendência Central e utilizado a distribuição por freqüência.

RESULTADOS:
A pesquisa revelou tratar-se de um grupo sexualmente ativo.Embora 73,3% confessaram ter acesso ao condom gratuito, 80% nao usa com parceiro(a) fixo(a), sendo que 81,3% acreditam que com parceira(o) fixa(o) não precisa; e 55% dos homens nao usam com parceira ocasional; 47,6% dos homens têm parceiras ocasionais sem envolvimento emocional; 10% confessaram experiencia sexual com pessoas do mesmo sexo. Como as DST mais conhecidas 97,6% apontaram HIV/AIDS e 96% dos homens a gonorréia e aproximadamente ¼ a sifilis; em torno de 82,1% não souberam indicar sintomas de DST; 18% já se expuseram ao HPV (pênis, anus, vagina); dos que já contrairam uma DST, 53,3% procuraram atendimento médico e 33,4% alternativas equivocadas, destes 66,7% nao fizeram o tratamento porque o sintoma sumiu; 6,4% já fizeram o teste anti-HIV; 43,9% acreditam que picada de mosquito pode transmitir e 32,6% por toalhas e roupas; 61,2% com alguma frequencia fazem uso de bebidas alcoolicas;13% ja experimentaram maconha e inalantes e 2,3% LSD. Uma boa parcela acredita que o uso de drogas atrapalha no uso do condom. As mulheres no recorte de gênero, encontramos com relação ao aborto, 18,8% confessaram que tiveram natimorto; 42,9% tiveram aborto. Quanto à parceria, 72,6% responderam que têm parceiro fixo e que 16,7% confessaram ter mais de um. Já a 21,1% confessaram o uso da camisinha, enquanto 79% não o fazem. As razões são porque “parceiro fixo não precisa”, parece “falta de confiança”, ou ainda “não gosta”, “ele não gosta” - representações sociais que levam à vulnerabilidade. Com relação à recusa do parceiro em usar a camisinha, 54,54% confessaram que não fazem sexo quando o parceiro se nega ao uso; 36,36% confessaram que tiveram de fazer sexo sem camisinha, expondo-se às DST e ao HIV; 33,3% confessaram que foram forçadas a fazer sexo sem camisinha, caracterizando situação de violência sexual. Com relação à camisinha feminina, 84,6% confessam que não experimentaram. Salientamos que 4,8% confessaram ter tido experiência com pessoas do mesmo sexo. Apenas em torno de 30% fizeram o preventivo regularmente, no posto de saúde ou hospital público. Quando questionadas sobre a questão da violência, 36,4% das mulheres consultadas relataram ter sofrido, sendo que destas, 37,5% se reportaram ao companheiro, tendo ocorrido a exposição das seguintes maneiras: 50% violência verbal; 50% violência física e 50% psicológica. Diante do quadro, concluimos alta vulnerabilidade ao HIV/AIDS da população estudada. Sugerimos políticas públicas imediatas.

CONCLUSÕES:
Concluímos uma baixa escolaridade, onde se obtém dificuldade para se ler uma carta ou jornal; os meios de comunicação mais ouvidos são a televisão e o rádio; a maioria possui suas documentações civis, também residem em casa própria; as mulheres já tiveram aborto; um bom número confessou ter sofrido violência; tanto homens quanto mulheres são ativos sexualmente; a atividade sexual, pela falta de camisinha, se expõem às DSTs e ao HIV; embora tenham ouvido falar sobre as DST e HIV, a sintomatologia para as DSTs é de pouco conhecimento. Uma boa parcela confessa já ter se exposto a alguma DST nos últimos 12 meses; tanto homens quanto mulheres a grande maioria nunca fez o teste anti-HIV e também não se vê em risco para pegar HIV. Quanto ao uso de fumo e álcool, é significativo o consumo de ambos, confessava ter usado álcool antes de transar e que a camisinha atrapalha. Diante do quadro, é alto o risco de vulnerabilidade ao HIV na população estudada.

Instituição de fomento: CNPQ, FAPEAL e UFAL

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Saúde, DST, HIV/ AIDS

E-mail para contato: crisandra.fonseca@gmail.com