60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia

FLANANDO OLHARES - UMA ANÁLISE SOBRE AS VITRINES E SEU UNIVERSO SOCIAL

Stela Politano1
Heloí­sa Pontes2

1. UNICAMP
2. Profa. Dra. UNICAMP


INTRODUÇÃO:
Legitimadores típicos do que é moda, as vitrines são o espaço comercial e simbólico responsável pelo elo de comunicações entre o consumidor e a loja através de suas encenações e manequins (suportes do vestuário e retradutores materiais das identidades de gênero de uma determinada sociedade), principais objetos deste trabalho. A vitrine oferece diversas representações de “personagens” identificados pela sua composição visual, disseminando uma variedade de estilos de vida e atos performativos que estão em constante processo de mudança. Para tais conclusões, fez-se uma análise comparativa entre vitrines de lojas possuidoras de públicos-alvos distintos: a Colcci, a Zara e a Ezequiel. As duas primeiras localizam-se em um shopping center - Iguatemi de Campinas - tido como espaço de classe média alta. Suas vitrines transmitem e vendem um conceito de moda e uma identidade simbólica que suas roupas, aparentemente, carregam. “Vende-se” também uma “sociabilidade” entre os vendedores e clientes. A terceira loja, a Ezequiel, supostamente uma loja de perfil popular localizada no centro de Campinas, não usa a vitrine como o principal marketing da empresa; sua “tradição” e seus “antigos e fiéis” clientes são os elementos chaves para as vendas. Buscou-se também compreender o papel do vitrinista, sua formação acadêmica (geralmente oriundo das Artes Plásticas e da Moda) e seu processo criativo frente às exigências do mercado e das empresas.

METODOLOGIA:
Através das transformações históricas e sociológicas no uso da moda, das conseqüências da globalização do consumo e da indústria do vestuário, a socióloga norte-americana Diana Crane (CRANE, 2006) demonstra como o vestuário influencia na construção de uma identidade social e como a moda serve de referência à construção de gênero, às preferências sexuais e aos estilos de vida. Signo da distinção de gênero, a moda alcança seu auge durante o século XIX, onde não só a forma servia como marcador de diferença entre masculino e feminino, mas também as matérias-primas e as cores (SOUZA, 1986). No início do século XX ocorrem modificações, junto com a valorização do corpo e da estética, nas formas de vestuário, nas relações de gênero e nos espaços de sociabilidade femininos e masculinos, devido a uma conjunção de fatores sociais, políticos, econômicos e tecnológicos (BONADIO, 2000). Atualmente, Diana Crane afirma que o objetivo da moda é, além de propor tendências, “projetar” imagens: a roupa em si possui menos importância do que a construção imagética e simbólica que ela tenta passar e construir. Ao adquirir um produto da vitrine, adquire-se a representação de um dos personagens formados pela composição visual do consumidor, que se origina do seu universo de conhecimento e social. Identidades de gênero são construções sociais e históricas que podem servir de meios à compreensão de processos de mudança social ou de resistência a eles. Este jogo de identidades de gênero que circula na mídia hoje foi originado durante a história recente, derivado das transformações nas estruturas familiares, com a entrada da mulher no mercado de trabalho, com a separação da sexualidade da reprodução e com a maior visibilidade de gays e lésbicas; mudanças, na sua maioria, que ocorreram no interior das relações heterossexuais. Para desvendar tais identidades, a antropóloga norte-americana Judith Butler afirma que tanto o sexo quanto o gênero são construções sociais (categorias discursivas e culturalmente construídas), definindo o segundo como uma série de atos repetidos que constroem a ficção de uma identidade substancial, que se encontra em constante estado de mudança. Neste sentido, não há uma identidade de gênero por trás das expressões de gênero e sim uma performatividade de gênero que busca constituir a identidade que se pretende revelar. Estas identidades transmitidas pela mídia e que retraduzem os ditames do campo da moda podem ser materializadas nos manequins, como modelos a serem seguidos e de composição de uma dada identidade. Como as imagens da moda, estes suportes do vestuário na vitrina e no interior da loja também são revestidos e investidos de traços de poder, erotismo, sexualidade e gênero, e de elementos simbólicos que conferem poder à marca que estão “carregando”. Na verdade, o corpo “perfeito” é necessário para forçar a composição visual e o desejo de consumo, de compra. O olhar deve ser despertado inconscientemente e a identificação do passante com a vitrina deve ser imediata. O importante, como ressalta Demetresco, é que o manequim torna-se uma peça identificadora e marcante na montagem de uma vitrina.

