60ª Reunião Anual da SBPC




G. Ciências Humanas - 7. Educação - 11. Ensino-Aprendizagem

CULTURAS INFANTIS E REALIDADES EDUCACIONAIS NA AMAZÔNIA: A INFÂNCIA E A ESCOLA NA PERIFERIA DE MANAUS/AM

Priscilla Lima da Silva1
Maria das Graças de Carvalho Barreto2

1. Escola Normal Superior - Curso de Pedagogia / Universidade do Estado do Amazonas
2. Universidade Federal do Amazonas- Prog. Doutorado Amazonia, Sociedade e Cultura


INTRODUÇÃO:
Hoje a preocupação dos educadores se volta para os problemas da qualidade do ensino e para os índices significativos de abandono/evasão que impedem a terminalidade do processo de escolarização. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, surpreendeu a sociedade amazonense com os resultados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios – PNAD, de 2004 divulgados nos jornais locais , eles mostram que, no Amazonas, a freqüência e a permanência dos alunos que ingressam no sistema de ensino é uma realidade preocupante. A taxa de freqüência escolar dos alunos de 0 a 17 anos, é a quarta pior do país (66,1%). Uma outra dificuldade para a realização eficaz do processo de alfabetização está posta nas relações entre a escola, em sua dinâmica pedagógica cotidiana, e as vivências das crianças nos seus espaços de origem. As relações Escola x Comunidade nos coloca de frente com problemas de ordem estrutural (econômico, social e político), que são os determinantes nos impasses da alfabetização. A pluralidade desta comunidade, assim como a Amazônia, é única, pois está localizada à margem do Rio Negro, portanto é semi-ribeirinha, na saída do Pólo Industrial de Manaus, o Porto da Ceasa, que escoa a produtividade das Indústrias da Zona Franca de Manaus, e também recebe os migrantes do Interior do estado - municípios próximos - e de outros estados, como Pará, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, ainda assim, não fica distante do Centro Comercial da Cidade – cerca de 50 minutos – o que facilita a confluência do tradicional e do tecnológico, ambos muito presentes na Cultura Amazônica. Esta pesquisa fora desenvolvida em uma escola periférica da Cidade de Manaus no Amazonas, localizada no Bairro do Mauazinho, zona leste, e que concentra os maiores índices da cidade, seja de violência, prostituição infantil, trafico de drogas, organização de gangues, concentração e aumento de soro positivos (IBGE 2006). O campo em que foram gerados os dados consiste em uma comunidade deste Bairro, a Comunidade Vila da Felicidade, que também dá nome a Escola, porta de entrada para a cotidianidade que fora desvelada a partir da observação participante do pesquisado, a qual invade os muros da Escola e os olhos - até a alma – do pesquisador através das Culturas produzidas pelas e para as crianças que a freqüenta nos seus espaços e tempos lúdicos e como tal cultura é compreendida pela Escola, enquanto espaço educacional, e como na as relações ensino-aprendizagem são desenvolvidas neste espaço. Desta forma esta pesquisa propõe-se a examinar, de modo muito especifico, como as experiências vivenciadas pelas crianças fora do espaço escolar, em seus ambientes de vivencia (família/vizinhança) interferem no processo de alfabetização. A pesquisa pretende expor para a escola os problemas que as crianças enfrentam no processo de construção de suas representações de mundo, que dar-se a partir das experiências vivenciadas na cotidianidade fora do ambiente escolar e mostrar para os educadores um novo ângulo de debate sobre o processo de aprendizagem.

