60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 1. Antropologia da Religião

NO NATAL TEM PASTORINHA: ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DE UM RITUAL PARAENSE

Luiz Sabaa Srur Morais1, 2, 4
Maria Angelica Motta-Maués2, 3

1. Instituto Esperança de Ensino Superior
2. PPGCS/UFPA
3. Dra. - Orientadora
4. Msc.


INTRODUÇÃO:
Pastorinha é uma expressão teatral cuja realização está relacionada à comemoração do Natal, normalmente classificada, tanto por partícipes quanto espectadores, como “manifestação folclórica”. Brotando na esfera doméstica/familiar, torna-se empreendimento assumido por uma rede baseada nos laços de vizinhança e que acaba ultrapassando as fronteiras dos bairros habitados pelas camadas populares. Neste trabalho busco, pois, apresentar descrição etnográfica e análise antropológica tanto para a encenação em si quanto para os grupos temporários que a fazem, em Belém (PA), na contemporaneidade. Além de ter como objetivos a identificação de atores e espaços sociais, origem e formato artístico, quis ver se era possível “olhá-la” como uma prática do catolicismo popular. Trata-se da pesquisa culminante de mestrado em antropologia realizado pelo autor no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Pará, cuja relevância encontra-se tanto na urgência de documentação de celebrações dramáticas em grandes cidades de um modo geral, haja vista a redução do número de grupos realizadores, quanto no inédito registro da atualização.

METODOLOGIA:
A principal metodologia aplicada neste trabalho foi a observação participante, durante 2005 e 2006, em duas pastorinhas, A Filha de Sion e Os Filhos de Judá, organizadas pela radialista aposentada Iracema Oliveira e pela funcionária pública aposentada Bebel Melo, sendo que ambas se reconhecem, e são reconhecidas pela vizinhança e pelos meios de comunicação da cidade, como “folcloristas”. Interessante é ressaltar que o evento mais significativo da minha aceitação no grupo de Oliveira foi o convite para que eu interpretasse um dos personagens na derradeira apresentação em 2005. Porém, pela abrangência do tema, não me restringi ao “estar lá” durante onze ensaios, seis apresentações e sete outros eventos relacionados, mas também me dediquei à realização de entrevistas e conversas informais com organizadores, ex-organizadores, participantes e ex-participantes destas e de outras pastorinhas, algumas extintas, em diferentes meses dos referidos anos. Simultaneamente às minhas incursões, realizei pesquisa bibliográfica que se caracterizou não só pela busca de referenciais teóricos, mas também informações a respeito da pastorinha em anos anteriores e sua origem em Belém e no Brasil.

RESULTADOS:
O principal resultado diz respeito à compreensão de que a pastorinha foi e continua sendo, prioritariamente, uma realização de adolescentes, isto é, de indivíduos que não são nem crianças nem atingiram a adultidade, que voluntariamente se dedicam a participar de ensaios e apresentações. Na Filha de Sion, por exemplo, dentre os 30 “brincantes” que desempenhavam os diferentes papéis, 16 tinham entre 11 e 20 anos. Esta forte presença de participantes que não são nem crianças, nem adultos, é um convite à reflexão acerca do papel dos indivíduos “liminares” em rituais de modo geral graças, dentre outros fatores, ao simbolismo implícito nesta mesma condição. A verificação de que tanto outrora quanto na contemporaneidade a direção de celebrações dramáticas deste gênero normalmente cabe a mulheres sem maridos, filhos pequenos e/ou rígidos laços empregatícios, ou seja, que já desfrutam da chamada “liberdade geracional”, pode ser considerada outro resultado obtido. Mais uma vez o simbolismo se faz presente, já que recaem sobre elas diversas representações sem as quais, dificilmente, elas poderiam exercer a tarefa a qual se propõem.

CONCLUSÕES:
Por um lado, a primeira conclusão é a comprovação de que o auto atravessou o século XX e chegou ao XXI sem perder a identidade profunda de suas formas, fazendo com que a pastorinha “de hoje” possa a ser reconhecida como a mesma “de antigamente”. Atribuo esta permanência a três grandes fatores: à perspectiva gregária que o ciclo oferece aos “brincantes”, ao próprio caráter lúdico do teatro e à vinculação com a celebração do nascimento de uma assim entendida divindade. Por outro lado, partir dos dados coletados e reflexões oriundas de leituras antropológicas sobre rituais, em especial os de passagem, os do catolicismo popular, e os chamados “folclóricos”, concluo que, mais do que uma expressão da cultura popular, a realização da pastorinha, em suas diferentes etapas (preparação – apresentação – encerramento) corresponde a um processo ritual de passagem marcado pelo calendário, repleto de ritos e de liminaridades. Destaco o caráter anti-estrutural, isto é, sua capacidade de alterar, temporariamente, a ordem social estabelecida no cotidiano destes menores “brincantes”, das mulheres “donas de pastorinha” e de seus próximos, proporcionando novas interações interpessoais, intensificando outras ou até mesmo subtraindo (enquanto durar o ritual) relações de aversão.

Instituição de fomento: CNPQ



Palavras-chave:  folclore, ritual, adolescência

E-mail para contato: luizsabaa@bol.com.br