60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 7. Educação - 6. Educação Especial

NARRATIVAS DE FAMILIARES DE SURDOS: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SUJEITOS DEFICIENTES OU DIFERENTES

Zelia Zilda Lourenço de Camargo Bittencourt1
Ivani Rodrigues Silva1
Júlia Maria Vieira Nader2

1. Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação - CEPRE/FCM/UNICAMP
2. Departamento de Lingüística / IEL / UNICAMP


INTRODUÇÃO:
Até recentemente a língua de sinais utilizada pelos surdos era designada pela família e professores como mímica ou gestos, atestando o estatuto lingüístico negligenciado das línguas de sinais entre a comunidade em geral. Após pesquisas atestarem o papel da língua de sinais junto à comunidade surda é que mudanças reais ocorreram, e o surdo deixou de ser o deficiente auditivo para se transformar num sujeito bilíngüe. Os anos 90, no Brasil, foram significativos para a área da surdez, pois a língua de sinais passa a ser difundida juntamente com a idéia do surdo como alguém diferente e não deficiente (SILVA, 2005). O CEPRE vem acompanhando estas transformações na área da surdez repensando a proposta de ensino bilíngüe para sujeitos surdos. Essas tendências estão sendo implementadas com a criança e o adolescente surdo, no campo escolar, na orientação à família, na supervisão aos seus professores e em relação à comunidade. Este estudo buscou identificar o perfil dos surdos atendidos neste serviço desde o início de seu funcionamento, traçar o perfil sócio-demográfico dos atuais usuários surdos, conhecer a situação de ex-usuários nos aspectos pessoais, profissionais e familiares e identificar o papel dos pais nesta trajetória de vida e as representações dos pais sobre a surdez.

METODOLOGIA:
A investigação quanti-qualitativa deu-se a partir de levantamento retrospectivo de dados dos prontuários de usuários surdos atendidos no CEPRE de 1973 até os dias atuais. Através de consulta a prontuários ativos, realizou-se levantamento sócio-demográfico dos surdos em atendimento no serviço e a partir destes dados realizou-se uma seleção de sujeitos através de “amostragem por variedade de tipos” (TURATO, 2003). Os critérios de seleção foram: ser surdo e ter sido usuário do CEPRE; ter continuado os estudos; ter ingressado no mercado de trabalho; concordar em participar do estudo e assinar o temo de consentimento. Foram entrevistados quatro ex-usuários surdos e seus familiares para coleta de dados de suas histórias singulares. O contato com os sujeitos surdos se deu através da Língua Brasileira de Sinais. As entrevistas foram filmadas, mediante consentimento, e posteriormente transcritas com a ajuda de um interprete de línguas de sinais, enfocando sua história e trajetória pessoal, familiar e profissional. Paralelamente foram contatados os pais dos sujeitos da pesquisa para uma entrevista onde se buscou captar as representações sobre a surdez e as versões circulantes sobre a narrativa pessoal de cada sujeito. Os dados coletados foram transcritos, categorizados, tabulados e analisados.

RESULTADOS:
Desde o início do seu funcionamento até dezembro de 2007, o CEPRE recebeu na área da deficiência auditiva 863 surdos, sendo 66% do sexo masculino (570) e 34% feminino (293), com idade variando de recém nascidos até 49 anos, com uma maior concentração na faixa etária de zero até 3 anos, refletindo a importância da detecção precoce da surdez. Os dados da entrevista com familiares apontam que as famílias mostraram-se satisfeitas em relação ao tipo de trabalho que foi oferecido ao seu filho surdo. Apesar do desconhecimento das especificidades do trabalho realizado na Instituição, observou-se certo descontentamento em relação à maneira como era conduzida a reabilitação do filho (oralismo). O serviço oferecido pelo Cepre era confundido, em geral, com o trabalho escolar. As terapias da fonoaudióloga, por exemplo, em que se esperava uma conscientização dos órgãos da fala, da leitura oro-facial para posteriormente ser realizado um trabalho mais efetivo com a fala e a leitura labial desses sujeitos surdos eram compreendidos, em geral, como um trabalho escolar ou como algo que iria ajudar a aprendizagem do surdo na escola.

CONCLUSÕES:
Os surdos entrevistados encontram-se inseridos no mercado de trabalho ou cursando a universidade, sendo a maioria casada e com filhos ouvintes, com os quais se comunicam através da língua de sinais. Dentre as dificuldades apontadas a mais evidente é o desconhecimento da Libras na sociedade ouvinte, o que limita a autonomia do surdo. Nossas conclusões, embora parciais, apontam tais resultados como oriundos da maneira como os surdos eram vistos naquela época específica, em que o modelo educacional utilizado para o ensino de crianças surdas era o Método oralista, que tinha como objetivo principal o desenvolvimento da fala com o uso de terapias que ajudasse a criança a perceber o som e a treinar o uso efetivo da leitura labial. Nesse contexto, mais importante que a aprendizagem escolar era o desenvolvimento da fala, pois essa última era o pré-requisito essencial para que a criança surda pudesse aprender a ler e escrever.



Palavras-chave:  Surdez, Lingua de sinais, Familia

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