METODOLOGIA:
Esta pesquisa apóia-se no conceito de “representação social” identifica um vasto campo de estudos psicosociológicas inaugurados pelo francês Serge Moscovici (2003). Em suas formulações, Moscovici parte da sociologia do conhecimento para desenvolver uma psicosociologia do conhecimento que mais tarde será tratada como Psicologia Social, um campo específico de estudo.À Psicologia Social, orientada pela compreensão do contexto das vivências, importa tanto os comportamentos individuais, quanto os fatos sociais (instituições práticas) em sua congretude e singularidade histórica, tal como colocados nos espaços familiares e vicinais.Importam como os conteúdos dos fenômenos da psique estão na base dos processos de formação, principalmente na construção das representações e suas formas de lidar com o mundo. Refere-se, portanto à construção de realidades sociais próprias de cada indivíduo. Em uma perspectiva aproximada, ARROYO mostra como são construídos os descompassos entre o mundo existencial da escola e das crianças, especificamente no que se refere às variantes como o espaço/tempo no processo do desenvolvimento pessoal e social, desvelando uma visão antiga e os problemas da contemporaneidade. A idéia de crianças como sujeito só pode ser concebida após as mudanças de concepções sobre as relações pedagógicas que, no Brasil, teve início com as obras e práticas de Paulo Freire em torno de 1958 . A categoria de analise carateriza-se como a ludicidade, pois é no ambiente lúdico, nas brincadeiras que as crianças dão liberdades ao imaginário e as culturas infantis aparecem mais fortemente. O brincar é definido por Piaget como jogo simbólico que é uma expressão do pensamento autístico, fantasioso ou momento de fabulação, da criança, que será eliminado no decorrer da construção do pensamento racional. Já para Freud o imaginário infantil corresponde a sobreposição do principio do desejo, ou prazer, sobre o principio da realidade, onde o jogo simbólico é a expressão do inconsciente, longe da censura do super-ego. Diante de todas as vivencias cotidianas representadas nas brincadeiras, nos momentos lúdicos, que como é percebido através da analise do conteúdo, a forma de representar a realidade que circunda tal criança, e a construção dessas representações das crianças sobre os seus espaços vivenciais é um trabalho pedagógico do pesquisador e será feito no espaço da sala de aula utilizando a técnica do grupo focal, um tipo de observação participante, que: [...] consiste num processo no qual o observador mantém relação face a face com os observados, incluindo-se no contexto observado . Trata-se de uma forma de investigação interativa baseada no método etnográfico associado à observação participante, onde se busca compreender os pensamentos das crianças, os seus valores, as suas concepções de mundo e as suas manifestações concretas em termos comportamentais. O desenvolvimento desse método de observação inclui técnicas operativas de dinâmicas de grupo e o desenvolvimento de uma práxis analítica fundada na experiência que permite compreender a partir de dados empíricos as condições reais de vivência das crianças a partir do espaço da sala de aula. A intervenção do pesquisador consiste no uso de técnicas variadas (jogos, desenhos, dramatizações, etc.) e oferecimento de alguns instrumentos que favorecem as falas das crianças sobre as suas vivências na família, nos espaços vicinais e no interior da própria escola, o que permite o movimento de construção e desconstrução das representações (concepções de mundo) por elas formuladas, de modo interativo. Esse método se justifica a partir da hipótese do conhecimento insuficiente, do ponto de vista científico, que uma parte significativa dos docentes ainda tem sobre as crianças e a sua aplicação guarda um sentido operativo de deixar alguma contribuição para a escola pesquisada sobre esse aspecto. A analise dos dados gerados pelas crianças deu-se por meio de uma triangulação; cruzando as vozes das crianças interpretativas dos desenhos, a visita aos locais de moradia e entrevista com os pais, fazendo com pudesse ser (re)construída a representação de mundo da criança enquanto sujeito partícipe da pesquisa.

