60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social

CONSELHOS DE DIREITOS: INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS X PRÁTICAS AUTORITÁRIAS.

Telma Regina de Paula Souza1

1. Universidade Metodista de Piracicaba.


INTRODUÇÃO:
Forjados no processo de redemocratização do Estado brasileiro, os Conselhos de Direitos se constituíram como espaços de participação da sociedade civil organizada na formulação e deliberação de políticas públicas setoriais. Buscamos compreender, através de um estudo de caso, como esse papel tem sido realizado em um Estado funcionalmente burocrático e sustentado por elites historicamente no poder. Estamos tratando como burocrático, um Estado que se move através de “um governo que se explica por meio das regras e das racionalidades que derivam de procedimentos fixos e de comportamentos planificados nas mãos de um corpo de funcionários ordenados de maneira hierárquica” (POMBENI, 1997, pg. 56), que, no Estado de Direito, em tese, deveria garantir a racionalidade das decisões de forma compatível com o Estado de Direitos, ou seja, sem cair nas armadilhas da burocracia que torna impenetrável a gestão democrática do poder. Nossa pesquisa teve como um de seus objetivos compreender como um Conselho de Direitos, que tem o papel de definir Políticas Públicas e controlar o Executivo para que essas sejam cumpridas, pode garantir esse propósito quando esse comporta a representação do Executivo que, inclusive, lhe fornece (ou não) os recursos financeiros para seu próprio exercício.

METODOLOGIA:
Trabalhamos com uma metodologia qualitativa usando para coletas dos dados: entrevistas semi-dirigidas com os integrantes do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Piracicaba (CMDCA) ─ representantes do poder público e da sociedade civil ─, observação das reuniões ordinárias e extraordinárias desse Conselho, no período de dois anos, e documentos que tivemos acesso desse Conselho, especialmente as atas das reuniões. As entrevistas foram áudio-gravadas, sistematizadas e analisadas com base em uma hermenêutica dos discursos dos entrevistados, fundamentada nos conhecimentos das Ciências Humanas e Sociais, assim como na Filosofia Política. As observações foram registradas em diário de campo e deram apoio ao trabalho de articulação dos dados das entrevistas e dos dados documentais, pois nos revelaram com mais clareza a dinâmica relacional dentro dos Conselhos, especialmente o antagonismo entre poder público e sociedade civil. O projeto de pesquisa foi apresentado ao CMDCA, que deu sua anuência para a realização da pesquisa, e todos os entrevistados foram esclarecidos sobre a pesquisa e consentiram em participar, respeitando-se a Resolução nº 196/96 do CNS.

RESULTADOS:
Os dados analisados revelam que as Políticas Públicas têm sido forjadas “nas barbas” dos Conselhos Gestores de Direitos, as vezes, a revelia do próprio Poder Legislativo. Parece-nos que as formas de controle do que pode ser entendido como improbidade administrativa são insuficientes e temos a formulação de Políticas de Governos e não de Estado, como muitas análises indicam; um Estado que pressupõe a articulação dos Três Poderes, mas que se rende aos operadores da burocracia (supostamente com competência técnica) contratados pelo Executivo. Neste sentido, o Executivo, representado pelos interesses “de partes” (supostamente diferenciadas nos Partidos Políticos) e pensado pelos técnicos especializados nos diversos setores que compõem o “espaço público” (do ecossistema à vida sexual), atua discricionariamente, ou seja, sem restrições, portanto, de forma autoritária, e os Conselhos de Direitos são usados para encobrir esse crime político. Em outra faceta do político, a sociedade civil, buscando um espaço de cidadania ou como movimento contra-hegemônico, constitui uma arena de antagonismos contra o Estado, ou melhor, muitas vezes, contra a insuficiência do Estado, e ocupou espaços nos Conselhos, mas isso nem sempre garante real participação nas decisões que definem a Políticas Públicas.

CONCLUSÕES:
Em parte, a problemática se delineia na qualidade da participação (distante do discurso forjado pelos técnicos especializados), mas parece-nos central que o maior problema está na própria idéia de representação dentro dos Conselhos. Observamos uma representação assentada em interesses particulares reconhecidos a partir do discurso da sociedade enquanto heterogênea, plural, mas passível de unificação através da cidadania. Nesse discurso, o reconhecimento da diversidade (cultural, étnica, de gênero, religiosa, ou o que seja) parece-nos uma forma de neutralizar a frustração ou revolta diante da impossibilidade de uma cidadania universal. A cidadania coloca-se na suposta “abertura democrática”, e trazendo os “insatisfeitos” para dentro das instâncias da política, eles “participam” da legitimação do poder de um Estado insuficiente, ou de um Estado em crise. Os representantes da sociedade civil não se reconhecem como uma comunidade política, são assim presas fáceis dos discursos demagógicos, por vezes representado nas próprias regras do jogo democrático, mas que não se convertem em uma cultura política democrática, ou seja, mantém-se, com isso, os traços autoritários historicamente presentes na esfera pública brasileira.

Instituição de fomento: Fundo de Apoio à Pesquisa da UNIMEP



Palavras-chave:  Conselhos de Direitos, Instituições democráticas, Práticas autoritárias

E-mail para contato: trsouza@unimep.br