60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 3. Cinema

O DOCUMENTÁRIO E A AUTO-REPRESENTATIVIDADE

Maria Ines Dieuzeide Santos Souza1
Alexandre Curtiss Alvarenga2

1. Departamento de Comunicação Social / UFES
2. Prof. Dr. - Departamento de Comunicação Social - UFES - Orientador


INTRODUÇÃO:
Vemos nos últimos anos um crescente interesse despertado pelos filmes documentários, que têm ganhado espaço na televisão, em salas de cinema e em festivais. No Brasil, em 1993 apenas um documentário brasileiro e um internacional chegaram às salas de cinema de São Paulo. Em 2007, só até julho 10 documentários brasileiros foram lançados. Além de ganhar espaço, notam-se mudanças no modo de ver e de fazer esse tipo de filme. Apesar da dificuldade de uma definição estrita, permaneceu como entendimento geral a crença de que os documentários tinham como matéria-prima a realidade e, como tais, ganhavam o estatuto de “verdadeiros” e “objetivos”. No entanto, conscientes da objetividade impossível e com a intenção de questioná-la, alguns documentaristas trazem como opção uma abordagem de experiências assumidamente particulares, idéias impregnadas da vivência de quem as emite, expondo suas próprias vidas. Qual o lugar desse tipo de filme entre as novas concepções de documentarismo? Partindo de uma leitura crítica dos conceitos de Bill Nichols, esse trabalho busca analisar dois filmes que fazem da auto-representação a sua concepção criativa e comunicativa, para entender qual é o lugar desses filmes dentro da tipologia do documentário contemporâneo.

METODOLOGIA:
A pesquisa se baseou em um levantamento bibliográfico sobre o tema, condição necessária para estabelecer uma base conceitual a ser aplicada no desenvolvimento do trabalho. Entre os autores lidos, a divisão dos modos de representação do documentário feita por Bill Nichols aparece como a principal referência nos estudos atuais. Estudos sobre estética fílmica e análise de filmes complementaram os estudos teóricos em torno do objeto escolhido. Em paralelo às leituras, vários documentários, de diferentes épocas, escolas e autores, foram assistidos para compreendermos a história do documentário, identificarmos diferentes modos de fazê-los, e iniciar uma análise fílmica concretamente adaptada ao objeto que se analisa. Com essa fundamentação teórica, partimos para análise detalhada de dois documentários que estabelecem um papel central para a auto-representação, mais especificamente, obras nas quais o diretor aparece como figura principal, atua como fio condutor da narrativa. Os documentários analisados foram Um Passaporte Húngaro, de Sandra Kogut (Brasil, França, Bélgica e Hungria, 2002) e La televisión y yo, de Andrés Di Tella (Argentina, 2003).

RESULTADOS:
O documentário performático tem uma característica expressiva que afirma a perspectiva extremamente situada, concreta e pessoal de sujeitos específicos. Surge como resposta ao lugar do conhecimento na pós-modernidade: a explicação totalizante não é mais aceita, e é impossível definir qualquer assunto através de uma única forma de aproximação. Esses filmes colocam em questão a idéia do mundo como um lugar de idéias seguras, e aproximam o pessoal do político, construindo sentidos para suas experiências e gerando reflexões que ecoam no espectador. O fio condutor de Um Passaporte Húngaro é o processo de obtenção deste documento por uma brasileira que é neta de húngaros. Mas lançando um olhar sobre sua experiência, Sandra Kogut reflete sobre as construções de identidades, sobre as indefinições de fronteiras para o homem contemporâneo. Naturalmente, se estabelece uma conexão entre uma história privada e uma história do mundo, a memória de uma família se torna uma memória do mundo. La Televisión y Yo é uma reflexão sobre a história do próprio diretor, que se confunde com a história da Argentina. Andrés Di Tella não se preocupa em resolver grandes problemas universais, mas, com sua busca pessoal, ele consegue trazer à tona problemas da identidade, da memória, da formação de um país.

CONCLUSÕES:
O documentário performático parece estar muito de acordo com a sociedade em que vivemos, dialogando bem com ela. O que se nota é que a vontade, ou a necessidade, da auto-representação aumentou nos últimos anos, e foi facilitada pelas novas tecnologias. Além disso, o conceito de documentário sofreu modificações, como os próprios conceitos de objetividade e de verdade. Nesses filmes, é a maneira de dizer as coisas que estabelece o diálogo entre o documentário e o espectador. Somos convidados a fazer parte de uma experiência íntima, que traz consigo uma série de reflexões que fazem sentido para nós. Os filmes analisados mostraram como é possível, a partir de uma experiência pessoal, alcançar questões gerais, que conseguem despertar interesse num grande público. Consuelo Lins pensa inclusive que esse pode ser um novo tipo de cinema político, que se transforma em uma “memória-mundo”. Não podemos nos esquecer de que fizemos um recorte na produção contemporânea, e as características dos filmes analisados não podem ser generalizadas para todo documentário performático. Mas o que esses filmes conseguem fazer nos parece ser a alternativa mais interessante para a auto-representação na tela.

Instituição de fomento: Universidade Federal do Espírito Santo / Petrobrás



Palavras-chave:  documentário, auto-representação, conhecimento

E-mail para contato: maridieuzeide@gmail.com