60ª Reunião Anual da SBPC




F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 4. Tecnologia de Arquitetura e Urbanismo

O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: UM ESTUDO DE SUA CONCRETIZAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

LEDA LÚCIA SOARES1
MARINELLA MACHADO ARAÚJO2
LUCIANA DA SILVA COSTA1
ANAXIMANDRO LOURENÇO DE AZEVEDO FERES1

1. Faculdade Mineira de Direito / PUC Minas
2. Faculdade Mineria de Direito / Programa de Pós-Graduação em Direito / PUC Minas


INTRODUÇÃO:
O objetivo da pesquisa foi analisar a concretização do princípio da função social da propriedade pelo Poder Judiciário Brasileiro e Mineiro, visando identificar em que medida este princípio constitucional pode ser considerado um direito efetivo no paradigma do Estado Democrático de Direito. Partiu-se da hipótese que as decisões judiciais proferidas não refletem a efetivação da norma, por não demonstrarem sua concretização a partir de uma hermenêutica capaz de dar respostas adequadas aos problemas complexos, únicos e irrepetíveis que se apresentam no âmbito dessa temática. A pesquisa estrutura-se na teoria concretista da interpretação, sustentada por Friedrich Müller e Konrad Hesse, segundo a qual a norma não preexiste à realidade, mas é construída a partir dela. A construção do significado da norma se dá através de um procedimento racional de concretização, que envolve a análise dos textos normativos e das características relevantes do caso concreto, as pré-compreensões do operador do direito, e a utilização de todos os elementos hermenêuticos disponíveis. Também foi adotada como marco teórico a teoria da argumentação proposta por Ronald Dworkin, segundo a qual o esforço interpretativo em torno de novos casos concretos promove a construção e reconstrução permanente do direito no contexto de aplicação. O mapeamento das tendências interpretativas no contexto de aplicação, investigado a partir do marco teórico adotado, ratificou a hipótese da pesquisa.

METODOLOGIA:
Utilizou-se como procedimentos metodológicos a análise bibliográfica e documental, investigando-se dados primários e secundários. Realizou-se a revisão bibliográfica das teorias que compõem o marco teórico e, em especial, das seguintes categorias: norma; princípio da função social da propriedade; procedimento racional de concretização. Posteriormente, foi feito um levantamento das decisões proferidas pelo Poder Judiciário no biênio 2004-2005. As decisões foram colhidas no âmbito estadual; realizando-se o levantamento e a análise de todas as decisões referentes à propriedade proferidas pelo Poder Judiciário de Minas Gerais, no primeiro grau de jurisdição (Comarca de Arcos - MG, escolhida intencionalmente); e no segundo grau de jurisdição (Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG), analisando todas as decisões referentes à propriedade para verificar a quais casos foi aplicado o princípio estudado, sendo posteriormente analisadas as decisões que o aplicavam para verificar a compreensão acerca de seu significado. No âmbito Federal realizou-se o levantamento das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), utilizando-se, na análise das decisões, o mesmo procedimento utilizado para as decisões do Tribunal Estadual. Após o levantamento e análise das decisões que demonstravam a aplicação do princípio investigado, desenhou-se um mapa de tendências interpretativas.

RESULTADOS:
Verificou-se que o Poder Judiciário não interpreta o princípio da função social da propriedade no plano local (Comarca de Primeira Instância); o Tribunal Estadual recusa-se a aplicá-lo a conflitos que envolvam movimentos sociais organizados em torno da questão fundiária; os Tribunais Superiores também se negam a aplicar esta norma constitucional quando se trata de atuação de movimentos sociais desta natureza. Verificam-se dois grandes espaços de efetivação do princípio da função social da propriedade: um significado constitucionalmente fundado é reconhecido a todos os conflitos (não obstante a ausência de exposição dos métodos decisórios), excetuando-se, porém, do espaço de incidência deste princípio a atuação de movimentos sociais organizados. A análise das decisões judiciais demonstra que as situações concretas, bem como as pré-compreensões do intérprete, são fatores determinantes para o conteúdo da decisão. Porém, a interferência dessas variáveis nas decisões estudadas não resulta de um procedimento racionalmente verificável, nos moldes definidos pela pesquisa. Isto propicia a existência de decisões baseadas em valores pessoais do intérprete e dados da realidade, cuja juridicidade, porém, não pode ser aferida em razão da falta de fundamentação que reflita integralmente o processo de concretização. Tais interferências se dão, portanto, de forma inadequada, considerados os pressupostos de um decisão adequada no Estado Democrático de Direito.

CONCLUSÕES:
No Estado Democrático de Direito, a necessidade de garantia efetiva dos direitos e a abertura semântica da norma jurídica exigem que o intérprete tenha uma função criadora na busca da decisão adequada, sem se desprender dos limites estabelecidos pelo texto constitucional. Isto requer um processo decisório que permita a verificação da correção da resposta dada ao conflito, caracterizando-se pela exposição dos métodos de interpretação utilizados, dos textos jurídicos e das circunstâncias fáticas relevantes consideradas. A racionalidade da decisão é aferida na fundamentação do intérprete acerca desses elementos. A dimensão construtiva do trabalho judicial a ser promovida em favor da efetividade da Constituição tem se constituído em forma de manutenção de uma concepção inadequada acerca da propriedade quando seus contornos são discutidos por movimentos sociais. As tendências de aplicação do princípio ratificam a hipótese de pesquisa, demonstrando a inadequação dos métodos decisórios utilizados pelo Poder Judiciário Brasileiro na sua concretização. Os resultados da pesquisa demonstram ainda a necessidade de uma mudança na atuação do Poder Judiciário em favor da efetividade constitucional. Esta mudança apresenta-se necessária para que seja amenizado o fosso entre os direitos constitucionalmente garantidos e a realidade social no que diz respeito à propriedade privada no Brasil, exigência fundamental no contexto do Estado Democrático de Direito.

Instituição de fomento: PUC MINAS / CNPQ

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Estado Democrático de Direito, Função Social da Propriedade, Teorias concretistas

E-mail para contato: leda_arcos@yahoo.com.br