60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia

MULHER DE BANDIDO: UMA CATEGORIA ESTIGMATIZADA

LAIZA MARA NEVES SPAGNA3
LOURDES MARIA BANDEIRA2

1. NEPEM - UnB
2. Profa. Dra. - Departamento de Sociologia - UnB - Orientadora
3. Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher - NEPEM - UnB


INTRODUÇÃO:
Na perspectiva de Goffman (1985), indivíduos submetidos ao sistema de detenção nas chamadas Instituições Totais são privados do contato com a realidade social externa e submetidos a processos de socialização que levam à desconstrução de suas identidades subjetivas, no sentido de despojá-los do respectivo “eu” até então socialmente construído. Por isso, o apelo que os internos fazem apelos explícitos a estratégias de resgate das identidades é explícito, principalmente em tentativas de reproduzir o antigo ambiente social habitado. Nesse sentido, é notória a importância das visitas feitas periodicamente por familiares e afetos, pois permite que os detentos entrem em contato uma pequena reprodução da realidade externa, remetendo-os aos cenários e situações sociais anteriormente vivenciados. O presente trabalho aborda a temática das relações entre violência, gênero e estigma, centrando-se nas condições de vida das mulheres que visitam periodicamente os detentos do Complexo Penitenciário da Papuda/DF. Esse segmento feminino estudado é composto por aquelas que mantêm vínculos afetivos com os internos, desafiando as complicações sociais que acompanham esse papel. E assim, são socialmente categorizadas como “mulher de bandido”.

METODOLOGIA:
Em termos metodológicos, foram utilizadas duas estratégias fundamentais: um estudo de caráter quantitativo dos indivíduos que fazem visitas freqüentes aos internos da Papuda; e uma abordagem qualitativa, que permitiu maior contato com aquela realidade. Como instrumentos metodológicos foram aplicados 50 questionários fechados aplicados a uma amostra de 10% da população total, para traçar de perfil socioeconômico dos visitantes. A desproporção observada na categoria gênero, pela contrastantemente maioria de mulheres, fundamentou o recorte empírico: foram escolhidas 27 mulheres para a realização de entrevistas semi-diretivas, em profundidade e análise de discurso, buscando-se a maior variabilidade possível das categorias idade, raça e classe. Adotou-se como objeto a categoria “mulher de bandido”, entendida como um conjunto de caracteres estigmatizantes, atribuídos às visitantes pela “marginalidade” a que permanecem vinculadas: a figura do detento. Finalmente, foram realizadas observações etnográficas durante o processo de visitação e a filmagem dessa experiência. A fim de identificar os impactos advindos da detenção de seu companheiro e da manutenção de um vínculo, buscou-se constatar como suas identidades são reconstruídas a partir deste evento.

RESULTADOS:
Após a análise dos dados obtidos foi possível traçar o perfil geral das visitas: são mulheres, negras, mães solteiras, jovens, de classe baixa, empregadas informalmente. A análise dos discursos comprovou a importância das visitas: são a base de sustentação material, moral, psicológica e afetiva dos internos. Entretanto, o vínculo com o detendo gera, para a visitante, um atributo socialmente condenável, pois passam a ser identificadas com a condição do relativo detento. Os discursos enfatizaram os impactos socialmente nocivos à representação do eu, advindos da incorporação de um aspecto desvalorizante à identidade subjetiva. Este papel social gera uma série de complicadores sociais, políticos e econômicos, que alteram toda sua rotina de vida. As motivações dessas visitas foram diferenciadas em três categorias ideais: o vínculo amoroso, o medo - as ameaças e chantagens feitas pelos detentos, e o sentimento de vingança oriundo da prerrogativa de inversão dos papéis de dominação. O mais impressionante foi a seguinte constatação geral: caso elas estivessem presas, o respectivo companheiro jamais se submeteria a essa rotina de visitas. E ainda assim, se mostraram comprometidas a continuar visitando até que o interno cumpra toda a pena.

CONCLUSÕES:
Pode-se dizer que as mulheres caracterizadas como “mulheres de bandido” acabam coagidas por uma nova identidade social virtual que, geralmente, entra em conflito com a identidade social real, por se tratar de uma categorização a priori. Assim, o que se identificou com maior intensidade nos discursos foi a tentativa de manutenção da identidade anterior, resistindo ao estereótipo socialmente imposto. A publicização de sua condição submete-as a diferentes expressões de violências simbólicas cotidianas. Em contrapartida, apresentam um contínuo esforço em se mostrar como portadoras de um perfil social confiável, que acaba por se naturalizar como mecanismo rotineiro. Configura-se aí uma representação social de difícil sustentação. De um lado as mulheres se sentem impelidas a sustentar a manutenção de um vínculo afetivo com o detento, que as investe de um sentimento de dedicação ao companheiro, provocando a redimensionalização de sua imagem pública e privada. Ao mesmo tempo, enfrentam a luta diária pela reconstrução de sua antiga apresentação social, em repúdio ao estereótipo de “mulher de bandido”.

Instituição de fomento: PIC - UnB

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  violência, gênero, estigma

E-mail para contato: laizaspagna@gmail.com