60ª Reunião Anual da SBPC




H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística

O ‘CONTRATO DE DIVERSÃO’ DO JORNAL IMPRESSO: CRUZADAS, HORÓSCOPO E QUADRINHOS

Marcus Antônio Assis Lima1
Ida Lucia Machado2
Wander Emediato de Souza3

1. 1. Prof. Dr. / DFCH/CCCom - UESB
2. 2. Profª. Drª. /NAD/FALE/ UFMG / Orientadora
3. 3. Prof. Dr. / NAD/FALE/UFMG / Co-orientador


INTRODUÇÃO:
Os primeiros anos deste novo século têm sido marcados pela oferta de conteúdos de entretenimento de uma forma nunca vista anteriormente. Nesse novo cenário, onde o entretenimento passa a ser valorizado no mesmo nível do seu oposto, o conteúdo “sério”, alguns tipos de divertimento ainda permanecem sendo cultuados e praticados. Mantidos por tradição nas páginas dos jornais diários, passatempos como quadrinhos e cruzadas, entre outros, continuam a cativar o público. Também as previsões zodiacais continuam sendo publicadas, em um mundo onde o conhecimento humano sobre o universo astronômico tem se desenvolvido quebrando antigos mitos muito rapidamente. Nas redações e na academia, o entretenimento é visto primordialmente como não-jornalístico, de modo que sempre foi relegado ao segundo plano, em relação aos textos especificamente informativos. Nesse contexto, buscamos, com este trabalho, descrever os modos de organização e os procedimentos discursivos que tornam as cruzadas, os quadrinhos e o horóscopo em uma categoria especial de textos dentro da massa impressa do jornal diário. Ele busca salientar o papel social que o entretenimento possui na vida contemporânea, por um viés histórico que mostra como essa “função” midiática cristalizou-se no imaginário cotidiano.

METODOLOGIA:
De maneira geral, o entretenimento é encarado como principal aliado para os efeitos negativos das mídias, e seu estudo, via de regra, busca confirmar essas hipóteses apocalípticas. Neste trabalho, buscamos realizar um estudo que retirasse o componente ideológico de sua descrição. Na Lingüística, especialmente na Teoria Semiolingüística, os conteúdos de entretenimento têm sido, eventualmente, utilizados como exemplos para descrições teóricas, chegando mesmo a serem categorizados como “contrato de diversão”, embora sua descrição estivesse por ser feita. Dessa forma, procuramos descrever a organização e as estratégias discursivas dos conteúdos de entretenimento no jornal "Folha de S. Paulo" no período compreendido entre 1960 (fusão entre os jornais "Folha da Manhã" e "Folha da Tarde" na "Folha de S. Paulo") e 2004 (data de elaboração do projeto de doutorado propriamente dito). Dentro desse recorte histórico, selecionamos três edições anuais (março, julho e novembro), selecionados de quatro em quatro anos, totalizando 36 edições para a análise. Utilizando como referencial teórico-metodológico a Teoria Semiolingüística, proposta por Patrick Charaudeau, buscamos descrever os modos de organização do discurso que cada ‘cenografia de diversão’ incorpora para a sua encenação midiática.

RESULTADOS:
As cenografias de diversão organizam-se, discursivamente, de maneira polifônica e dialógica, embora exista um modo predominante em cada uma delas. Organizada de modo descritivo, as cruzadas ajudam a cristalizar uma visão de mundo. Desse modo, a escolha lexical demarca uma visão etnocêntrica paulista sobre o resto do país, visão essa urbana e de classe média. Talvez por isso o uso freqüente de termos em língua estrangeira, referências a espetáculos culturais em exibição na capital paulistana ou mesmo nomes de bairros da cidade. O horóscopo, organizado de modo enunciativo, revela uma visão de mundo que privilegia o trabalho, a família e os amigos como foco central de atenção no “mundo da vida”. Está muito presente nos aconselhamentos astrológicos uma “dimensão argumentativa”, que se manifesta como estratégia discursiva dessa cenografia de diversão. Os quadrinhos, organizados de maneira narrativa, também trazem essa dimensão argumentativa. É nessa cenografia que podemos perceber mais claramente essa estratégia. Como vários estudos vêm mostrando, os quadrinhos são fonte propícia para a disseminação de valores, hábitos e comportamentos, e de forma bastante contundente, posto que sua visada de fruição explícita mascara essa intencionalidade, inconsciente muitas vezes.

CONCLUSÕES:
O contrato de diversão constitui um dos tripés do jornalismo, juntamente com o contrato publicitário e o informativo. Embora ocupe espaço físico menor que esses gêneros, o entretenimento cristalizou-se nas páginas dos jornais impressos, adquirindo o estatuto de “tradição”. O contrato de diversão marca o espaço de sociabilidade entre o dispositivo midiático e o público consumidor. A fruição que esses conteúdos propiciam contribui para o relaxamento das tensões provocadas por um noticiário saturado de mazelas. Mas essa fruição não é de toda descolada da realidade da vida cotidiana porque as cenografias de diversão fazem referência, explicitamente ou não, conscientemente ou não, à realidade construída e vivenciada pelos leitores de jornal. O que se pretendeu foi contribuir com o aprimoramento da Teoria Semiolingüística, preenchendo uma lacuna teórica na descrição do contrato midiático mais geral. Ao desmistificarmos os conteúdos de entretenimento, mostrando que sua inserção nos jornais diários vai muito além do mero passatempo, pois, nenhuma escolha está desprovida de uma intencionalidade, esperamos incentivar o estudo dos conteúdos de diversão em outros dispositivos midiáticos.



Palavras-chave:  contrato de diversão, análise do discurso, semiolingüística

E-mail para contato: prof.uesb@hotmail.com