60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 2. Letras - 3. Línguas Estrangeiras Modernas

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE ARACAJU (1998 – 2006)

Fernanda Gurgel Raposo1
Luiz Eduardo Meneses de Oliveira1

1. Universidade Federal de Sergipe/Departamento de Letras


INTRODUÇÃO:
Os livros didáticos, ou compêndios, como se dizia no século XIX, têm se tornado umas das principais fontes para a história das disciplinas escolares, fornecendo as condições necessárias para se analisar suas finalidades e conteúdos explícitos e pedagógicos, tal como se apresentam nas atividades e exercícios necessários às aprendizagens no processo de aquisição escolar. A presente pesquisa bibliográfica e de campo buscou investigar, selecionar, descrever e analisar os livros didáticos de Língua Inglesa mais usados nas escolas públicas do município de Aracaju, bem como os usos que deles a escola e seus agentes têm feito, desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para Língua Estrangeira, em 1998, até 2006, com o intuito de identificar as finalidades pedagógicas, culturais e políticas assumidas pelo ensino daquela disciplina. Ao longo da pesquisa, foi feita uma seleção dos livros didáticos que serviam de guia para a prática de sala de aula dos professores das escolas pesquisadas; a leitura, análise e interpretação da legislação em vigor referente ao ensino de língua estrangeira, bem como de parte da bibliografia referente à matéria, numa perspectiva histórica, isto é, buscando suas relações com o processo de institucionalização do ensino de línguas estrangeiras no país, assim como de sua configuração como disciplina escolar, observando o caso específico da Língua Inglesa. Num segundo momento professores e alunos de seis escolas públicas de Aracaju foram entrevistados a fim de observar o uso que desses livros estava sendo feito. A partir dessa pesquisa, ficou claro que não há livros didáticos de inglês disponíveis nas escolas e que a prática de sala de aula em nada mudou depois da publicação dos PCN.

METODOLOGIA:
Antes da seleção dos livros didáticos analisados, fez-se necessária a leitura, análise e interpretação da legislação em vigor referente ao ensino de língua estrangeira, bem como de parte da bibliografia referente à matéria, numa perspectiva histórica, isto é, buscando suas relações com o processo de institucionalização do ensino de línguas modernas no país, assim como de sua configuração como disciplina escolar, observando o caso específico da língua inglesa. Para tanto, fez-se obrigatória a revisão de alguns clássicos da historiografia da educação brasileira e a leitura de alguns trabalhos recentes sobre a matéria. O principal critério adotado na seleção dos livros didáticos analisados – no máximo dois para cada série do ensino fundamental e médio – foi o da receptividade, ou seja, de sua circulação no país e nas escolas públicas de Aracaju, algo que pôde ser medido tanto pelas reedições de determinadas obras quanto pelas suas referências e indicações nos planos de curso, na legislação ou nos discursos especializados sobre a matéria, na imprensa, em periódicos dedicados ao ensino da língua inglesa ou nos depoimentos dos professores. Outro aspecto levado em conta na seleção foi a relevância, do ponto de vista de sua representação social, dos agradecimentos, dedicatórias, notas do autor ou do editor, projeto gráfico, imagens e demais elementos internos do livro, pois estas foram as principais pistas para se chegar às implicações e aspectos culturais e políticos da disciplina, uma vez que seus elementos pedagógicos ou metodológicos se apresentam de modo mais explícito nas atividades e exercícios propostos ou no prefácio ou introdução, quando os há. No entanto, pode haver casos em que a celebridade do autor, ou a influência político-acadêmica do seu nome, justifique por si só a análise, pela sua maior repercussão entre os professores ou no mercado editorial, bem como seu vínculo mais explícito com o discurso oficial a respeito da matéria. A amostragem dos depoimentos foi feita a partir de duas escolas de Ensino Médio e duas de Ensino Fundamental dentre as mais freqüentadas, ou seja, de maior número de matrículas, no município de Aracaju: os Colégios Estaduais D. Luciano Cabral Duarte e Tobias Barreto para o Ensino Médio e as Escolas Municipais de Ensino Fundamental Juscelino Kubitchek e Presidente Getúlio Vargas, e nos depoimentos dos professores e alunos – alguns de cada turma –, tomados mediante um questionário elaborado previamente, foram destacados os seguinte aspectos: o tempo de exercício na profissão docente – no caso dos professores –; sua opinião a respeito das finalidades do ensino da Língua inglesa; a especificação dos momentos e atividades em que se faz uso efetivo do livro didático; o modo como é usado; as práticas de leitura, escrita, fala e escuta implicadas em cada atividade e o uso de outros recursos didáticos, tais como gravador, vídeo, computador ou internet, se houvesse.

