60ª Reunião Anual da SBPC




F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 42. Filosofia do Direito

ALQUIMIA JURÍDICA: A TRANSMUTAÇÃO DA POSSE EM PROPRIEDADE NA TEORIA OBJETIVA DE RUDOLF VON JHERING

Marcel Mangili Laurindo1, 2
Moisés Alves Soares1, 2

1. Universidade Federal de Santa Catarina/ Departamento de Direito
2. PET SESu MEC


INTRODUÇÃO:
Que há, em termos jurídicos, políticos e filosóficos, por trás da teoria possessória de Rudolf von Jhering? Estaria ele – que é tido por romanista, por historiador do direito – a levar a cabo, por encomenda, algum projeto de cunho político-jurídico? Quais as razões que o levaram a se bater contra a teoria possessória subjetiva de Friedrich Karl von Savigny? Para responder tais questionamentos, ter-se-á de, em um primeiro momento, alumiar o entendimento de Jhering a respeito dos elementos que, conjugados, constituem a posse: corpus e animus. Tratar-se-á, posteriormente, de analisar as motivações de cunho jurídico, político e filosófico dos escritos do professor de Göttingen a respeito da posse. Verificar-se-á, então, que ele – mediante a abstração de corpus e animus – faz com que a posse transmute-se, alquimicamente, em exterioridade da propriedade. Desta forma, Jhering – afinado que é com os interesses da burguesia – consolida, a expensas da posse, o instituto da propriedade. Fazendo com que a posse – ente fático, historicamente anterior à propriedade e desta última de todo independente – passe a ser a exterioridade do instituto dominial, põe abaixo a autonomia daquela frente a este.

METODOLOGIA:
O método utilizado ao longo da pesquisa foi o dialético. A melhor detalhá-lo, a ontologia fenomenológica de Jean-Paul Sartre. Demonstrar-se-á a interdependência existente entre sujeito e coisa: aquele, sem esta, vê-se repleto de incompletude; a coisa, por outro lado, não terá finalidade alguma se estiver à margem das relações humanas. O para-si (homem), incompleto, contando tão-só com sua vontade, busca no em-si (coisa), corpóreo, realizar seu projeto. Não se trata, por óbvio, de "constatar" uma suposta dominação do homem sobre a natureza. Sob o ponto de vista ontológico-fenomenológico, está-se diante de uma influência mútua: sujeito e objeto devem ser examinados a partir de um prisma que reflita sua total completude. Vontade e corpo, unidos, dão origem à posse. Jhering – e é isso que se tentará demonstrar ao longo do trabalho – nega, de modo um tanto peculiar (já que não o afirma expressamente), tal fato. Buscar-se-á, assim, com um tal método, a desconstrução da teoria possessória objetiva.

RESULTADOS:
Infere-se que o corpus de Jhering não é, em absoluto, o mesmo de Savigny. Na concepção daquele, tal elemento não apresenta as tintas de materialidade a ele conferidas por este. Pelo contrário, é ele etéreo. E não poderia deixar de sê-lo, vez que é, para Jhering, mero elemento de instituto que corresponde à exteriorização da propriedade. Em verdade, a motivação da descorporificação da posse realizada por Jhering é a segurança patrimonial. Não é debalde que dissocia ele o corpus da materialidade que até então lhe era imputada. A propriedade exige a dissociação. Também o animus de Jhering é diverso daquele propugnado por Savigny. Jhering dà à lei o poder de determinar quem possui ou detém. Para ele, a vontade individual – a do sujeito concreto – é muito fugidia para que se possa atestar quem tem a coisa como detentor ou possuidor. Ao tornar abstrato também o animus – e isso porque o torna legal –, rechaça ele o papel da vontade individual na configuração da posse. Nega o pensamento de Hegel, Kant e Sartre a respeito da vontade na posse. Ora, sem “corpo” e “vontade”, a “posse” é “propriedade”. Em verdade, Jhering medra teoria que dá conta dos projetos da burguesia. Tal projeto era o de transmutar a posse em propriedade. Assim, Jhering consolida, a expensas da posse, a propriedade.

CONCLUSÕES:
Abstrair e abstrair: tal é o artifício utilizado por Jhering para, à socapa, transformar a posse em exterioridade da propriedade. Flexibilizar a materialidade ínsita ao corpus é seu primeiro passo; o segundo, a supressão da vontade concreta que caracterizava o animus. Para Jhering, entender que o corpus representa a possibilidade física de agir sobre a coisa é, nos tempos modernos, de todo descabido. Sem sentido seria, também, averiguar, caso a caso, a existência de um animus típico de possuidor. Isso, contudo, não fazia com que Savigny estivesse, necessariamente, equivocado. Poderia estar correto. Mas isso apenas em termos teóricos. Na prática, contudo, nada útil se mostra o pensamento de Savigny. O pragmatismo de Jhering muito apeteceu aos grandes proprietários. Ao afirmar ser impossível insistir-se na caracterização do fenômeno da posse como a união de um poder físico e de um desejo individual, muito aproximou um fato que enseja direitos de um direito em sentido estrito. Abstrai a posse para consolidar a propriedade. Jhering realiza uma inversão. Faz a posse depender da propriedade. O domínio, no entanto, é historicamente posterior à posse. É assim, com uns malabarismos conceituais, que Jhering pretende desbancar a teoria subjetiva da posse.

Instituição de fomento: PET SESu MEC

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Posse, Corpus, Animus

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