RESULTADOS:
As vitrinas da Colcci e da Zara (Iguatemi Campinas) preocupam-se em mostrar um conceito de moda, e não apenas peças de vestuário. A primeira transmite um estilo de vida jovem, urbano e "globalizado", estampado nos manequins e nos vendedores: ambos "suportam" este estilo e o comercializam. A vitrina é contínua, invadindo o espaço interno da loja. Já na vitrina da Zara, “ensina-se” a usar as principais tendências dos desfiles europeus. A vitrina é limitada no seu espaço, mas abusa-se imensamente da encenação, possuindo um caráter “vanguardista”. Os manequins são reflexos dos gostos e comportamentos dos clientes e, em ambas as lojas, há o estabelecimento de uma sociabilidade entre clientes e vendedores, porém de maneiras distintas. Na Colcci, a sociabilidade transpassa o ambiente interno da loja; há o estabelecimento de uma “amizade” que se legitima nos espaços e nas roupas que ambos freqüentam e utilizam. Já na Zara, o relacionamento se limita ao espaço da loja e é de consultoria, legitimada pela satisfação do cliente e pela discrição do vendedor. As vitrinas são encenações, retraduzem uma “teatralidade” e servem como marketing para as duas marcas, principalmente para a Zara. Para fechar estes breves comentários, entra em cena a tradicional loja Ezequiel. Possuidora de uma racionalidade operante em meio a “abarrotada” exposição de produtos, a vitrine é a personificação do seu proprietário e da socialização estabelecida no seu entorno. Ezequiel é mais do que um simples ponto comercial: é a trajetória de vida da família Ezequiel, dos amigos, dos vendedores, da Avenida Campos Salles, do centro, das outras lojas, enfim, é a materialização do ambiente social, histórico e econômico que se encontra em constante mutação. As vitrines da loja carregam esta idéia a partir do momento em que todos, além do vitrinista, trabalham na montagem do espaço e na permanência de símbolos representantes da marca, como os famosos bonecos alemães.

CONCLUSÕES:
A moda, como signo da distinção social e de gênero, atualmente está voltada, principalmente, ao consumidor; este, munido de uma carga grande de informações “bombardeadas” pela mídia, encontra-se na condição de conhecedor das principais tendências de moda. Como se as revistas, jornais, sites não bastassem, as vitrinas também são legitimadores típicos do que é moda no momento, pois retraduzem essas informações através das suas encenações e manequins. Aliás, estes suportes do vestuário estão muito além dessa simples função: são retradutores materiais das identidades de gênero de uma determinada sociedade. Representam modelos a serem seguidos. Traços faciais, corpo, cabelo, olhos, maquiagem e até mesmo postura incitam comportamentos e atitudes nos consumidores. Ao adquirir um produto da vitrina, adquire-se a representação de um dos personagens formados pela composição visual do sujeito, que se origina do seu universo de conhecimento e social. O desejo transparece e se materializará no consumo. Portanto, a moda deixa de ser uma imposição de um ideal social para ser um disseminador de uma variedade de estilos de vida e de atos performativos legitimados que se encontram num constante processo de mudança. Estabelece-se assim uma hegemonia conflitante de identidades de gênero, onde valores tradicionais de comportamento dividem espaço com as concepções modernas de identidade social. A vitrine também é reflexo do coletivo urbano, deste cotidiano frequentemente mutável e em eterna construção. Constitui elemento da história do lugar e de sua arquitetura, de seu entorno, quase como se possuísse uma "vida própria". Atribuem identidade e imagem a um local, como no "shopping", ou são construídas com esta identidade, como no caso das ruas. Objeto constante do olhar e do flânerie, foram retratadas e desconstruídas por artistas, como Edward Hopper e Marcel Duchamp, este pensando na fragilidade da vidraça e da sua transparência. As vitrines são o reflexo do contemporâneo. Mostram um passado, retratado no ato de montar a vitrine, no seu pensar e na sua construção, e vendem um futuro, adquirido com o consumo. O seu presente, que estaria concretizado no olhar do trausente, já passou. Ficou no instante do piscar, nos segundos da observação. Foi-se, junto com os passos do flãneur... mas, permaneceu na sua memória, individual e coletiva.

Instituição de fomento: SAE/Unicamp

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Gênero, Moda, Vitrine

E-mail para contato: stelapt@gmail.com