60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 5. Semiótica - 1. Semiótica

LEONARDO DA VINCI E FRANKENSTEIN: UMA ANÁLISE SEMIÓTICA

Sady Carlos de Souza Júnior1

1. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / USP


INTRODUÇÃO:
É conhecida a versatilidade dos trabalhos pioneiros de Leonardo da Vinci - um exemplo do homem renascentista que ficou entre nós. Duas grandes produções de Leonardo da Vinci compõem o Codex Atlanticus e o Codex Madrid I, que reunidas, obtêm-se as amostras de uma análise semiótica do seu discurso. São três as divisões que analisamos: 1) as proporções antropométricas - de uso nas artes, 2) os desenhos anatômicos da fisiologia da vida orgânica - de uso nas áreas médicas, e 3) os estudos técnicos, mecânicos e científicos, - da engenharia. Com isto ele precisou equipamentos novos ou invenções mecânicas. Sendo esta última a parte mais vasta de sua produção: mais de mil folhas de estudos técnicos, mecânicos e científicos. Objetivamos buscar referências intercambiáveis significativas em Leonardo da Vinci consoante sua produção ilustrativa nestes três níveis citados. Vimos que há uma preocupação do reter conhecimentos sobre a fisiologia orgânica para dominá-la, e quiçá reproduzi-la numa graduação em que o ideal seja a reconstituição física do homem, ainda que imperfeita.

METODOLOGIA:
Aplicamos a metodologia greimasiana da análise semiótica do discurso a fim de coligir argumentos pelo programa narrativo do sequenciamento das obras de Da Vinci. Sua obra suscita alguns apontamentos e instigações do qual anotamos e reconduzímo-lo a uma sucinta análise de modo a despertar uma outra faceta das relações metalingüísticas da significação do objeto. Portanto, inferimos a metodologia dedutiva (do geral para o particular), para a concepção hipotética, semiológica, corroborada nas atualizações narrativo-discursivas dos objetos comparados. Assim, levantamos pontos sintagmáticos aos movimentos, e à interpretação estética/funcional do uso, adicionando-lhes significação. Da Vinci ficou conhecido não apenas pela quantidade de sua produção, como também pela qualidade destes estudos. Entrementes, aqui especulamos a semiose da sua produção nestas motivações possíveis. Os desenhos de Leonardo da Vinci exercem um fascínio por sua multiplicidade de práticas espalhadas em diversas áreas do conhecimento. No entanto, este aspecto multifacetário da semiótica complexa tendendo a outros mais variados usos corporificaria uma isotopia possível que aliará a definição da saúde médica do corpo à tecnologia de seu modelo. Resignificamos estas várias contribuições de Leonardo, para entrever a possibilidade de uma ligação entre seus estudos anatômicos, e o discurso incrível da reconstrução do homem após sua morte. O desejo de descobrir move Leonardo a investigar, através de restos mortais, ou de cadáveres recentes, o funcionamento das partes do corpo do homem e de alguns animais. Fez ele levantamentos dos estudos de proporção, da representação humana e aspectos anatômicos, como os estudos das estruturas fixas (esqueleto) e móveis do corpo (musculatura) através da suspensão da pele, de cortes sagitais e transversais. A situação metodológica do objeto em estudo, quando apreendido dedutivamente perfaz o caminho do geral para o particular, indo da ficção à realidade, ou seja, o exemplo de “Frankenstein” poderia ter saído de uma espécie de estudo tipo leonardiano. Assim como podemos dizer que os estudos de Leonardo da Vinci poderiam remontar a um ideal ficcional que é a reprodução/reconstituição da vida de um cadáver, poderíamos dizer que esta ficção também se deve a possibilidade de um estudo científico e da engenharia da volta à vida biológica atravessada pela morte. Desta forma, poderíamos refazer o fluxo dos “estudos de Leonardo” desembocando na ficção “Frankenstein”, como também o percurso contrário - a ficção “Frankenstein” será percebida como resultado dos estudos dos desmantelamentos anatômicos e reconstituições da engenharia de Leonardo. Por outro lado, do corpo ágil ao inerte, numa associação platônica, inferir-se-á, em Leonardo, que a Vida aponta para a Morte, assim como da Morte ressurgiria a Vida, face a requalificação semiótica dos meta-termos Vida/Morte, se fosse crível animar um cadáver.

