60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação

EXCLUSÃO SOCIAL, VULNERABILIDADE À EXCLUSÃO ESCOLAR E PSICANÁLISE: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O DIA-A-DIA DA ESCOLA

Ana Archangelo1

1. Departamento de Psicologia Educacional - Faculdade de Educação-UNICAMP


INTRODUÇÃO:
O conceito de exclusão social remete à discussão das novas feições da pobreza e da desigualdade em suas dimensões objetivas, restando ainda um campo aberto a ser explorado para a apreensão e compreensão dos processos subjetivos que diferenciam social e individualmente grupos e segmentos que, cada vez mais, perdem seu lugar e suas referências enquanto atores/participantes de uma dada comunidade de valores. É um processo social dinâmico, multidimensional, relacional e incapacitante, que envolve uma progressiva perda de autonomia e de sentimento de valor, com repercussões profundas na capacidade de tomada de decisão sobre rumos da própria vida e da daqueles sob a responsabilidade do sujeito. A escola, como instituição histórica e socialmente determinada, não passa alheia a tal processo. São muitas as crianças que hoje apresentam sérias dificuldades - as quais tomam diferentes formas - em usufruir positivamente do ambiente escolar. Apesar de identificarem esse quadro, os professores, em geral, sentem-se incapazes de entender as diferentes dinâmicas pelas quais ele se explica. Em todos os casos, temos professores e alunos em situação de sofrimento. À luz da psicanálise, o presente estudo investigou como o processo de exclusão social repercute em crianças consideradas pela escola vulneráveis à evasão escolar e como a escola se organiza para agir em função dessa vulnerabilidade.

METODOLOGIA:
Tal trabalho foi desenvolvido em uma escola pública do município de Campinas, situada em uma área de alta exclusão social, com professoras e alunos de 1ª a 3ª séries do Ensino Fundamental, e teve a duração de, aproximadamente, dois anos. A escolha das crianças participantes do estudo foi feita de acordo com a indicação das professoras, as quais utilizaram a seguinte pergunta como critério: ‘que aluno mais me preocupa na sala de aula, não apenas por perceber nele extrema dificuldade em aprender, como também, e em especial, por eu sentir já ter esgotado todos os meus recursos de educadora com ele?’ Com a contribuição da Psicanálise e mediante o acompanhamento das atividades desenvolvidas (encontros lúdicos individuais semanais com as crianças, observação eventual em sala de aula, entrevistas com pais ou responsáveis e, fundamentalmente, reuniões semanais com as professoras, nas quais era problematizada a compreensão que construíam sobre a situação de seus alunos, bem como as formas encontradas por elas para enfrentar as dificuldades apresentadas por eles), foi elaborada uma análise de alguns dos impactos da exclusão social sobre os aspectos afetivos envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem.

RESULTADOS:
A violência da experiência de exclusão impõe às crianças a experiência do não-ser. A relação com um mundo adulto, não apenas interindividual, mas social, significativo e que signifique a experiência é negada a esses sujeitos, os quais se constituem psiquicamente sobre um amontoado de coisas dispersas e sem sentido. A partir daí, o processo de desenvolvimento, o qual deveria provocar encantamento e curiosidade, provoca angústia, numa intensidade intolerável para o psiquismo infantil. O aplacamento dessa angústia tende a ser feito mediante o uso de mecanismos de defesa que empobrecem ainda mais um ego já devastado pela violência da exclusão. Isso se evidencia em traços comuns entre as crianças investigadas, dos quais derivariam a capacidade para aprender e para pensar: 1. a dificuldade para brincar (os objetos e as pessoas não evocam um mundo a ser criado; são apenas fragmentos concretos e desconectados do processo criativo); 2. a ‘falta de memória’ (tomada aqui como ausência de uma memória de si mesmo, o que se reflete na extrema dificuldade em guardar para si as experiências de sala de aula); 3. a ausência de narrativa (como atividade que preserva a memória de si mesmo. Se não há o que ser contado, para quê aprender a escrever?).

CONCLUSÕES:
Apesar de minoritário na sala de aula, esse grupo deve ser atendido em suas necessidades específicas. Uma abordagem estritamente didático-pedagógica dessa situação não é suficiente. Será importante que a instituição escolar se volte para essas crianças a partir de um novo vértice, uma nova perspectiva, em que a cognição seja vista como uma capacidade que se forma em consonância com o processamento mental das experiências mais primitivas do sujeito. Dessa compreensão decorre a possibilidade de um contato menos prescritivo e mais interpretativo na relação aluno-professor; um contato que permita ao primeiro ter no segundo essa ancoragem para a produção de significados sobre si mesmo. É consensual a idéia de que todas as crianças merecem o mesmo acesso aos bens culturais de que dispomos, e que nossa sociedade (incluindo-se aqui as práticas da pesquisa acadêmica), deva envidar todos os esforços para que tal acesso se concretize; mesmo que isso implique a necessidade de formulação de modelos explicativos e práticas educativas destinados a parcelas reduzidas do universo de estudantes. Trata-se de uma dívida contraída por fazermos parte de uma sociedade severamente desigual e, portanto, da responsabilidade de todos pelos danos causados a alguns pela exclusão.

Instituição de fomento: FAPESP



Palavras-chave:  Psicanálise e Educação, Exclusão Social, Dificuldade de Aprendizagem

E-mail para contato: ana.archangelo@uol.com.br