60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 5. Antropologia Urbana

IMPONDERÁVEIS, AMBIGUIDADES E DIFERENÇAS: A RELAÇÃO SOCIAL ENTRE EMPREGADA DOMÉSTICA E INTEGRANTES DA FAMÍLIA EMPREGADORA

Eduardo Name Risk1
Geraldo Romanelli1, 2

1. Departamento de Psicologia e Educação/FFCLRP-USP
2. Prof. Dr. / Orientador


INTRODUÇÃO:
O trabalho realizado por empregadas domésticas constitui-se como conjunto de tarefas prestadas para as famílias das patroas e é essencial para a reprodução biológica e social dessas famílias. Essa atividade é marcada por tensões constantes entre os agentes nela envolvidos. No plano das relações pessoais, uma mulher realiza atividades domésticas, sob as ordens de outra mulher, igualadas da perspectiva das relações de gênero, mas socialmente desiguais. O atributo de gênero comum possibilita reconhecimento da condição de semelhança entre ambas, ao mesmo tempo em que a diversidade de condição social, estilo de vida, raça/etnia estabelece diferença e desigualdade. Ao mesmo tempo, a prestadora de serviços mantém contatos com outros membros da família empregadora e que são variáveis conforme o gênero e a idade deles. No plano informal das relações de trabalho, o confronto aberto entre as partes resulta de críticas ao modo como a prestadora de serviços realiza certas tarefas ou decorre da omissão da empregadora em cumprir os parcos direitos trabalhistas das empregadas domésticas. Frente a essa situação desigual e para se defenderem de abusos, muitas vezes as empregadas não se opõem diretamente às ordens da patroa, mas agem de modo indireto realizando parcialmente suas atribuições. Considerando essas relações, esta pesquisa analisou como empregadas domésticas mensalistas vivenciam, descrevem e interpretam sua relação com os membros da família empregadora.

METODOLOGIA:
A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas, gravadas e transcritas na íntegra, realizadas na residência das participantes. Foram entrevistadas nove empregadas domésticas mensalistas, residentes em dois bairros da periferia de Ribeirão Preto-SP. Também foi utilizada a observação nos bairros em que as entrevistadas moravam, além de observação dissimulada. Essa forma de observação foi efetuada em diversas ocasiões em que o pesquisador, mantendo-se incógnito e sem intervenção direta, documentou e registrou em diário de campo conversas entre empregadas domésticas, que não foram entrevistadas, durante viagens de ônibus urbano que as levavam ao trabalho. Cinco entrevistadas eram casadas legalmente ou viviam consensualmente com um companheiro e quatro eram separadas. A maior parte das entrevistadas não concluiu o ensino fundamental e recebia, em média, um salário mínimo e meio. Todas tinham filhos de diversas idades. Em geral, as filhas e filhos jovens que trabalhavam contribuíam financeiramente para o orçamento doméstico e os demais, além de estudarem, auxiliavam na organização da casa e nos cuidados dos irmãos menores, sobretudo as meninas. Os dados foram analisados conforme a temática e de acordo com os referenciais teóricos da Antropologia.

RESULTADOS:
A análise dos dados mostra que o fato de as empregadas domésticas pertencerem a grupos sociais distintos dos de suas patroas, com estilo de vida diverso, leva-as a notar diferenças no modo como a casa de suas empregadoras é organizada, na qualidade da dieta alimentar, na presença de bens materiais dotados de alto valor simbólico. Em geral, as entrevistadas declararam ter bom contato com suas patroas, embora outras tenham relatado a existência de discussões, resultante das críticas feitas à forma como executam as atividades e também porque as empregadoras não cumpriam as obrigações trabalhistas, como concessão de férias, folgas e pagamento de 13º salário. Também foi possível documentar certa cumplicidade entre patroa e empregada, que se manifesta em conversas íntimas entre ambas e em relatos de problemas pessoais e familiares. Já o contato com o marido e com os filhos adultos da empregadora limita-se à transmissão de recados. Com as crianças, independentemente do sexo, a relação tende a ser de afeto e de cuidados. O registro de conversas entre o grupo de pares em linhas de ônibus permitiu ter acesso a comentários e críticas das empregadas sobre problemas no relacionamento com a patroa e com seus familiares, e que nem sempre apareceram nas entrevistas.

CONCLUSÕES:
Esta pesquisa permitiu evidenciar a complexidade do trabalho doméstico remunerado, marcado pela diferença de estilo de vida e freqüentemente pela diferença de raça/etnia entre empregada doméstica e patroa. O espaço social desse tipo de trabalho, realizado no interior da moradia de outra família, ao mesmo tempo em que torna a empregada afetivamente próxima à patroa e a seus familiares, também a exclui, pois ela é prestadora de serviços para a família, mas não é membro efetivo dela. Patroa e empregada simultaneamente compartilham atribuições semelhantes na família e foram socializadas para sua realização, mas as diferenças entre elas recortam a relação, trazendo à tona desigualdades sociais e culturais. O relacionamento distante com o patrão e com filhos adultos do sexo masculino denota a dupla dominação a que estas mulheres estão submetidas, em função do gênero e do pertencimento a um grupo social hierarquicamente subordinado ao da família empregadora. A sociabilidade com o grupo de pares permite que compartilhem suas experiências com a de seus pares, o que contribui para ampliar seus recursos para se defenderem de abusos das empregadoras. A realização de observação dissimulada permitiu captar imponderáveis desta relação social que dificilmente seriam apreensíveis através de entrevista, permitindo documentar que a combinação de diversas estratégias metodológicas (entrevista, observação no bairro, observação dissimulada) no estudo deste objeto é um caminho profícuo para sua compreensão.

Instituição de fomento: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica-CNPq

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  trabalho doméstico, família, gênero

E-mail para contato: eduardorisk@yahoo.com.br