60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 3. Filosofia - 2. Filosofia

O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO DE “ESPÉCIE” E SUAS REPERCUSSÕES PARA A DEFINIÇÃO DE “ESPECIAÇÃO” NOS ENSAIOS TARDIOS DE THOMAS KUHN

Débora de Sá Ribeiro Aymoré1

1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP


INTRODUÇÃO:
Thomas S. Kuhn (1922-1996) publica em 1962 a obra The structure of scientific revolutions que foi amplamente lida e discutida por estudiosos de várias áreas. Sua argumentação em favor da existência de revoluções científicas pretendia mudar a “imagem tradicional” da ciência que, por sua vez, analisava o desenvolvimento científico como exclusivamente linear e cumulativo. No posfácio de 1969 a Structure, Kuhn já reformula alguns elementos de sua teoria que foram apontados por seus críticos como plurívocos, como a definição de “paradigma”. Esta revisão teórica se torna ainda mais profunda nos ensaios tardios publicados na obra The road since Structure, e tem como principal característica abordar questões filosóficas já apresentados na Structure, dentre elas a questão da linguagem. Também veremos com maior destaque a analogia entre o desenvolvimento da ciência e a teoria evolucionista cuja investigação levaria a publicação de uma obra que teve sua confecção interrompida com a morte de Kuhn. Em nosso presente trabalho abordaremos um ponto específico da analogia kuhniana quanto ao evolucionismo: a especiação, cuja relevância se mostra não apenas para uma melhor compreensão dos ensaios tardios kuhnianos, como também para nossa compreensão de como se dá o desenvolvimento da ciência.

METODOLOGIA:
A definição de “especiação” é pré-condição de qualquer estudo filosófico rigoroso dos ensaios tardios kuhnianos, visto que não a encontraremos diretamente fornecida pelo próprio autor, ou mesmo referência às obras em filosofia da biologia ou teoria da evolução por ele utilizadas (exceto a referência à Origem das espécies, de Charles Darwin). Deste modo, recorreremos em especial ao capítulo sobre “Sistemática” da obra Filosofia de la biologia (Elliott Sober, 1993), a fim de levantar as questões sobre a definição de “espécie” oriundas da atividade científica dos biólogos, procurando determinar o sujeito que sofre a mudança através da “especiação”. A seguir, vemos a própria analogia com o evolucionismo estabelecida por Kuhn, avaliando de que modo as discussões em filosofia da biologia podem auxiliar na compreensão da proposta de desenvolvimento da ciência como análogo ao desenvolvimento das “espécies”.

RESULTADOS:
Enquanto Sober trabalha a possibilidade de adoção da definição de “espécie” tal como defendida por Ernst Mayr, sem se posicionar quanto a se considera esta a melhor dentre as definições apresentadas entre os biólogos, Kuhn parece bastante inclinado a pelo menos um dos elementos presentes nesta definição, qual seja, o critério para determinar o isolamento das espécies. Mas, enquanto o isolamento das espécies biológicas, segundo a definição de Mayr, é dado por um isolamento reprodutivo, o dos campos científicos é resultado de características próprias no âmbito lingüístico, ou mais especificamente, do léxico de cada campo, o qual cria uma certa categorização dos seres presentes na natureza. No que concerne às conseqüências desta definição de “espécie” para a “especiação”, segundo Kuhn, o surgimento de novos campos científicos se dá pela ramificação de modo análogo ao que acontece com as espécies em biologia. Mas, dada a relevância da estrutura taxonômica para determinar um campo científico, o surgimento de ciências se dá por modificações na estrutura anterior a linguagem.

CONCLUSÕES:
A analogia kuhniana com a teoria evolucionista esbarra em problemas semelhantes aos dos biólogos quanto à definição do termo “espécie”, mas essa dificuldade parece não afetar seu uso na investigação em biologia. No entanto, consideramos que na aplicação da teoria da evolução para estudo das mudanças na ciência, é preciso evidenciar os critérios para (a) definir um campo científico como autônomo e (b) definir em que casos as modificações que aquele campo sofre ao longo do tempo faz ou não surgir novas especialidades, o que, como afirmamos, deve se restringir a uma análise de aspectos lingüísticos, sendo a taxonomia o elemento central e definidor do campo científico. Porém, como na atividade historiográfica, também esta análise dos campos científicos está sujeita à interpretação. Mesmo quando o historiador define (através do estudo de revistas científicas especializadas, da informação de surgimento de novas cátedras universitárias etc) o isolamento da comunidade ou as ramificações que deram origem a novas especialidades, seus enunciados sobre a ciência não têm um correspondente “factual” com o que possam ser comparados, sendo esperada a crítica de outros historiadores para desafiar sua perspectiva da história do campo científico a que se dedicou.

Instituição de fomento: CNPq



Palavras-chave:  Thomas Kuhn, História da ciência, Especiação

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