RESULTADOS:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais consideram, na definição do objeto de ensino da Língua Estrangeira, a natureza sociointeracional da linguagem, trazendo em seu texto a seguinte justificativa: “Todo significado é dialógico, isto é, é construído pelos participantes do discurso”, e acrescenta que “(...) todo encontro interacional é crucialmente marcado pelo mundo social que o envolve: pela instituição, pela cultura e pela história” (BRASIL, 1998). A partir dessa visão, os PCN acabam reforçando o que já vinha historicamente sendo estabelecido como finalidade instrumental do ensino de Língua Estrangeira: a compreensão de textos. O diferencial, nesse sentido, trazido pelos Parâmetros, é que essa finalidade, a partir de agora, aparece sustentada pela visão sociointeracional da linguagem, que se justifica por essa nova necessidade de se considerar o contexto social em que o aluno está inserido. Apesar disso, o texto dos PCN abre outras possibilidades a esse ensino, ao considerar que, de acordo com as condições da instituição, essa habilidade de leitura e compreensão de texto deve ser estendida às demais (comunicação oral e produção escrita). Ainda como parte da justificativa social para a inclusão de uma Língua Estrangeira no currículo, os PCN apresentam as possíveis relações e contribuições da leitura em Língua Estrangeira para a aprendizagem da Língua Materna do aluno: “(...) aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua Língua Materna” (BRASIL, 1998). Partindo desse alcance a que pode chegar o ensino de Língua Estrangeira, os Parâmetros vêm colocá-la não como uma disciplina, mas como uma área de conhecimento, mais uma vez dando suporte à mudança de perspectiva que propõem: “a aprendizagem de uma Língua Estrangeira leva a uma nova percepção da natureza da linguagem, aumenta a compreensão de como a linguagem funciona e desenvolve maior consciência do funcionamento da própria Língua Materna” (BRASIL, 1998). A Língua Estrangeira, vista agora como área de conhecimento, traz consigo uma série de novas abordagens relacionadas às suas finalidades na escola. Nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, por exemplo, podemos observar uma preocupação com a função social do ensino de Língua Estrangeira na escola, que, segundo o texto, é de compreensão e respeito às diferenças entre as culturas. O momento atual do ensino de Língua Estrangeira deixa claro para alunos e professores a necessidade de uma busca por um direcionamento em termos de objetivo e uma preocupação acerca da prática atrelada às novas concepções que vêm sendo apresentadas. Em particular, as OCEM somam a tudo isso uma proposta de educação inclusiva face a valores “globalizantes”, além de considerações referentes a um ensino de Língua Estrangeira voltado para temas reais, atuais e de relevância para os alunos, tais como discriminação e exclusão social. Se toda essa tentativa de delimitar os objetivos for levada a sério, podemos considerá-la como um primeiro passo para um direcionamento mais objetivo, de utilidade prática para o aluno, já que essas novas propostas tanto respeitam as diversidades quanto propõem uma reflexão acerca da finalidade do ensino, para que seja feita uma adaptação do conteúdo da disciplina ao contexto social em que o aluno está inserido, abandonando os textos fantasiosos e alienantes utilizados para o ensino de Língua Estrangeira até aqui.

CONCLUSÕES:
As análises dos livros didáticos e dos depoimentos dos professores e alunos das escolas públicas de Aracaju requerem um retorno ao conceito de “finalidades reais” e “finalidades de objetivo”, descritas por Chervel (1990). As finalidades dos PCN e das OCEM, dentro do contexto real das escolas públicas, se constituem no que Chervel chama de “finalidades de objetivo”, uma vez que foram propostas pelo governo, mas não estão sendo postas em prática. Há, inclusive, quem esteja no exercício da docência e sequer conheça tais propostas. Esses documentos trazem à nossa realidade educacional uma proposta de mudança e uniformização do trabalho desenvolvido em sala de aula. Segundo os PCN, a sua elaboração partiu da necessidade de se “considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras” (BRASIL, 1998). A partir da leitura do prefácio dos livros, pode-se perceber que seus autores e editoras conhecem as novas propostas, porém há uma tentativa em camuflar as práticas concretas do ensino com a redação de prefácios cheios das “finalidades de objetivo” propostas pelos PCN e pelas OCEM. Quando partimos para a análise dos depoimentos dos professores, reforçamos ainda mais a idéia de que as propostas dos documentos analisados não passam de “finalidades de objetivo”. Se não bastasse esse distanciamento entre proposta e prática, as “finalidades reais” das escolas de Aracaju são muito diversificadas. A análise da concepção dos professores acerca da finalidade do ensino da Língua Inglesa mostra que muitos desconhecem os PCN, e quando analisamos as falas dos alunos, percebemos que os poucos docentes que têm algum conhecimento desse documento não colocam sua proposta em prática. Notamos que as finalidades da disciplina que se constituíram no século XIX, tal como foi exposto na introdução desta pesquisa – finalidades instrumentais, literárias e práticas (OLIVEIRA, 2006) –, continuam basicamente as mesmas, e o aspecto político-ideológico do qual a disciplina se revestiu nos PCN se constitui ainda em uma “finalidade de objetivo”. É necessário que ele se transforme em uma “finalidade real”. Se o governo não fornece às unidades de ensino livros didáticos de Língua Inglesa, é preciso pelo menos uniformizar o que está sendo feito nas escolas públicas de Aracaju, respeitando a variedade de seus contextos específicos, para que suas práticas pedagógicas concretas possam ser pensadas, analisadas e discutidas. Cabe à Universidade, através da pesquisa e da extensão, manter contato e diálogo com as escolas, para que novas perspectivas do ensino de Língua Inglesa possam ser adotadas e implementadas.

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Disciplina escolar, Língua Inglesa, Livro Didático

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