RESULTADOS:
Bairro: A Zona Leste é composta por diversos bairros ou distritos: Colônia Antônio Aleixo, Armando Mendes, São José Operário, Jorge Teixeira, Distrito Industrial, Mauazinho, Puraquequara, Zumbi dos Palmares, Tancredo Neves e Coroado. O Censo de 2000, aponta uma população de 340.453 habitantes, que representa 24,22% do total de 1.405.835 pessoas residentes em Manaus. Entre os sub-distritos, o Jorge Teixeira, onde está situada a Escola , é o terceiro mais pobre. O rendimento médio das pessoas que ali habitam é de R$ 355, 08 reais. Isto é, um pouco mais do salário mínimo da época. Mas, há um número significativo de pessoas sem rendimento. A população do Jorge Teixeira é de 78.631 habitantes (Censo 2000). Destas 12.884 têm entre 0 a 4 anos de idade; 11.360 têm entre 5 e 9 anos de idade; 8.980, têm entre 10 e 14 anos; 1.786, têm 15 anos; 3.332 têm entre 16 e 17 anos; e, 3.192 entre 18 e 19 anos. A população jovem soma 41.534 pessoas. Perfil da Escola: Procedência dos alunos por local de moradia: a maior parte das crianças são provenientes do Jorge Teixeira (33,04 %), Braga Mendes (19,73%) e Amazonino Mendes (18,36%). 22,86% das crianças vem de outras localidades como Cidade Nova, Bairro Novo, Cidade de Deus e outros. Resultados do trabalho com o grupo focal: Depois da realização dos grupos focais em uma turma de 1º serie do Ens. Fundamental -2º ano do 1º- (sessões de desenhos, entrevistas com os alunos e os pais e, visita aos locais de moradia) foram catalogados e analisados 100 desenhos, os quais apresentaram uma freqüência de 325 indicadores de comportamento. Dentre os estes indicadores de comportamento, os três que aparecem com maior incidência são: comportamento defensivo, medo, insegurança (32%), capacidade de enfrentar problemas e bom nível intelectual (18,46%), tendência a fantasia e fuga (7,08%), e a veracidade destes comportamentos, e até mesmo a necessidade de sua existência, pôde ser observado nas visitas realizadas aos locais de moradia das crianças, trata-se de um dos bairros periféricos da Zona Leste da Cidade de Manaus, apresentando um dos maiores índices de violência, prostituição infantil, desemprego e taxa de analfabetismo.

CONCLUSÕES:
Pôde-se concluir que a escola desconhece o ambiente vivencial das crianças e as condições de sobrevivências de seus alunos. Dentre as muitas dificuldades, uma está nas relações entre a escola, em sua dinâmica pedagógica cotidiana, e as vivências das crianças nos seus espaços de origem. Dando-nos clareza das incompatibilidades ou mesmo contradições entre o modo como as crianças vivenciam e adquirem seus conhecimentos, valores, crenças e hábitos nos espaços da família, ou mesmo vicinais, e as exigências oficiais da escola, tais incompatibilidades não estão restritas apenas às inadequações dos conteúdos, mas abrange todas as dimensões comportamentais e de aprendizagem, dificultando o desenvolvimento pedagógico e favorecendo o abandono escolar. Tais dificuldades estão além das questões de ordem metodológicas, acabam por comprometer a ação comunicativa entre professor e aluno, dado o desconhecimento e falta de domínio dos códigos alfabéticos por parte do aluno, levando-o à desmotivação, baixa freqüência nas aulas, e por fim, ao abandono escolar. Chega-se por fim, a um ultima conclusão, de que fatores estruturais, de ordem socioeconômicos, são determinantes reais dos impasses da alfabetização, porém, os fatores de ordem culturais somam-se como agravantes na relação Escola x Comunidade, criando verdadeiros abismos entre as vivencias e a linguagem dos professores e alunos, logo, têm-se duas culturas paralelas, a da Escola e a da Infância vivida pelos alunos nos seus lugares de moradia, ambas não se tocam, e dificultam a interação e o sucesso no processo de alfabetização. Porém, tal pesquisa remete à necessidade de outras investigações.

Instituição de fomento: Fundo de Amparo a Pesquisa no Estado do Amazonas- FAPEAM

Trabalho de Iniciação Científica

Palavras-chave:  Culturas Infantis, Tempo/Espaço Lúdico, Representação de Mundo Infantil

E-mail para contato: pitt_lima@yahoo.com.br