60ª Reunião Anual da SBPC




D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 5. Saúde Coletiva

O ALCOOLISMO É UMA “DOENÇA DA FAMÍLIA”: OS SENTIDOS DA MATERNIDADE E DA PATERNIDADE NO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

Lidiane Mello de Castro1
Edemilson Antunes de Campos2

1. Universidade de São Paulo -Escola de Artes, Ciências e Humanidades - Obstetrícia
2. Prof. Dr. - Obstetrícia- USP -Orientador


INTRODUÇÃO:
O alcoolismo é considerado um dos mais sérios problemas de saúde pública da atualidade, tendo despertado a atenção de autoridades médicas e sanitárias de diversos países. No Brasil, segundo as informações disponíveis, 12,3% da população é dependente do álcool, e a prevalência da dependência está na faixa etária de 18 a 24 anos, com um total de 19,2%. Todavia, se é certa a prevalência do problema do alcoolismo nos dias atuais, notadamente na sociedade brasileira, ainda são raros os estudos que se ocupam da alcoolização crônica bem como das estratégias terapêuticas utilizadas pelos AAs a partir da análise dos códigos sociais e culturais que conformam o processo saúde-doença. O objetivo desta pesquisa é o de compreender a maneira como o uso crônico do álcool afeta a esfera da vida social da família, considerando sua influência sobre os significados da maternidade e da paternidade. Busca-se, assim, contribuir para o enriquecimento do repertório existente sobre as práticas e os mecanismos simbólicos fabricados para dar conta do alcoolismo, visando o estabelecimento de políticas públicas de saúde que possam efetivamente minorar os problemas que ele gera na organização e na estrutura familiar.

METODOLOGIA:
Este estudo baseia-se em uma pesquisa qualitativa em grupos de A.A., localizados na zona leste, nos bairros da Penha, Cangaíba, Ermelino Matarazzo, São Miguel e Sapopemba, bem como com familiares de membros desses grupos. A metodologia de pesquisa contou: a) Prática da observação participante nos grupos, por meio da freqüência do pesquisador às diversas atividades. O acesso aos grupos será a partir de uma autorização solicitada via carta, junto ao Escritório de Serviços Locais de Alcoólicos Anônimos; b) Entrevistas com membros de A.A. e seus familiares, notadamente esposa(o) e filhos para aqueles membros que são casados, e pai, mãe e irmãos para os membros que são solteiros. Foi solicitado consentimento dos membros do grupo e de seus familiares para a realização das entrevistas, que foram feitas primeiramente com os membros de A.A. na própria irmandade e, posteriormente, com seus familiares, em suas residências, de forma individual e semi-estruturada, sendo gravadas e, posteriormente, transcritas; c) Levantamento bibliográfico da literatura nacional e internacional sobre os efeitos do uso crônico do álcool sobre a esfera familiar; d) Análise sistemática dos dados epidemiológicos sobre a morte provocada por “doença alcoólica”.

RESULTADOS:
Os membros de A.A se reconhecem como “doentes alcoólicos em recuperação”, isto é, como portadores de uma doença incurável, de um mal que está alojado dentro de cada um e com o qual deverão aprender a conviver. É, portanto, no interior do grupo de A.A. que os indivíduos legitimam sua condição de doentes, atribuindo significados próprios à experiência do alcoolismo, ao mesmo tempo em que reorientam suas condutas, redesenhando os contornos de sua construção subjetiva. Nessa linha, a saúde e a doença são realidades simbolicamente construídas tanto por condições físicas quanto pelas relações sociais e culturais, no interior das quais os indivíduos inserem e modulam sua subjetividade. O alcoolismo é concebido como uma “doença da família”: uma doença “física” e “moral” que, além de atingir o indivíduo doente, também afeta as relações familiares nas quais ele está envolvido, impedindo-o de exercer as identidades sociais de “pai/mãe”, “esposo(a)” e “trabalhador(a)”. A categorização do alcoolismo como uma “doença da família” possui um valor heurístico, uma vez que permite entrever os sentidos do adoecer e do sofrimento, fundados nos valores diferenciais que conformam o contexto sociocultural no qual os AAs estão envolvidos, incidindo sobre a construção da maternidade e da paternidade.

CONCLUSÕES:
No interior do modelo terapêutico de A.A., o alcoolismo é concebido como uma “doença da família”, uma doença que, além de atingir o indivíduo considerado doente, afeta também as relações sociais – familiares e profissionais, nas quais ele está envolvido. A pesquisa mostra, assim, a maneira através da qual o alcoolismo incide diretamente sobre as noções de maternidade e paternidade, redefinindo os contornos das identidades sociais de “mãe” e de “pai”. Nesse cenário, o grupo de A.A. opera como um universo social com representações, símbolos e valores próprios, que proporciona aos seus membros a possibilidade de reorganizarem suas condutas, atribuindo significados próprios à experiência do alcoolismo, ligados diretamente aos valores que conformam o universo sociocultural no qual os membros de A.A. estão inseridos, a fim de torná-los sujeitos responsáveis pelos cuidados da própria saúde e de sua família.

Instituição de fomento: Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP 07/55991-0

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Alcoolismo, Família, Processo Saúde-Doença

E-mail para contato: lidianeoz@usp.br