60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 5. Sociologia Rural

RELATOS ORAIS, MEMÓRIA COLETIVA E IDENTIDADE NA AGRICULTURA FAMILIAR

Regina Aparecida Leite de Camargo1
Julieta Teresa Aier de Oliveira2

1. Doutoranda - FEAGRI/UNICAMP
2. Dr. / Conselho Integrado de Planejamento e Gestão / FEAGRI-UNICAMP / Orientador


INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tece algumas considerações sobre a utilidade e importância dos relatos orais como forma de captar a diversidade de representações que moradores de bairros rurais guardam sobre seu local de morada, seu trabalho na agricultura e as transformações do mundo rural. Esses relatos podem tanto retratar as reminiscências de antigos moradores como exprimir o que as gerações que estão entrando agora no processo produtivo pensam de sua prática. Um estudo cuidadoso desses relatos pode fornecer pistas importantes para o desenho de propostas de desenvolvimento endógeno, participativo ou local. Se pensarmos a agricultura como uma construção social, cuja organização prática depende dos atores envolvidos, toda pesquisa sobre a arte de cultivar os campos é, em última instância, uma pesquisa social e como tal torna-se um objeto histórico, ou seja, fruto de uma sociedade que existe num determinado espaço com formação e configuração específicas. Faz parte das sociedades humanas que, nas palavras de Minayo (1998, p.13), “... vivem o presente marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que está dado e o que está sendo construído”.

METODOLOGIA:
O presente trabalho deriva transversalmente da pesquisa de doutorado “Um Pé na Roça outro na Cidade. A agricultura familiar no município de Ouro Fino – MG”. A pesquisa de campo realizou-se nos meses de janeiro e fevereiro de 2008 no bairro rural denominado Peitudo, localizado no município de Ouro Fino, no sul do estado de Minas Gerais. Foram feitas 12 entrevistas semi-estruturadas com habitantes do referido bairro de idade variando entre 33 e 93 anos. Os entrevistados representam três das famílias mais antigas e importantes do bairro. Paralelamente, dados sobre o município e sobre o bairro Peitudo foram colhidos junto ao escritório local da Secretaria de Estado de Fazenda, cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Prefeitura Municipal, censo de 1995/96 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e registros do Centro Pastoral Dom Paulo II. Na primeira fase da pesquisa de campo nos concentramos em dois questionamentos: a maneira como os entrevistados percebem as transformações no bairro e as mudanças na paisagem e na forma de produção. As entrevistas orais foram transcritas e analisadas sob a ótica dos trabalhos já escritos sobre a agricultura familiar.

RESULTADOS:
Embora em várias falas apareçam referências a moradores que deixaram o campo e foram para a cidade, o bairro Peitudo cresceu muito nos últimos anos em conseqüência da entrada de “gente de fora” vinda originalmente do Norte de Minas, mas com passagem por São Paulo ou Campinas. As explicações para essas vindas variam, apoiando-se hora nas possibilidades de trabalho e principalmente de reprodução da condição de produtor rural, hora na possibilidade de construir uma casa no “terreno do santo”, isso é, na área que é da Igreja e era dada em doação para a construção das casas. Possibilidade essa que já não existe uma vez que as casas tomaram todo terreno disponível, chegando até a divisa dos sítios. Dentro dessa população incorporada mais recentemente na vida produtiva do bairro é possível distinguir duas categorias distintas – os, na sua maioria aposentados, que se tornaram proprietários rurais e buscam no campo a segurança e qualidade de vida perdida nas cidades e os que vieram para vender sua força de trabalho nos arranjos de pseudo parceria para o plantio de tomate.

CONCLUSÕES:
Que a leitura que os moradores de uma dada localidade fazem de sua realidade, os problemas que identificam e as soluções que propõem, é fundamental para o desenho de propostas de desenvolvimento endógeno e local, ninguém questiona. No entanto, acreditamos que ainda cabe indagar sobre o papel e o potencial de relatos orais e histórias, ainda que parciais, de vida para a compreensão e recaptura não só de tradições, mas também de habilidades e conhecimentos, que podem desempenhar um importante papel de fomento de um sentimento de pertencimento, no sentido de afinidade e comprometimento, com um meio rural que é lócus de morada e trabalho. O material coletado em campo é rico de pormenores que a primeira vista podem passar desapercebidos, mas que com uma escuta cuidadosa vão formando o corpo de uma realidade permeada por razões, coerentes ou não ao nosso olhar, que formam o cerne explicativo para a compreensão do(s) porquê(s) os agricultores fazem o que fazem. Por quais cálculos econômicos e códigos sociais tomam suas decisões optando por essa ou aquela tecnologia, esse ou aquele cultivo ou criação.

Instituição de fomento: CAPES



Palavras-chave:  relatos orais, memória coletiva, agricultura familiar

E-mail para contato: caprilbeijaflor@yahoo.com.br