RESULTADOS:
A anatomia e fisiologia orgânica se fariam compreender – pelos estudos biológicos, movimentos físicos e mentais humanos, mas, também, a partir do que vier a descobrir, reproduzindo um outro homem (inclusive seu interior), assim como ocorreu na pintura clássica, tendendo por sua perfectibilidade copiar o espaço semiótico da imagem: sua natureza e cultura. A enunciação semiótica derivada da percepção no discurso sincrético, dos seus vários significantes, nos adverte da possibilidade de uma motivação maior, em Leonardo, do que uma simples formalização de descrição da forma humana através dos traços da pena. Esta percepção que descrevemos explora melhor a capacidade pragmática de Leonardo ao unificarmos seu domínio multifacetário da procura do saber, com as várias modalidades discursivas, exigindo, francamente, a reunião de diversos fatores, para a interpretação sígnica na enunciação. Tomemos o exemplo de algumas ilustrações, em especial os atinentes à reprodução humana, onde aparecem o coito, o útero, e o feto. Estas ilustrações retêm “n” sentidos de usos musculares em vida, proporcionando outras justificativas do que Leonardo pretenderia ao formalizá-la. Ele explica as reações desenhadas como quando em funcionamento. Contém nelas as palavras chaves do que resumiria o significado do objeto. Além disso, um resultado de “n” desenhos repetidos poderá eleger um outro teor semântico centrado no seu estudo da dissecação de cadáveres. A atitude de se aproveitar do roubo de cadáveres de condenados pela justiça, ou do assalto à necrotérios, geraria um desvio de valores morais frente sua proibição, e que complementaria as articulações dos metatermos contraditórios: Vida/Morte nesta avaliação. Ressaltamos o caráter do medo e horror nesta atitude do explorar a Morte, que reviverá, o ideário de Mary Shelley em seu “Frankenstein”, e que numa abordagem pseudo-científica, dará um sentido de transdução ao ser humano, de suas capacidades, e da ressignificação da vida através da morte, ao superá-la pelas partes anatômicas remontadas.

CONCLUSÕES:
Os vários elementos extralingüísticos atestam que os dados significativos retirados ou produzidos, e reatualizados, conferem a possibilidade de, através destes, reconhecermos - sempre amparados pelos conhecimentos que subjazem a motivação do observador - indícios potenciais de novos recortes, aperfeiçoando nossa visão de mundo na produção do objeto, bem como na sua metodologia e análise. A medida que investiga o organismo humano através de sua origem sexual, no feto, nos aparelhos reprodutores masculinos e femininos, ele depreende as forças do movimento muscular e as forças da vida interior. Suporia Leonardo que os conhecimentos dos mecanismos da física geradores da vida abririam caminho a que, frente aos estudos adquiridos nos meios técnicos e científicos, estariam dispostos a encontrar um dia num elo da vida, uma reconstituição, que é a reprodução do ser humano por uma cópia? Leonardo facultaria ao homem, no seu desejo de encontrar os significados mais íntimos da natureza humana, a tradução destes conhecimentos para a aperfeiçoamento da vida artificial humana, qual aconteceria depois, como ficção, na concepção da escritora romancista inglesa do século XX – Sra. Mary Shelley. Não há dúvida de que haveria em Leonardo uma probabilidade da incursão de um protótipo de um homem “mecânico” com suas predisposições naturais, e poupado da morte. Porém, estudando a vida idealmente, duas esperanças em tese se deparariam: a problematização do estancamento do avanço da morte, significando o prolongamento da vida, e a possibilidade da sua reordenação orgânica e manipulação.

Trabalho de Professor do Ensino Básico ou Técnico

Palavras-chave:  Frankenstein, Leonardo da vinci, Semiótica

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