60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira

UMA PROBLEMÁTICA ACERCA DO INTELECTUAL EM “UM DISCURSO SOBRE O MÉTODO”, DE SÉRGIO SANT’ANNA

Paloma Amorim da Silva1

1. Universidade de Brasília - UnB


INTRODUÇÃO:
A discussão em torno da razão e da ciência em confronto com a arte é comum entre filósofos e artistas. Friedrich Nietzsche fez questionamentos dessa natureza em seus escritos, especialmente em “Verdade e mentira no sentido extramoral”, em que discute os postulados científicos que estabelecem verdades sobre os fenômenos e os objetos. Em consonância com essas idéias, Sérgio Sant’Anna, em “Um discurso sobre o método”, constrói um narrador intelectual conhecedor de conceitos científicos, que, com os quais, constrói seu discurso a respeito do personagem principal do conto. O objetivo deste trabalho é investigar como o referido conto de Sant’Anna se relaciona com as idéias de Nietzsche no texto “Verdade e mentira no sentido extramoral”. Os dois têm em comum a crítica ao cientificismo, ao racionalismo e aos conceitos teóricos produzidos pelos homens da razão. Nesta perspectiva, o trabalho investiga como a literatura de Sant’Anna em “Um discurso sobre o método” internaliza estética e estruturalmente, em sua narrativa, essa problemática. A pesquisa é relevante por contribuir com o arcabouço crítico e teórico a respeito da literatura contemporânea, representada aqui pelo autor Sérgio Sant’Anna, significativo escritor da contemporaneidade literária brasileira.

METODOLOGIA:
Para a realização deste trabalho, foi analisado o conto “Um discurso sobre o método”, de Sérgio Sant’Anna, de forma a perceber sua construção literária, para apreender os sentidos e as escolhas estéticas do autor que produziram os efeitos discursivos e de sentido da narrativa. Do texto “Verdade e mentira no sentido extramoral” foram utilizadas as idéias centrais que o norteiam e que convergem com as idéias do conto de Sant’Anna. Uma bibliografia de apoio foi consultada, com o fim de possibilitar compreensão mais rica sobre o conto, dentre elas está o texto de Mieke Bal, “Morrer de medo” (Humanidades nª49 Janeiro 2003, p. 31).

RESULTADOS:
O narrador de “Um discurso sobre o método”, em sua narrativa, é um intelectual que faz divagações filosóficas a respeito do homem limpador de vidros que se sentou na marquise para fumar o resto de seu cigarro. Quando o narrador faz referências ao empregado da limpadora, ele usa discursos filosóficos e racionais de maneira superficial, de modo que soam ao leitor como clichês intelectuais que se cristalizaram e tornaram-se rasos. Dessa forma, o texto deixa de ser somente uma narrativa ingênua sobre um empregado de uma limpadora de vidros, e passa então a ser uma discussão acerca do mundo da razão, da ciência e das teorias, sendo, então, o mundo dos intelectuais. Tendo em vista a forma com que foi construído – um narrador intelectual se referindo a correntes filosóficas apresentadas quando o narrador se refere ao seu personagem – o conto foi aproximado do texto de Nietzsche porque este encara as verdades como sendo metáforas que se deterioraram com o uso, ao longo do tempo. Nesta perspectiva, os conceitos utilizados pelo narrador de Sant’Anna são empregados como metáforas gastas, utilizadas sem critério e sem cuidado. Assim o narrador é também exemplo de intelectual que usa metáforas que se estabeleceram como verdades, e ao faze-lo (de maneira irônica) ele também age como um fabricador delas, à medida que cola em seu discurso vários outros que, racionalmente, não passam de velhas metáforas, verdades antigas e, pelo uso, antiquadas.

CONCLUSÕES:
Tomando de empréstimo a idéia de Mieke Bal, o qual argumenta que conceitos são metáforas; a de Nietzsche, para o qual a verdade é metáforas antigas, usadas, a conclusão a que se chegou na análise de “Um discurso sobre o método”, sob essa perspectiva, é a de que o conto quer discutir a situação do intelectual no mundo, considerando ser ele o homem que trabalha com as idéias, num mundo material desigual, desumano. Assim, o intelectual encontra-se em situação confortável em relação a outros indivíduos, que, tal qual o homem da marquise do conto, estão simetricamente opostos em relação a ele. Para mostrar isso, os discursos filosóficos do conto foram construídos exageradamente, como se não estivessem em consonância com a totalidade da narrativa, ficando decalcadas as idéias contidas nos discursos teóricos apresentados pelo narrador, como se o mundo das idéias não fosse compatível com o mundo material, no qual se insere o limpador de vidros. Neste quadro o intelectual está confortável com suas idéias e seu mundo, e por meio delas se porta diante do real e de situações não tão agradáveis a ele, como as desigualdades sociais, por exemplo. O conto então reclama desta comodidade na qual o intelectual pode se encontrar. Mas, ao mesmo tempo, mostra seu poder de protelar contra esse comodismo. No conto isso acontece de forma a ironizar os discursos intelectuais, sendo ao mesmo tempo parte deles, se auto-ironizando.



Palavras-chave:  Sérgio Sant’Anna, metáforas, intelectual

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