60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 8. Teatro e Ópera

O CANTAR QUE CONTA UMA HISTÓRIA: FORMAÇÃO E PERFORMANCE EM ÓPERA ANALISADAS À LUZ DA HISTÓRIA ORAL

Marília Velardi4, 2
Elias Viana3, 2
Paulo Maron1

1. Diretor Cênico, Musical e Artístico - Núcleo Universitário de Ópera
2. Núcleo Universitário de Ópera - NUO
3. Mestrando Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - IA/Unesp
4. Profa.Dra. Pós-Graduação Stricto-Sensu Universidade São Judas Tadeu - USJT


INTRODUÇÃO:
Mesmo considerando que a cultura operística esteja mais difundida nas regiões Sudeste e Norte do Brasil e que especialmente os periódicos festivais de ópera, como os realizados em Belém do Pará e Manaus, estimulem jovens cantores para o gênero, sabe-se que a formação para este fim é escassa, mesmo nestes centros. Essa situação impulsiona os estudantes a um percurso (i)migratório em busca de espaços de formação profissional que, no entanto com frequência não atende às especificidades de formação para o gênero no Brasil. A formação para ópera deve favorecer o conhecimento de repertório e a adequada escolha deste para a voz do cantor, o desenvolvimento da técnica vocal e da performance cênica próprias ao gênero, bem como questões relacionadas aos valores pessoais necessários àqueles que se envolvem em projetos em grupos. É ainda fundamental a aprendizagem sobre a indissociável relação entre as performances cênica e vocal com a direção de arte. O Núcleo Universitário de Ópera (NUO) objetiva, desde 2004, a formação de cantores líricos cujo processo resulta em duas montagens operísticas por ano, em grandes teatros paulistanos. Durante os cerca de quatro meses que antecedem a estréia, realiza-se um progressivo e profundo trabalho de preparação cênica (fundamentado em Stanislavski e Grotowski), de preparação corporal (baseada em Martha Graham, Laban e Feldenkrais), indissociados da formação e preparação musical. Esse estudo visa compreender o significado da vivência no NUO sobre a aprendizagem e a performance, à luz da história oral, de um jovem cantor que, vindo de Belém para São Paulo, buscou neste espaço a ampliação de sua formação profissional.

METODOLOGIA:
A história oral foi o método escolhido para este estudo por compreender a idéia de que a história contada não é apenas a história daquele que narra suas vivências, mas constitui-se como uma verdadeira configuração do tempo vivido. Narrada em diversos momentos estruturados pelos pesquisadores, a história do jovem cantor foi trazida à tona por meio de entrevistas profundas, constituídas por longos diálogos estruturados e semi-estruturados mediados, muitas vezes, por análises dos vídeos das participações em produções das quais o cantor participou, tanto no presente quanto no passado. Além disso, comentários de músicos profissionais, professores e orientadores do cantor foram utilizados também como mediadores nas entrevistas para estimularem a reflexão sobre sua vivência na Companhia. Essas entrevistas foram gravadas, transcritas e completadas por anotações feitas num diário de campo durante o processo de observação participante realizado pelos pesquisadores em momentos de ensaio, de preparações cênica e musical, informações estas que também serviram como mediadoras para as entrevistas. A posterior análise foi feita com base na proposta da hermenêutica gadameriana. A estreita parceria entre pesquisadores e pesquisado garantiu a confiabilidade necessária para a transmissão dos relatos, para a enunciação da história oral.

RESULTADOS:
Ao participar dos períodos de preparação para a montagem de quatro óperas, a avaliação pessoal sobre todos os processos de preparação para as montagens modificou a relação do cantor com o meio lírico, com sua formação pessoal e profissional e com sua própria identidade. Ao confrontar-se com novas possibilidades de desenvolvimento de sua prática, com as orientações dadas ao longo dos processos e frente ao desafio de seus potencias cênicos e vocais, o cantor passa a relatar espontaneamente aspectos de sua evolução técnica e pessoal, analisadas com referências claras à sua história. Resgata suas memórias e restabelece um novo diálogo interno. Reformula seu modo de identificar a si mesmo como cantor, como pesquisador e como cidadão. Passa a identificar estes aspectos individuais também como relativos à comunidade de jovens cantores líricos em fase de formação em nosso país e objetiva planejar formas de ação em sua futura prática docente a partir destas reflexões.

CONCLUSÕES:
A história contada pelo cantor aponta para uma reflexão crítica sobre as propostas de formação em canto lírico que são tradicionalmente realizadas no país. Demonstra a necessidade premente de uma configuração própria para a formação de cantores para ópera, considerando uma clara demanda de estudantes que, no entanto têm muitas vezes suas expectativas frustradas pela ausência de preparação adequada e progressiva, bem como pela escassez de espaços e produções que são consideradas como experiência vital nesse processo de formação. Fica clara a relação entre a história do pesquisado e o significado coletivo de suas enunciações, na medida em que a observação da realidade da formação de jovens cantores no Brasil parece encontrar referenciais comuns àquela vivida nessa história particular.



Palavras-chave:  Ópera, História Oral, Hermenêutica

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