60ª Reunião Anual da SBPC




F. Ciências Sociais Aplicadas - 10. Comunicação - 67. Jornalismo e Editoração

A NARRATIVA DA METRÓPOLE NO JORNALISMO DE JOÃO DO RIO

Gutemberg Araújo de Medeiros1

1. ECA USP


INTRODUÇÃO:
João do Rio (1881-1921) – jornalista, cronista, contista e teatrólogo – é um interessante caso na história brasileira. Em vida, foi uma das personalidades de destaque na capital da república por sua vasta produção no jornalismo, literatura e teatro. Na primeira década do século, surge a figura do repórter na imprensa diária, aquele que sai às ruas para colher in loco a notícia e seus desdobramentos ou pontos de vistas diferentes. João do Rio foi um dos primeiros exemplos mais bem acabados de inclusão na nova ordem comunicacional da época. Danton Jobim, um dos introdutores da segunda fase norte-americana na imprensa brasileira nos anos 50 do XX e que se perpetua até hoje, afirmou que as reportagens que João do Rio escreveu ficaram porque “retratam a fisionomia de uma época, num estilo claro, direto e original”. O objetivo deste trabalho é apresentar uma leitura da primeira reportagem conhecida sobre a metrópole carioca, na dicotomia centro e periferia ou o a urbe incluída e o morro carioca, esta tipificada zona de exclusão social, “Os livres acampamentos da miséria” (1911). De como o jornalismo vence a sua condição primeira de circunstancialidade para se apresentar como memória textual, vencendo o tempo e fugacidade.Verificamos um jornalismo moderno emergente, narrativa do cotidiano e percebemos como lança mão de uma carga simbólica para expor uma determinada realidade, além de problematizar questões essenciais da sociedade.

METODOLOGIA:
A primeira etapa deste trabalho compõe-se na análise da reportagem “Os livres acampamentos da miséria” levantando os seus principais elementos composicionais de produção midiática que mapeia e problematiza elementos de uma dada realidade. Semelhante análise só é possível com a pesquisa acurada das transformações pelas quais a imprensa brasileira passou na primeira década do século XX, ao tropicalizar o modelo de imprensa dos EUA e Europa que prioriza mais a informação, deixando-a no mesmo patamar de importância do jornalismo opinativo, como era praticado exclusivamente até então. Além disso, pesquisou-se vários estudos historiográficos para perceber a ambiência da época que está na pressuposição do leitor que vivia no período em que a matéria foi realizada. Especialmente sobre a profunda reforma urbanística carioca conhecida como Bota-Abaixo, onde cortiços foram demolidos e eles foram excluídos do centro da cidade para as periferias e morros do Rio de Janeiro. Semelhante pesquisa foi fundamental para levantar os elementos de historicidade preservadas em João do Rio e como essa reportagem se apresenta como memória textual não apenas do morro carioca, mas de um projeto de nação excludente que foi implementado na Primeira República e que perdura até hoje.

RESULTADOS:
Uma das características dessa reportagem é como João do Rio revela ao seu leitor de jornal diário como se constrói uma notícia. Aparentemente contando uma história para entreter este leitor, revela como se constrói uma pauta, como o processo de reportagem na abordagem direta às fontes e à sua ambiência revela todo um contexto silenciado ou desconhecido. Inclusive como a reportagem e a narrativa jornalística demole pressupostos. Por exemplo, descobre que ao contrário do que se pensava a priori, a idéia inicial que moveu a reportagem, o jornalista não descobre operários a morar nos morros, mas o exército reservista de trabalho que não tem e provavelmente não terá lugar na ordem produtiva formal. Fadados a sobreviver de “bicos”. Verificamos ainda que é um texto de fronteira entre jornalismo e literatura. João do Rio lança mão de recursos narrativos da literatura – como descrição detalhada dos lugares e dos personagens/fontes, até o uso de figuras de linguagem para expressar o melhor possível esta realidade, reportá-la com fidelidade ao leitor que nada sabe sobre a mesma. Características que demarcam bem o tempo, uma memória textual, notadamente na formulação de frases de efeito baseados em paradoxos ou na composição de símbolos que causem uma certa intenção de efeito de sentido.

CONCLUSÕES:
Constatou-se que João do Rio exerce um refinado texto de fronteira entre os campos jornalístico e literário. Tal posição nos proporciona um dos maiores valores do jornalismo moderno: a possibilidade efetiva de resgatar os sentidos mais profundos de uma época, expressando-a de tal modo que pode despertar reflexões de como este país era e como problemas importantes continuam persistindo na sociedade brasileira, apesar de várias de características terem se modificado com 100 anos de distância. Ou seja, esse tipo de produção apresenta-se como memória textual de uma época, na acepção do pensador russo Iúri Lotman.Importante observar que a produção de João do Rio passou por mais de 60 anos de silenciamento proposital. Neste ínterim, algumas poucas vozes mantiveram-se na lembrança deste jornalista e escritor. Entre elas, Mário de Andrade, Rosário Fusco, Marques Rebelo e Luis Martins. Apenas de 20 anos para cá, essa produção tem sido reeditada aos poucos e devidamente acompanhada e relevada por estudos que surgem nas universidades. Com destaque para a tese de doutorado pioneira de Gentil Faria, A presença de Oscar Wilde na Belle Époque literária brasileira (Pannatz, 1988). Provando que esse autor tem muito a nos dizer até hoje. Especialmente na atual guerra civil entre o morro e o asfalto.



Palavras-chave:  História do Jornalismo Brasileiro, Narrativa da metrópole, João do Rio

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