60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 2. Lingüística Histórica

VISITA A UM FLOS SANCTORUM DO SÉCULO XIV PARA A COMPREENSÃO DOS USOS DOS ARTIGOS DEFINIDOS E INDEFINIDOS

Alex Batista Lins1, 2, 3
Emília Helena P. Monteiro de Souza1, 2, 3, 4

1. Universidade Federal da Bahia
2. Programa para a Pós-Graduação em Letras e Linguística da UFBA
3. Programa para História da Língua Portuguesa/PROHPOR
4. Departamento de Letras Vernáculas da UFBA


INTRODUÇÃO:
Este trabalho faz parte do projeto de pesquisa intitulado “Os usos dos artigos definidos e indefinidos nos séculos XIV e XVII: um estudo na perspectiva funcionalista”, que se insere na linha de pesquisa Constituição Histórica da Língua Portuguesa, coordenada pela Profa. Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva, do Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística do Instituto de Letras, da Universidade Federal da Bahia – UFBA. O projeto global visa descrever a freqüência dos usos referencias dos artigos em textos dos séculos XIV e XVII, tendo por contraponto as disposições prescritas pela gramática normativa quanto às estruturas sintáticas em que os artigos se fazem presentes no português. O eixo maior do presente trabalho encontra-se no caráter definidor e indefinidor dos artigos nos lexemas e nas estruturas sintáticas dos enunciados, dispostos no texto do Flos Sanctorum do século XIV, particularizando-se os possíveis usos referenciais dos artigos. Parte-se aqui do entendimento de referenciação, ou foricidade (lat. fero, gr. phéro: levar, trazer) como prefere Castilho (2006), no âmbito da construção discursiva, conforme Neves (2006), enquanto operações que envolvem interação e intenção, e que atuam no processo de montagem da rede referencial de um texto.

METODOLOGIA:
Ao se tomar como corpus para este estudo o Caderno A de um Flos Sanctorum, documento fragmentário, de caráter hagiográfico, datado do século XIV – integrante desde 1964 do acervo da Biblioteca Central da Universidade de Brasília –, editado pelo Prof. Dr. Machado Filho (UFBA, 2003), realizou-se o levantamento dos índices quantitativo e qualitativo das ocorrências dos artigos. Esses receberam classificação preliminar, conforme a posição em que se encontram nos enunciados do texto sob análise, levando-se em conta o papel/função que desempenham, tendo em vista os possíveis tipos de coesão referencial que estabelecem. O estudo fundamentou-se nos pressupostos teóricos de Liberato (2006), Givón (1995), Castilho (2006), Neves (2006), Marcuschi (2003), Apothéloz e Chanet (2003), Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991), Halliday e Hasan (1978) e Weinrich (1971) em sua Teoria do Artigo. Por ser um texto voltado à edificação religiosa, portanto de caráter doutrinário e retórico, no que concerne à apresentação da vida dos santos, com vistas a persuadir os cristãos para que vivam conforme os exemplos daqueles que conseguiram alcançar a santidade, as disposições de Hansen (1994) e de Pécora (2005), quanto ao caráter teológico-retórico, foram essenciais.

RESULTADOS:
Identificou-se que os artigos, enquanto elementos de referenciação, podem desempenhar papel endofórico (anafórico ou catafórico), e exofórico. As ocorrências sinalizam que, ao longo do Caderno A, do Flos Sanctorum, prevalecem os usos dos artigos definidos no singular. Tal fato indica, conforme Liberato (2001, p. 91), o interesse em se evidenciar ao leitor/cristão a totalidade da qual o referente é constituído, numa delimitação qualitativa que possivelmente serve a interesses retórico-doutrinários. Os artigos são marcados por uma “disponibilidade dêitica” (GIVÓN, 1984), responsável pela unicidade e identificabilidade referencial associada aos interlocutores, ou seja, a referência é bem sucedida, pois o destinatário consegue perceber e identificar “o sintagma antecedente e as descrições que ele faz”. Isso facilita o acesso às informações que o contexto e o conhecimento partilhado exigem para que melhor se compreenda a mensagem veiculada. Registrou-se ainda um percentual expressivo de artigos indefinidos no singular, em sua maioria introduzindo fatos/situações novas, numa função catafórica. Ao decorrer do texto, os artigos acompanham o substantivo na posição de sujeito constituído de SN (sintagma nominal), e na posição de complemento direto de SV (sintagma verbal).

CONCLUSÕES:
Os resultados parciais apontam para o fato de que, no século XIV, nos textos que compõem o Caderno A do Flos Sanctorum, além das funções conhecidas e apregoadas pela gramática normativa – de definidor e indefinidor de substantivos –, os artigos são utilizados enquanto elementos referenciadores, sobretudo endoforicamente, predominando a anafóra. Essas considerações, embora preliminares, podem permitir uma melhor compreensão do possível percurso gramaticalizador desses elementos e do papel que desempenham junto ao processo de constituição histórica do português. Os artigos definidos, originários do pronome demonstrativo latino ille – que também serviu de base aos pronomes demonstrativos aquele e o –, conforme Penna (2002), na língua portuguesa, parecem ter conservado o valor demonstrativo latino. Por sua vez, os artigos indefinidos, advindos do numeral cardinal latino unus, a, um, que também já possuia no latim função de destacar um dentre os demais elementos de um conjunto, portanto de demonstrar, de fazer o leitor reportar-se a tal elemento, desenvolveu-se no português conservando essa qualidade. Ressalte-se que, para a comprovação dessas considerações, prevê-se a ampliação dos estudos com a análise detalhada dos dados e a ampliação do corpus.

Instituição de fomento: Universidade Federal da Bahia



Palavras-chave:  Artigo, Funcionalismo, Constituição Histórica

E-mail para contato: alexllins@yahoo.com.br